A Garota das Quatro

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Camila's Point of View

Todos os dias eu me perguntava a mesma coisa. Será que as pessoas, assim como eu, viviam no automático? Como se todos os dias fossem o mesmo. Como se estivessem dentro de um filme de uma cena só, que se repetia incansavelmente.

Se sim, o que as fazia continuar? Não desistir? O que as mantém com os pés no chão? Gostaria de saber. Sinto que já não tenho muitos motivos para continuar tentando tanto. É quase como se todos os meus sonhos estivessem sendo apagados da minha mente, por mais que eles ainda tivessem algum tipo de propósito.

A verdade é que é difícil continuar acreditando quando quase tudo à sua volta parece te puxar para baixo. Não querendo ser egoísta, mas já sendo... Sei que muitas pessoas querem o meu bem e sei também que elas me amam. Mas seria isso suficiente para me manter aqui? Qual o sentido de insistir em uma coisa que obviamente não está dando certo?

Por mais que eu me esforce muito, as coisas parecem nunca dar certo e nunca saem do jeito que eu planejo. Sempre existe um obstáculo no meio do caminho e, sinceramente, não sei se tenho forças o suficiente para continuar tentando com tanto afinco.

Estava tão absorta em meus próprios pensamentos que quase esqueci que ainda estava no meio do meu expediente. Faltavam no mínimo três horas para terminar meu turno. O barulho da porta abrindo foi o responsável por me tirar do estado quase-vegetativo em que me encontrava. O relógio marcava exatamente quatro da tarde.

Respirei fundo, já sabendo exatamente quem era o cliente. Ou melhor, a cliente. Assim que ela passou pela porta, olhei para Jonah. Ele me olhava com o mesmo sorrisinho sugestivo de sempre, o que fazia com que eu quisesse matá-lo com minhas próprias mãos. O que eu tinha na cabeça quando decidi trabalhar junto com o meu melhor amigo?

De qualquer forma, havíamos entrado em um acordo sobre quais clientes recorrentes cada um atenderia, e bem, ela era uma das minhas. Como de costume, a garota já seguiu para a mesma mesa que costumava usar todos os dias. Esperei que ela se acomodasse por completo antes de fazer qualquer menção de ir atendê-la.

Antes de pegar o bloco de anotações e passar pelo balcão, olhei para Jonah novamente, que fazia um coração com os dedos indicadores. Ele era ridículo. Revirei os olhos, parando em frente ao espelho para arrumar meu cabelo rapidamente. Eu não era uma pessoa muito vaidosa, mas gostava de estar no mínimo apresentável na hora de atender alguém. Principalmente se fosse um cliente tão bonito quanto ela.

Comecei a andar em passos largos até a última mesa do corredor ao ver que ela já estava confortável. Por ser uma cafeteria de bairro, o ambiente era relativamente pequeno e aconchegante. No total, tínhamos oito mesas, formando duas fileiras, e um balcão com mais quatro banquinhos. A garota sempre se sentava no melhor lugar da cafeteria, na última mesa, que dá uma visão completa da avenida e de todo o movimento lá fora.

Minhas mãos estavam um pouco geladas, mas eu não sabia se era por conta do clima ou por conta do nervosismo. A simples presença daquela mulher fazia com que todos os meus sentidos ficassem mais bagunçados do que o normal - como se isso fosse possível.

Assim como todos os dias durante os últimos meses, ela aguardava pacientemente enquanto observava o movimento do lado de fora da cafeteria. Seus fones de ouvido já estavam conectados ao celular desbloqueado, que pairava sobre o canto esquerdo da mesa. Como sempre, sua guitarra já estava recostada sobre o lugar vago no sofá, logo ao seu lado.

Embora eu nunca tenha a visto, não havia dúvidas de que aquilo, de fato, era uma guitarra. Sua capa estampava um "Ibanez" em letras garrafais e isso, meus caros, é tudo o que eu precisava saber para ter certeza.

Não houve um dia sequer que eu não tivesse questionado mentalmente o motivo dela levar aquilo todos os dias para a cafeteria, se no fim ela ficava apenas ali, encostada. Ela sequer mexia nela.  É óbvio que eu jamais perguntaria o motivo, afinal, eu ainda nem sabia o seu nome.

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