Capítulo 2

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Juliette

Posso começar a descrever minha vida, minha família e quem eu sou.
Hoje moro no morro do Rio com meu marido, Sérgio. Estamos juntos a muito tempo, o conheci quando tinha 17 anos e diria que minha vida, ou a maior burrada dela, começou a partir do momento que achei que ele seria o melhor para mim.

Cresci em uma família linda, daquelas de comercial de TV. Meus pais sempre foram os melhores pais do mundo e eu cresci em um lar cheio de amor, mesmo tendo um irmão do qual eu tinha que compartilhar a atenção e o carinho dos meus pais, nunca me faltou afeto.

Fazíamos Natal, aniversários sempre eram comemorados, dia das crianças, Páscoa...nenhuma data passava em branco. Meus pais sempre faziam questão de nos proporcionar as lembranças mais lindas e felizes. E eu sou grata a eles por isso.

Eu não conseguia imaginar crianças que não tiveram o amor dos pais que nem eu e meu irmão. Para mim, aos 5 anos, todo mundo era feliz e não havia tristeza no mundo. E eu queria que tudo tivesse se mantido assim.

Foi então, que por uma rebeldia, aos 17 anos eu comecei a me envolver com Sérgio. Eu amava minha vida, amava meus pais, amava a minha família. Mas eu sentia a necessidade de viver. Viver a vida que todos os meus amigos diziam ser a melhor. Conhecer e conviver com novas pessoas, sair da bolha da qual eu sempre vivi, debaixo das asas dos meus pais.

Foi então, que em uma festa de aniversário de uma amiga, eu conheci Sérgio. Trocamos algumas palavras no meio da música alta, mas não fiz questão de prolongar o assunto. E deveria ter continuado assim.

Começamos a nos ver com mais frequência por conta dos amigos que fiz, que eram em comum aos amigos de Sérgio. E como comecei a sair, a ir para festas e casas de amigos, nossos encontros e conversas se tornaram parte da nossa rotina.
Ele foi o meu primeiro em tudo. E se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo totalmente diferente.

Começamos a nos ver escondidos, ele sempre me pedia isso, e eu muito inocente, nunca questionei.
Depois de alguns meses, meus pais começaram a perceber as mudanças no meu comportamento. Eu comecei a tirar notas ruins na escola, a deixar minhas tarefas de lado, a dormir e comer mal, e tudo em mim...mudou.

Então eu abri o jogo, disse que estava conhecendo alguém e que eu gostava o suficiente dele para querer que eles o conhecessem. Eles me perguntaram tudo relacionado a Sérgio, mas poupei os detalhes, afinal, eu não sabia praticamente nada sobre ele, mas já me dizia apaixonada.

E então, depois de convencer Sérgio a conhecer meus pais, ele aceitou e o almoço de domingo ocorreu.
Meus pais o olharam de cima abaixo, fizeram dezenas de perguntas e ao final da tarde, quando Sérgio foi embora, eles declararam que ele não era o melhor para mim. Não sei se era o jeito dele que não agradou, ou a diferença de idade, ou se eles simplesmente decidiram que não queriam ele na minha vida.

Eu surtei, disse que eu sabia com quem eu estava me envolvendo, disse que eu o amava e que nada nem ninguém, ia nos separar.
Em 17 anos de vida, essa foi a única vez que brigamos. E eu me arrependo amargamente dessa briga.

Eu fiz minhas malas, liguei para Sérgio e pedi para que ele me encontrasse. Saí de casa sem nem olhar para trás. Sem nem olhar para meus pais que me criaram com tanto amor e para meu irmão, que deixei chorando na porta de casa enquanto me afastava. Eu deixei tudo ali, e se eu tivesse noção de como minha vida mudaria, eu jamais teria feito isso.

Me encontrei com Sérgio na praça perto da escola. Ele me viu chegando e vi sua expressão mudar ao ver a mala que eu carregava. Contei a ele tudo que aconteceu e ele me abraçou, dizendo que daríamos um jeito. Ali eu me apaixonei mais ainda por ele.

Ele disse que deveríamos conversar sobre algumas coisas, precisava contar da sua vida e eu tinha que garantir que não ia contar para ninguém oque a gente ia conversar, ele me perguntou diversas vezes se eu tinha certeza daquilo e se eu realmente não voltaria para casa. Eu estava com tanta vergonha dos meus pais e das minhas últimas atitudes, que prometi que não voltaria mais para lá.

Fomos para casa dele, e daqui, eu nunca mais pude sair. Descobri quem ele era e oque ele fazia. Mas eu era tão inocente, que mesmo sabendo de tudo, ele me mostrava seu melhor lado e eu caia em suas palavras de amor por mim. Eu realmente amei ele um dia loucamente. Mas isso mudou, quando eu fui descobrindo aos poucos, oque ele era capaz de fazer quando estava com raiva ou quando era contrariado.

Ele sempre foi bom comigo, sempre demonstrou um amor lindo e puro por mim, sempre fez minhas vontades e quem ele era na rua, realizando suas "paradas" ele não era comigo em casa. Eu vivia bem...nós vivíamos bem!

Só que depois de quase dois anos de relacionamento, ele começou a mudar. Ele estava começando a ficar mais influente e virando cada dia mais "o homem mais temido do morro", e ter que resolver tudo e tantos problemas, estava deixando ele cada dia mais estressado. E quem acabou pagando por isso fui eu.

Em um dia, após um conflito com os polícias e uma troca de tiros assustadora, ele chegou em casa. Corri para seus braços preocupada, assim que me aconcheguei em seu peito ele me empurrou para longe.

-Eu tô cansado cacete! Não fica grudando.

Olhei para ele assustada por sua atitude, fiz um esforço para me colocar no lugar e vi ele respirar fundo.

-Cadê a comida? Eu faço tudo por vc e vc não tem sequer a consideração de deixar a comida pronta?

-Eu acabei dormindo...estou cansada da faculdade.

Ele se aproxima e pega em meu braço.

-Então, a partir de agora, vc não vai mais para faculdade. Se vc não consegue cumprir as suas obrigações dentro de casa, é melhor sair dessa merda.

-Não, por favor! Vc sabe que estou quase terminando...eu preciso me formar, esse é meu sonho, vc sabe disso!

Gatilho: Violência doméstica/Relacionamento abusivo

Então ele acerta um tapa em meu rosto e eu me esforço para não chorar. Bom, não que isso tenha sido difícil, afinal, o choque do momento me fez paralisar.

Ele colocou as mãos na cabeça enquanto eu, coloquei a minha no rosto. Ele se aproximou e olhou nos meus olhos.

-Eu...eu sinto muito! Me desculpa amor. Eu não queria, foi sem querer.

Ele me pede desculpas sem parar, me beija e me abraça. E eu, só parei, enquanto ele fazia todos os gestos de desculpas, eu só fiquei parada.

-Amor, diga alguma coisa! Vc sabe que foi sem querer né?

Recobro a consciência e confirmo.

-Sim, vc está estressado. Me desculpa por ter te enchido ainda mais.

-Vc pode sim continuar na faculdade, estou ansioso para vc se formar!

Ele beijou o topo da minha cabeça e eu sorri, e ali, foi a primeira vez que isso aconteceu.

Eu errei muito em ter saído de casa, ter decepcionado meus pais, mas principalmente, em ter me envolvido com Sérgio.

Cenas de violência doméstica nunca serão tão detalhadas, mas, sempre serão avisadas por "gatilho", para quem não se sentir confortável em ler, pular!

Não esqueçam de curtir e comentar.

Continuo?

Entre a vingança e o amorOnde histórias criam vida. Descubra agora