Set Fire To History

it's a church of burnt romances

͏ ͏Na última sessão, Harry vestia um casaco de tons terrosos, esse foi o motivo pelo qual eu não vi sua nova tatuagem, a rosa. Mas dessa vez o dia estava ensolarado, ele usava uma camiseta amarela que deixava boa parte de seu braço aparente.

͏ ͏Era visível que sua tatuagem era recente, estava descascando em alguns pontos, como nas duas pequenas folhas presas ao caule. Infelizmente, eu não poderia dizer que já sabia da tatuagem, muito menos sobre quem havia feito.

-Bom dia, Harry! Estou feliz em te ver! Como está se sentindo hoje? - eu o cumprimento enquanto ele entra na sala.

-Bom dia, Helene! Me sinto bem, na verdade muito bem! E você, como se sente hoje? - Harry questiona de forma alegre, o que não era nem um pouco comum.

-Fico feliz em ouvir isso, Harry! Estou ótima, e muito obrigada por perguntar!

͏ ͏Harry se sentou na poltrona azul, como em todas as suas outras sessões.

-Temos chá de hortelã, preto e de frutas vermelhas. Qual você prefere? - questiono com a xícara de porcelana em mãos.

-Frutas vermelhas! - Não me lembro de ter servido chá de frutas vermelhas para Harry antes, exceto pelo dia em que ele e Niall inauguraram a loja.

-Quente? - pergunto mesmo estranhando sua escolha.

-Gelado, por favor! - Sinto que essa vai ser uma sessão interessante...

-Aqui está! - eu entrego a xícara para ele acompanhada de um pequeno pires azul claro.

-Obrigado! - ele agradece e eu o respondo com um sorriso discreto.

-Vamos lá, Harry! Como vai o trabalho?

-Vai bem! Estamos com um movimento maior em comparação ao ano passado. - ele responde após dar um gole em sua bebida gelada.

-Meus parabéns! E quanto a sua relação com seu amigo, o Niall?

-Vai bem também! Só tivemos uma discussão porque ele deixou as roupas espalhadas pela casa, de novo.

͏ ͏Harry e Niall dividem uma casa em Thetford, eles tem uma amizade bastante longa e fraternal, então é normal que briguem por motivos assim.

-Sabe me dizer há quanto tempo teve sua última recaída?

͏ ͏Sei que essa pergunta sempre o deixa inseguro e um pouco na defensiva, mas infelizmente, não posso evita-la. Ela é a última em minha ficha de questionamentos padrão.

-Dez dias? Não tenho muita certeza, mas sei que tem mais de uma semana. -Ele responde orgulhoso evitando meu rosto, Harry observava a xícara de chá com um sorriso nos lábios.

-Isso é ótimo! Tenho muito orgulho de você, Harry!

͏ ͏Essa resposta me deixou ainda mais surpresa que sua escolha de chá, Harry nunca conseguia passar de quatro dias sóbrio.

-Obrigado, Helene! - ele diz finalmente deixando que seus olhos encontrassem os meus.

-Sua ficha está muito boa! Agora você pode me contar sobre esses seus dias!

͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏🌨️

͏ ͏Os dias que passei nas Highlands com certeza foram incríveis, estar longe de qualquer coisa que pudesse me incomodar foi uma sensação ótima.

͏ ͏Louis e Clifford foram companhias maravilhosas. Louis conseguia me fazer rir, eu não ficava desconfortável ao lado dele, tudo com ele é tão simples, conversar com ele era simples.

͏ ͏Sempre que eu e ele saíamos para pegar lenha, ou apenas para uma caminhada nos arredores da cabana. Eu não precisava estar bêbado para conseguir falar com ele. Louis com certeza é um ótimo ouvinte.

͏ ͏Sou alcóolatra. Comecei a beber aos dezesseis anos, porque ajudava a diminuir minha timidez, permitia que eu pudesse socializar com as outras pessoas sem medo de ser julgado. Mas isso ocorria apenas em festas e finais de semana, infelizmente, sempre foi de forma exagerada.

͏ ͏Desde adolescente, eu bebia bem mais que meus amigos, era sempre o último a ir embora das festas. Os anos foram se passando e eu aumentava a quantidade de bebida, com isso, descobri minha dependência.

͏ ͏Uma coisa que muitas pessoas não sabem, é que os alcoólatras não sofrem os efeitos "negativos" da bebida no organismo. Nunca tive uma ressaca sequer e muito menos vontade de vomitar ao beber. Isso me impulsionou a ingerir quantidades cada vez maiores, afinal, eu não iria passar mal.

͏ ͏A casa de Louis não possuía nenhuma bebida alcoólica, mas eu não senti falta disso. Meu organismo não sofreu de abstinência em nenhum momento, não tive aqueles tremores que costumava sentir todos os dias pela manhã.

͏ ͏Numa das noites em que passei na cabana, nós jogamos palavras cruzadas. Louis contou sobre uma tradição de família, ele e sua avó passavam os dias que antecedem a ceia de natal fazendo palavras cruzadas juntos.

-Você é bom nisso! - o elogio ao observar sua agilidade para preencher os quadrados destinados as letras.

-Tenho certeza que minha avó já teria feito todas as folhas nesse tempo! - Louis responde provocando meu riso.

͏ ͏Os olhos azuis, porra! Como eles são bonitos... Era como se Louis cultivasse estrelas em suas íris. O tom discreto de rosa em seus lábios, realmente encantador...

-Caralho! A gente conseguiu! - Louis diz num tom alto fazendo com que minha mente retornasse a cabana.

͏ ͏Clifford acordou e levantou a cabeça ainda sonolento. Ele se assustou ao ouvir o grito de Louis, o cão nos observou rapidamente e voltou a dormir em seu tapete, localizado ao lado da lareira.

-Eu avisei desde o início que a palavra do meio era violoncelo! - digo após perceber que tinha razão desde o começo.

-Que tipo de pessoa sabe a quantidade de cordas de um violoncelo? - ele argumenta encarando meu rosto com estranhamento.

-Provavelmente alguém que trabalhe numa loja de instrumentos musicais. - respondo sorrindo em seguida.

-Você trabalha numa loja de instrumentos musicais?! Por que não contou antes? - Louis questiona surpreso.

-Não acho que isso seja uma coisa muito interessante.

-Eu acho incrível! Sempre quis aprender a tocar piano, na verdade, qualquer instrumento. -Louis expõe, fazendo seus olhos brilharem de forma ainda mais intensa.

-Eu posso te ensinar! Se você quiser, é claro... - digo tentando controlar meu entusiasmo, que geralmente era excessivo.

-É óbvio que eu quero! Espera aqui, eu já volto! - ele avisa se levantando da cadeira e andando até seu quarto.

͏ ͏Louis retorna a sala com um violão de aparência retrô em mãos, e um sorriso despretensioso nos lábios.

-Está aqui desde que comprei a casa. Avisei aos moradores antigos e eles disseram que eu poderia ficar com ele! - Ele narra o entregando para mim.

͏ ͏Levou algum tempo até que eu conseguisse deixá-lo afinado, mas assim que eu o fizesse, poderia iniciar as aulas de Louis.