A VELHA PANELA DE PRESSÃO

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Uma velha panela de pressão, feito uma locomotiva, soltando ar quente pela válvula, depois de tanto tempo servindo a sua dona, cozinhando porções de carne e feijão, encontrava-se condenada ao sombrio abandono. Seu destino poderia ser uma sepultura de um fétido lixão, ou talvez a gigantesca prensa de um ferro-velho, tendo seu corpo material ou lançado às moscas, ou fragmentado, para ser reciclado e transformado em outro objeto.

Sem se importar muito com o destino da panela, dona Antônia resolveu doá-la para uma senhora da periferia, que comumente batia à porta, pedindo material de reciclagem. Era o único meio de sobrevivência daquela senhora pobre e batalhadora. Tamanha foi a felicidade, que aquela criatura gastou boa parte de sua visita agradecendo pelo peculiar presente de dona Antônia.

Muitas vezes na vida desprezamos as pessoas pela sua aparência, pelas roupas que vestem, pela sujeira nas unhas que carregam, pelo cabelo despenteado, pelo jeito estranho de falar e andar. Desprezamos essas pessoas sem ao menos conhecer realmente o seu interior, a sua verdadeira identidade, o seu verdadeiro valor. Somos fortemente atraídos pela aparência, pelo modelo padronizado em nosso meio social em detrimento às virtudes e as qualidades de valores humanos. Nem sempre a limpeza e beleza externa corresponde à verdadeira beleza interior do ser humano. A maior vaidade dessas pessoas é manter a vida simples e da forma mais natural possível, “in natura”, com autenticidade e espontaneidade, por isso são muitas vezes confundidas e não compreendidas, excluídas de seu meio.

No mesmo dia, dona Antônia comprou uma nova panela de pressão para substituir a antiga. Foi rapidamente a retirando da embalagem e levando ao fogo. Esperou pelo mesmo tempo de cozimento da panela antiga. Tamanha foi sua decepção ao abrir a tampa e constatar que a carne ainda não havia atingido o ponto de cozimento. O que será que havia de errado? Talvez a carne fosse de má qualidade e necessitava de ficar por mais tempo ao fogo. Passaram-se uma, duas horas ... e a carne nada de chegar ao ponto e sabor antes alcançados pela velha panela. Desconfiada do açougueiro, dirigiu-se até o açougue e esbravejou-se com o pobre coitado, dizendo-lhe que a havia enganado com aquela carne de péssima qualidade.

O tempo passou e nunca mais dona Antônia conseguiu uma panela que atingisse o ponto de maciez e rapidez no cozimento quanto àquela antiga panela doada à mulher da periferia. Foram mais de uma dezena de panelas novas e nenhuma foi capaz de superar a eficiência da antiga.

Certo dia, visitando uma feira de artesanato que acontecia na praça principal da cidade, dona Antônia sentiu um aroma delicioso no ar. Aproximou-se de uma barraquinha onde estava sendo servida feijoada. O cheiro era tão convidativo que dona Antônia não resistiu e comprou uma porção. Serviu-se ali mesmo, numa mesa ao lado da barraca. O caldo da feijoada, o cozimento dos condimentos, o sabor pareciam muito familiar. Em sua mente reacendeu a lembrança de sua antiga panela de pressão.

Naquele momento, dona Antônia animou-se, sentiu-se feliz. Talvez a panela em que tinha sido feita aquela feijoada fosse de alguma marca desconhecida, mas o resultado final era o mesmo atingido pela sua antiga panela. Levantou-se da mesa e indagou à moça que lhe serviu anteriormente:

__ Você poderia me dizer qual é a marca da panela de pressão que foi feita essa deliciosa feijoada?

__ Marca? Quando minha mãe ganhou a panela ela não tinha marca alguma. Estava cheia de amassados, bem descuidada que até a marca já tinha se apagado. A única marca que ela tem, é a marca do amor que minha mãe deixou na panela.

__ Marca de amor? — admirou-se dona Antonia.

__ Sim. De amor, de felicidade pelo fato de ter ganhado de uma senhora chamada dona Antônia a panela que seria jogada no lixo. Foi o maior presente que minha mãe ganhou. Ela sempre desejou uma panela de pressão como aquela; mas o dinheiro era tão pouco que não poderia comprar nada semelhante.

Os olhos de dona Antônia se encheram de lágrimas. Ainda reuniu forças para perguntar:

__ Mas a panela não era sucata?

__ Sim. Para dona Antônia era apenas sucata. Para minha mãe não. Ela levou a panela no conserto e ficou novinha em folha. Realmente é uma panela muito especial, cozinha um feijão e uma carne como nenhuma outra. Muita gente já quis comprá-la, mas minha mãe não a vende por dinheiro algum nesse mundo.

Dona Antônia, num suspiro de arrependimento, ainda fez uma última pergunta:

__ Eu poderia ver essa panela? Só por curiosidade.

__ Sim. Ali está ela – apontou a moça para a panela de pressão que estava sobre um pequeno fogão, no canto da barraca.

__ Obrigada, minha querida. Agora posso compreender o verdadeiro sentido da vida – disse dona Antônia, com os olhos cada vez mais encharcados, diante daquele objeto que lhe serviu por muitos anos com tamanha eficiência nunca mais substituída.

Sem condição emocional de permanecer naquele local, dona Antônia foi embora.

“Algumas pessoas têm um interior magnífico, possuem as virtudes que tanto procuramos, mas seu exterior não é nada agradável, o que nos faz distanciarmos delas. Esquecemos que as aparências externas podem ser melhoradas, podem ser consertadas, podem ser revitalizadas; enquanto o interior, a sua essência, o seu caráter é algo peculiar de cada ser humano; algo que não se muda nem com toda riqueza do mundo. A diferença de quem tem um diamante em seu interior e de quem carrega um diamante em seu bolso, é que este, é sempre egoísta, ganancioso, superficial, mesquinho, ingrato, traiçoeiro, perigoso; e aquele, é sensível, autêntico, confiável, verdadeiro, simples, amável, honesto e etéreo”.

Farmacia da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora