Capítulo 1

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PoV Vegas

Poucas coisas poderiam me surpreender hoje em dia. Não que eu tivesse uma vasta experiência de vida ou minhas aventuras fossem absurdas, mas pensem o seguinte: o que vocês não viram em aplicativos de vídeos curtos? Literalmente qualquer conteúdo está disponível na internet e você nem precisa buscar por ele. Um exemplo foi o vídeo de terraplanagem que apareceu para mim, assim como o de arquétipo, DIY, simpatias, receitas veganas e economia na Guiana Francesa.

Nada poderia me surpreender mais do que o exposed da página de Gore ou quentinha do Twitter, nada além, é claro, de Pete Phongsakorn Saengtham. Aquele cara era completamente imprevisível, um ser humano instável e utópico em um nível místico. Tay, meu adorável amigo corno, me contou que Pete fez amizade com os babacas que tentaram bater nele, comprou lanche para a ex-namorada que o largou e fez trabalho a noite inteira com o amigo que ficou de recuperação. Pete era algum tipo de santo sofredor encarnado responsável por pregar amor incondicional e paz entre as nações, ele parecia ser a pessoa que bateria o mindinho na quina e pediria desculpas ao móvel.

Quarta-feira parecia o tipo de dia da semana que não passava, as horas se arrastavam, as pessoas pareciam terrivelmente irritadas, tudo que podia dar errado dava, oque podia dar certo também dava errado e oque não daria em nada por algum motivo dava errado. E calor, fazia um calor semelhante ao fogo da cozinha do inferno, não que a Tailândia fosse o país mais quente porém ela conseguia ficar insuportável na questão temperatura. Nunca gostei do Verão, sou o jovem que ama climas amenos como os que fazem no Outono, além de ser a estação de colheita em muitos lugares e as roupas ficarem livres para escolha. O meu eu gótico agradecia assim como o meu eu piranha devassa destruidora de lares.

Sendo quarta, eu não esperava grandes coisas além de alguns clientes sem-noção, amantes de meu amado pai ou ligação da cadeia. A última opção sempre me rendia risadas sinceras, um deles me disse que eu havia sido o ganhador de um prêmio, ele não poderia adivinhar que nunca ganhei nem mesmo um "feliz aniversário". De qualquer forma aquelas coisas se tornaram engraçadas com o passar do tempo, semelhante ao meu problema familiar.

Receber a mensagem de um número desconhecido não era novidade, muitas pessoas do meu curso davam meu número para estranhos interessados, oque é uma falta de noção tremenda e invasão de privacidade pior ainda. Mas aquela mensagem veio de ninguém mais que Pete e tinha um apelo irresistível para um fofoqueiro curioso como eu, não era por causa de sua fofura notória e sorriso de mil sóis, jamais!

01:05PM: Vegas? Aqui é o Pete da aula de Metodologia Científica. Sei que não somos próximos, mas gostaria de pedir sua ajuda com algo que acredito que só você pode fazer. Desculpe desde já o incômodo.

Bem, se ele ao menos soubesse que metade da faculdade pagaria para que Pete desse um soco na boca deles, com toda certeza ele não teria tanta insegurança em mandar mensagem seja lá pra quem fosse. Não era só a aparência do Saengtham, mas sim a personalidade e trejeitos, a verdade em seu olhar e inocência quando sorria. Se ele precisava de minha ajuda em algo que só eu poderia fazer, então eu poderia pegar a pá e ajudar a ocultar o cadáver que ele achou, porque realmente não poderia pensar em mais nada além disso.

01:07PM: Hey Pete, algum problema? Estou saindo às 6 do trabalho. Podemos nos encontrar na faculdade.

01:08PM: Tudo bem, pessoalmente é melhor. Até depois, Vegas.

Pessoalmente seria melhor? Com toda certeza sim, falar de um crime por telefone é um grande erro. Pete era um daqueles fãs de documentários criminais? Essas pessoas assustam até mesmo o Kim.

Ter ansiedade e receber algo do tipo  "precisamos conversar" era pedir para ter um ataque de pelanca. Um misto de possibilidades e até mesmo repassar tudo que fez em relação ao outro buscando onde errou ou oque poderia ser. Meu negativismo me impedia de pensar que fossem coisas boas, ao mesmo tempo que meu espírito fanfiqueiro dizia que ele finalmente se descobriu bissexual e estava pronto para viver um romance conceitual comigo, iríamos adotar um gato e nos casar no final do curso. Não que eu fizesse planos com ele, óbvio.

Ter que esperar até às seis para sair da empresa de meu pai foi uma tortura, tortura essa semelhante a esperar o lançamento de The Winds of Winter ou tomar spoiler na internet. Torci o nariz quando sai do ar-condicionado da minha sala e percebi a mudança no clima, a chuva torrencial iria começar pois o tempo estava mais temperamental que minhas emoções. O ponto alto de tudo isso é que hoje eu saí com a moto e da empresa até a faculdade foi um delicioso, se atente a ironia, banho de chuva. O trânsito estava tão cheio quanto loja de 1,99 em dia de Black Friday, com toda certeza sairia um vídeo no xracing, fui xingado de tantos nomes e em tantos idiomas que ao invés de bravo eu fiquei intrigado, de onde saíram tantos gringos em Bangkok?

Cheguei na faculdade com a camisa de seda vermelha cabaré completamente molhada, as calças estavam encharcadas e eu estava quase fazendo uma aposta sobre pegar uma gripe, pneumonia ou hipotermia já que agora eu congelava. Andei dando pulinhos quando reconheci a figura de um Pete parecendo um gato de rua. O tênis azul estava sujo pelo que parecia lama, o cardigã bege tinha manchas e as calças provavelmente incomodavam bastante, mas assim que ele me viu seu sorriso cresceu e ele veio até mim.

—Vegas, oi.— Como alguém todo destruído poderia ser tão bonito? Que tristeza.

—Pete, como vai?— Que pergunta tosca, ele vai molhado, com frio e sujo, sua anta!

—Estou bem, pensei que iria me atrasar já que o ônibus não passou e eu tive que vir andando. No caminho um carro ainda bateu numa poça e me sujou inteiro, mas eu tenho roupa no armário daqui. Desculpe te fazer pegar essa chuva, não consegui cancelar.— Os olhos dele pareciam realmente arrependidos, como se tivesse me forçado a assistir Cinquenta tons de cinza e 365 dni.

—Sem problemas, Pete. Vamos nos trocar e então tomar um café.— Quando o vi concordar já caminhei para a área dos armários.

Não foi difícil achar o meu e logo eu estava fora da roupa suja e vestido em moletons confortáveis e secos, Pete parecia afim de fazer o mesmo pois vestiu um conjunto fofo e igualmente bonito. Apenas nossos cabelos se encontravam molhados, mas não demorariam a secar.

A faculdade era cercada por pequenas e grandes lojas, desde materiais de papelaria até restaurantes diversos. Entramos em uma cafeteria vazia, as mesas vagas e com almofadas davam ao ambiente uma aparência retrô bonitinha. Chamei a atendente e Pete tomou a frente dos pedidos.

—Vou pedir um expresso, duas tortinhas red velvet e um bolo de laranja. Qual café você vai querer, Vegas?— Fiquei surpreso com o quanto ele gostava de doces, mas não comentei.

—Latte.— Pete pareceu genuinamente confuso com minha resposta.

—Au au, mas qual café?

—...

Por alguns segundos eu só apreciei minha curta existência na Terra enquanto sussurros satânicos falavam aos meus ouvidos o quanto aquele garoto poderia ser obediente. Ignorei as vozes da minha cabeça para explicar meu pedido.

—O nome do café é Latte, uma mistura de expresso com leite.— E ele pareceu ter recebido uma revelação divina, pois sorriu e concordou dando um joinha para a atendente que parecia ter visto uma cena de sua novel preferida acontecendo em frente aos olhos.

Aquela com certeza seria uma conversa longa e possivelmente surpreendente levando em conta que a) Pete não parecia ter um funcionamento cerebral normal e b) ele precisava da minha ajuda mesmo sendo amigo de metade do campus.

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