A legenda da foto dizia: "The best thing about me". Um casal jovem se abraçando e bem arrumado estreava aquele quadro afiado, que partia o coração que existia do outro lado da tela, do outro lado do mundo. Mas, na rede social, a reação não existiu. Apenas uma mensagem digitada por dedos ágeis permitiu que a garota soubesse: ele tinha visto seu novo status de relacionamento.
"Então você tá namorando?"
As poucas palavras transmitiam uma mensagem muito maior que pretendia. os dois sabiam. No final, a corda nao enforcava só de um lado.
"O que parece?"
Agressiva? Talvez. Mas ter ido embora depois de toda a história entre eles, todos os segredos sussurrados em um quarto escuro, todas as mentiras que ela, que detestava mentir, contou por aquele... Como falava na carta? Lance. Era assim que ele tinha definido o relacionamento dos dois. Um lance errado e intenso que tinha que ter um fim. Da maneira mais fria possível: uma carta. Nem isso, um bilhete de meio parágrafo, falando que a partida estava marcada e que tinha acabado ali. O ponto final e a assinatura apressada. O lado frio da cama quando o despertador tocou não foi nada perto do frio que sentia depois daquela dúzia e meia de palavras rabiscadas, literalmente, em um papel de pão.
Ele digitava e apagava o tempo todo, incapaz de criar uma sentença que expressasse de verdade o que sentia. Dar o passo distante foi a coisa que mais lhe doera. Ser incapaz de ter dito a verdade todo esse tempo - quatro anos, cinco meses, uma semana, tres dias e algumas horas - ainda o matava lentamente por dentro. Mas aí veio a Índia, depois o Japão, e mais tarde a Nova Zelândia. E pra ela vieram os diplomas, o concurso, o emprego dos sonhos. As viagens para a Disney que ela sempre sonhara, a primeira vez vendo a neve. Eles tinham traçados caminhos diferentes que os faziam felizes. Ele não postava nada, mas ela tinha sempre fotos novas em seus perfis. Cada dia mais bonita, mas com algo pesado nos olhos, como se os sonhos não bastassem para cicatrizar as dores.
"Você parece bem com ele. Um casal bonito"
Mas eu preferia nós dois. Os dois pensaram a mesma coisa, polegares sobre as telas de seus telefones esperando seus ágeis comandos de "enviar", mas eles não vieram. As palavras vieram, fluindo rápido entre seus dedos como areia em balde furado, mas foram rapidamente apagadas. Os dois digitando, os dois apagaram. O silêncio conseguia ser ainda mais incômodo virtualmente. Tantas palavras precisavam ser gritadas, tanta coisa precisava ser dita, porém frente a frente. Ela não salvaria as palavras que se afogavam em seu peito assim, por escrito, e pior, pela internet. Já nem se lembrava mais de sua voz. Mais uma vez, algo lá dentro lhe dizia para ligar. Ela não queria. Sempre com uma desculpa que "ele não atenderia", mas hoje não colava. Hoje era medo. Medo de, na verdade, ele atender. Medo do silêncio e do passado tão pesado acabarem prensando-a se tivesse que ouvir a respiração dele de longe. Mas dentro dele, a saudade falava bem mais alto. Não hesitou em ligar, e não bastando ligar, pediu chamada de vídeo. Ela quase derrubou o celular de tanto susto. Ia acordar a casa inteira com aquele toque escandaloso. Recusou a ligação, respirando fundo por finalmente conseguir terminar aquele tormento. Ledo engano. O telefone tornou a tocar, parecendo ainda mais alto, e ela, insistindo na recusa, colocou o celular no silencioso. Nem isso sossegou os ânimos dele.
"Me atende. Quero falar com você."
"Mas eu não quero falar contigo. Tá todo mundo dormindo."
"Coloca fone, sei lá. Você sempre soube falar baixo quando queria"
Aquela frase não tinha duplo sentido. Jamais teria, se não fosse pela história dos dois. Sempre amando em silêncio, sempre se escondendo onde as luzes e os olhos não chegavam nas festas, sempre olhando por pouco acima das telas de seus computadores, olhadas de lado entre uma página e outra de um livro, mãos dadas somente quando os olhos curiosos de fora não podiam ver. Porque para todos, eles eram amigos. Melhores amigos. A amizade entre homem e mulher que fazia todos dizerem "viu, existe amizade sem pegação". Realmente, não havia "pegação". Havia algo muito mais forte, construído há muito mais tempo. Eles nunca começaram com a intenção de serem amigos. O sentimento, a paixão, foi mútua desde que começaram a se falar de verdade, desde que começaram a conviver, coisa de ensino fundamental ainda. Há quem diga que amor de escola não dura. E por isso eles sempre deixaram a aparência de amizade enganar todo mundo. Aquela frase, o que ninguém sabe, ninguém tem inveja. Só duas pessoas sabiam, mas sem nomes. A melhor amiga dela e a melhor amiga dele, mas não sabiam com quem que os amigos tinham saído quando acobertavam. Todo esse segredo já quase acabou com os dois. Eles iam crescendo e chamando atenção, fazendo mais amigos, conquistando corações e uma hora o teatro ia ter que ganhar mais personagens. Ele saía com algumas meninas, ela com alguns garotos, mas nunca rolava nada. Presos demais um ao outro pra lançar olhares profundos em qualquer outra pessoa. Veio o ensino médio, veio a faculdade, vieram os problemas. Ele tinha começado a flertar pra valer com outras meninas e ela se mantinha fiel. Com o desgaste, veio o tempo. Com o tempo, vieram as migalhas dos corações lentamente, carregadas pelas ondas de saudade e pela ressaca de arrependimento. O segredo continuava. Tudo crescia dentro deles, os sonhos, os desejos, os sentimentos. As primeiras vezes foram juntas. As viagens eram juntas. As famílias tinham se aproximado e ficado amigas. Parecia perfeito, só faltava que a relação deles ficasse formal. No meio desse caminho, um enorme anúncio luminoso de PARE. O segredinho tinha sido descoberto, e os pais dele não tinham gostado nem um pouco disso. "Você sabe que vai ter que desistir dela, não sabe?" Não, ele não sabia. Então quando apareceram passagens compradas pra qualquer lugar longe dali, de onde ela estava, ele não pode fazer outra coisa além de aproveitar cada segundo até o dia de ir. Ela nem imaginava que ele tinha passado a noite e a madrugada anterior chorando enquanto escrevia sua meia dúzia de palavras que a fariam chorar no outro dia. Ela não precisava saber que aquilo partia o coração dele em mais pedaços do que vê-la com outro cara. Mas agora, vendo-a com outro cara, ele não sabia dizer o que era pior.