Calafrios

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"E aí, vamos ou não?", perguntou Fernanda, no grupo que Luisa criou no whats. Se chamava "Rolêzinho na mansão", e tinha uma foto da Casa Monstro do filme homônimo. Tinha só a gente nesse grupo, e eu era a voz da oposição.

"Já falei que tem alguém lá. Não quero aparecer no Gazetão como desaparecido.", argumentei.

"Mas agora seremos três! E você disse que só tinha uma pessoa lá. Da pra pedir ajuda.", rebateu Luisa.

"Depois de alguém já ter ido pro além? Nem pensar.", respondi, afinal.

A discussão se estendeu pra Fernanda me perguntando detalhes do dia que eu fui lá. Expliquei novamente, já que eu havia contado antes, e ela sempre tentava desenterrar alguma coisa a mais. Mas era a mesma coisa sempre: a casa cheia de insetos, desgastada pelo tempo, dois andares, uma iguana na cozinha, e o quintal cheio de velharia. E, claro, a estranha figura que eu mal vi, a penumbra de alguma coisa estranha me procurando por trás do reflexo de uma fresta entre as tábuas presas naquela janela. Para ser sincero, só de lembrar disso eu sentia calafrios. Naquela semana, quando eu estava sozinho, minha ansiedade pregava suas peças em mim fazendo eu me sentir perseguido e observado. Era sempre pensamentos de que olhos famintos estavam atrás de uma esquina, ou num canto escuro da minha própria casa. Esses detalhes eu não revelei às meninas, afinal era apenas frutos de medo próprio.

Então devo admitir que eu não voltava lá por medo. Elas não entendiam isso, mas era tão óbvio! A encrenca toda cresceu quando eu topei passar lá na frente de bicicleta, com elas. Disseram: "Só queremos ver um pouco de longe!", e eu não vi muito mal nisso. O problema era entrar lá, não é?

Saímos da escola à tarde e fomos direto pra pista velha. Por sorte, os dias ficavam claros por mais tempo, pois era novembro. Estaria tudo escuro se fosse junho, o céu estava nublado. Surpreendentemente, não bastou as nuvens, como também tinha neblina ali na estrada, o que deixou tudo ainda mais misterioso.

Era curioso aquele lugarzinho. Tinham umas poucas casinhas por ali, de beira de estrada, com cercas e muros delimitando-as mas, na maioria das vezes, ficavam envoltadas por terrenos baldios e coisas assim. Infelizmente, não eram casas tão bem erguidas, faltando pintura, faltando reboco, algumas feitas de tábua mesmo. O que destoava era justamente aquela que íamos visitar. Ela ficava mais distanciada das outras, sozinha, como se não quisesse se enturmar. Ou o contrário: ninguém deveria gostar de chegar perto dali.

E havia algo novo também nesse cenário. Uns canteiros de obras se firmaram ao lado da residência. Naquela hora não tinha nenhum trabalhador ali, já deviam ter ido embora. Descemos das bikes pra examinar os arredores.

— Isso deve ser sobre aquela manchete que te mostrei outro dia, lembra? — sugeriu corretamente Luisa.

— É claro que me lembro da manchete. Foi isso que te fez ficar obcecada! — murmurei.

— Vai dizer que não está sendo legal se aventurar por aqui, Miguel? - disse Fernanda, mais animada do que eu gostaria. — Quero dizer, pode ser A lenda urbana de nossa cidadezinha! Pode ser, tipo, o Et de Varginha! Ou a Grávida de Taubaté! Imagina se descobrirmos a Assombração de Nova Ubatuba?

— Rezem muito pra que seja assombração, e não serial killer — resmunguei.



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