"Older" - Parte 1

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Oii 💛
Amanhã as coisas vão estar muito insanas por causa da eleição então decidi postar hoje.
Toda essa demora é justificada pela quantidade de gatilhos nesse capítulo, ele é um mergulho profundo nos sentimentos, problemas, e traumas da Millie então leiam com cuidado 💛
PS: se passa no mesmo dia do último.

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Millie...

O pensamento mais persistente e angustiante de toda a minha vida costumava surgir a cada final de noite desde que ganhei idade o suficiente para compreender a minha existência. Ele começou brando, ainda na infância, quando as discussões entre meus pais me mantinham acordada até tarde da noite. Naquela época eu não compreendia porquê minha mãe precisava passar tanto tempo brigando por meu bem-estar, ou porquê o meu pai defendia com tanta certeza o que estava fazendo comigo que não se importava em machucar a esposa no caminho, mas a cada final de dia, escondida sobre cobertas, na completa escuridão do meu quarto, eu pensava em como deveria ser incrível ter o poder de desaparecer, apenas me desintegrar de todos aqueles sentimentos de medo e culpa, me desprender do momento e sumir.

Com o passar dos anos, o pensamento tomou força junto as inseguranças e toda ansiedade que me perseguiam. Todo o sucesso que estava alcançando foi como uma comprovação do que Robert vinha a tanto tempo tentando fazer Kelly aceitar. E no deslumbre de uma vida cheia de regalias e novas possibilidades, ela já não se lembrava tanto assim de me proteger, ela não se lembrava sequer que um dia esteve brigando por mim. 

As discussões entre eles cessaram, mas o que eram noites de barulho externo pouco a pouco se tornaram noites de barulho interno com toda a responsabilidade, cobranças e expectativas depositadas em mim. E novamente, sob cobertas e a escuridão, e agora assombrada também por uma solidão que crescia gradativamente a cada dia em mim, eu chorava implorando para que acabasse, eu desejava com todas as minhas forças deixar de existir por um instante sequer, eu pensava no mundo perfeito onde eu poderia simplesmente deixar o meu próprio corpo e junto dele a ideia de mim, e então descansar mesmo que brevemente do pesadelo que era ser eu.

Foi assim por muito tempo, toda noite, depois de dias felizes ou não. Meus fantasmas sempre surgindo na hora de dormir, me fazendo temer a mim mesma e a minha capacidade de me odiar, me fazendo perder a cabeça e desejar gritar para que se calassem. Até que como um presente divino, ou um golpe de sorte, Sadie entrasse de vez em minha vida.

Na nossa primeira noite juntas, ainda em Nova York, embalada por seu corpo adormecido, mesmo assustada com tanta mudança entre nós e receios do que estava por vir, o que encontrei antes de dormir pela primeira vez foi a mais absoluta e completa paz. E sob a chuva que batia grosseiramente contra as janelas daquele quarto de hotel, eu descobri finalmente qual era a sensação de descanso. Não desejei fugir de mim, desaparecer, ou deixar de existir, eu somente fechei os olhos e adormeci no mais absoluto e completo silêncio interior de toda a minha vida. Anos ansiando por algo que ela me trouxe em um único dia.

Em nossos meses juntas, nossas ligações no final da noite, ou sua presença garantiram que essa paz perdurasse. Sua voz doce e sua risada sendo a última coisa que ouvia no meu dia, e a primeira coisa da qual me lembrava ao acordar. Mas os fantasmas encontraram o caminho de volta, novos problemas surgiram, e o barulho deles do qual havia me livrado retornou impiedoso onde nunca havia ousado me atormentar antes: meus sonhos.

Começou quando Sadie e eu fomos descobertas, e conforme as coisas pioravam com minha família eu pude observar como se instalaram com facilidade em meu sono. Preferia que se tratassem de imagens assustadoras e surreais. Na verdade torcia secretamente para que monstros terríveis surgissem. Mas o que me assombrava em cada novo pesadelo era a simples e imutável realidade, todas as possibilidades terríveis diante de mim.

Pouring Rain - SillieOnde histórias criam vida. Descubra agora