O dia ficou cinzento assim que eu abri os olhos e tirei os pés da cama. Mais uma noite mal dormida, e, exatamente hoje, cinco anos dessa rotina. Eu ainda não conseguia aceitar que você simplesmente tinha sumido, que depois de tudo que passamos tinha me deixado só.
Faziam cinco anos, e eu não tinha perdido a mania de deixar bilhetes para te informar de cada passo que eu daria naquele dia caso você voltasse. Na verdade, eu tinha começado a deixar todas as minhas tarefas da semana na porta da geladeira - o que me ajudou a ser uma pessoa mais organizada - mas só pra você conseguir se situar. Nenhuma mudança que fiz nos últimos anos tinha sido sem pensar em você. Assim, eu deixei a mesma fechadura na porta. Não mudei meu número do celular, nem desliguei o telefone fixo. Não mudei nem de emprego, achando que, quando voltasse, porque um dia voltaria, você me procuraria lá.
Com cada vez menos vontade de sair de casa, eu tomei meu café olhando para sua xícara - sim, a sua xícara, com o desenho que você tinha feito nela - lembrando com uma certa dor no peito da última vez que vi seus olhos brilhantes e seu sorriso que fazia minhas manhãs terem brilho. Senti uma lágrima escorrer, então me levantei e limpei meu rosto, repassando todas as obrigações do dia mentalmente enquanto fechava a casa e entrava no carro, buscando um jeito de não enlouquecer com o seu "aniversário de partida" e falhando. Eu não gostava mais de ouvir música no carro, porque ouvia sua voz cantando do meu lado.
Eu passei o dia no piloto automático. Escrevendo, apagando, riscando, marcando tarefas como encerradas e anotando outras para serem começadas. Quando a hora de ir embora chegou, Ashton me ligou perguntando se eu queria sair e beber alguma coisa. Ele sabia que era um dia muito difícil, mas eu preferia passar por isso sozinho. Respirei fundo, agradeci-o por ter se lembrado de mim e recusei, dizendo que tinha que fazer algumas coisas, mas o grande programa da noite era comprar o que faltava na despensa e dormir para não fazer alguma merda como beber até cair em plena quinta-feira.
Até as tarefas mais básicas sem você eram quase um suplício. Coisa simples, como passear pelas gôndolas do mercado que nós íamos — o único que realmente tinha variedade naquela cidade pequena que a gente morava — me trazia memórias doloridas dos seus olhos brilhantes chacoalhando as caixas dos cereais coloridos e cheios de açucar que você adorava e eu adorava implicar mas comia algumas tigelas deles com leite ao seu lado nos cafés da manhã de domingos ensolarados, que só eram bons porque eu tinha você comigo.
Depois que você havia ido embora, aquela cidade pequena continuou a mesma, mas ao mesmo tempo, não. O sol não me esquentava mais, a chuva não me fazia mais ter uma boa noite de sono. Chuva essa que começava a derramar seus primeiros gotejos tímidos do lado de fora daquele ambiente protegido e eu só pensava "Droga, minhas camisas no varal", lembrando como você me chamaria para dançar no estacionamento se estivesse ali, e eu, como o grande bobo apaixonado por você que era, iria. Mas você não estava ali. E, em momentos como esse, eu me questionava se algum dia estaria novamente.
Empurrei o carrinho com má vontade pelo corredor de frios, virando na próxima esquina, passando o corredor de guloseimas para onde você sempre me arrastava e entrando no corredor das massas. Eu sabia cozinhar, mas desde que você fora embora eu vivia com pouca comida de qualidade. Mesmo assim, era sagrado, aos domingos eu preparar um macarrão caprichado, por lembrar que você gostava. Eu sentava sozinho naquela mesa, me lembrando do seu rosto sujo de molho vermelho como o de uma criança. As lágrimas começaram a embaçar minhas vistas e eu tive que parar em um momento, virado de frente para a prateleira de molhos de tomate para ninguém perceber que eu estava chorando, até ouvir uma voz familiar. Uma voz tão familiar, que eu pensei estar em um sonho.
Ouvi seu timbre alegre conversar ao telefone enquanto empurrava um carrinho.
Pensei estar ficando louco, mas era você. Eu tinha certeza que era você. Eu reconheceria sua voz mesmo em um milhão de anos, mesmo a mil milhas de distância. Meu coração se agitava no meu peito, ensandecido. Era você, eu sabia, tinha certeza daquilo. Até o perfume que ficou no ar depois que a dona da voz passou por mim, distraída com os produtos das prateleiras, eu podia jurar que era seu.
Mas meu corpo demorou mais que minha mente para agir, e quando eu voltei à mim, você já tinha sumido. Quase saí correndo pelos corredores do mercado, buscando você em todos os lugares, mas minhas mãos e todo meu corpo tremiam. "Respire", eu comandava para minha mente. "Se acalme, foi só um engano", eu dizia para mim mesmo. Me movi sem contar meus passos até encontrar alguém que pudesse me dar um copo d'àgua, minha mente ainda atordoada.
Terminei aquela compra sem pegar sequer metade das coisas que faltavam na lista e guardei tudo no carro, desesperado para sair daquele lugar, para chegar em casa e fazer o que eu havia prometido à mim mesmo que não faria. Dirigi pelas ruas molhadas de forma furiosa e imprudente, o som da sua voz naquele corredor ainda ecoando em meus pensamentos.
Cheguei em casa sob uma chuva torrencial, os trovões se confundindo com sua risada em minha mente. Peguei as poucas sacolas todas de uma vez e corri para a entrada, me molhando um pouco no caminho. Abri a porta apressado, fechando a mesma com um baque um tanto violento. E, quando eu me virei para finalmente soltar as compras e descansar, lá estava ninguém mais, ninguém menos que.... você.
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Oi gente! Eu joguei o combinado pela janela logo no primeiro mês, que vergonha hahahaha mas eu tava TÃO ansiosa pra publicar esse conto que não consegui me segurar. Demorei uns anos pra terminar esse querido, mas ele sempre rodeou minha cabeça e ficava voltando e perguntando "Ei, e eu??"... E agora ele tá aqui! Tô muito feliz!
E digo mais viu, uma parte dois pra esse conto tá me cutucando aqui... Será que eu devo?
Obrigada por estarem aqui, viu! A gente se vê em breve, nesse mesmo bat canal, mas talvez não nesse mesmo bat horário! Se cuidem ♡
Um cheiro,
Nina ♡