Interior

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Muitas coisas estranhas já se passaram na minha cabeça, porém essa surpreendeu-me de tanta doidera. Em minha defesa, pensava que Luisa estava lá dentro, então entrei.

A porta estava semi-aberta. Era velha e mofada, e rangeu quando a empurrei. O dia lá fora ficava mais claro, mas lá dentro era escuro ainda. A luz só entrava por pequenas brechas nas janelas remendadas com tábuas e por buracos nas paredes e, ainda assim, entrava fraca. Eu optei por não ligar a lanterna do celular, ainda temia ter alguém perigoso ali dentro.

E logo dei de cara com uma sala de estar no primeiro andar. Haviam muitas coisas jogadas no chão, apodrecidas ou sendo vítimas da entropia. A única coisa que vi povoando o cômodo eram volumosas teias de aranhas pelo teto e abaixo de móveis como um rack e algumas cadeiras velhas. O cheiro incomodou meu nariz quase que de imediato. Era mofo, poeira e velharia: tudo que o olfato de alguém com rinite pode temer. Segurei espirros e mais espirros, quase trombando com as poltronas do local. Por fim, fiquei com as narinas escorrendo mesmo. Alergia atacada e medo não fazem bem par alguém.

Em outro canto da sala, havia uma escada para o segundo andar e ao lado, um corredor que parecia dar numa cozinha antiga. Haviam portas no corredor, que imaginei ser algum banheiro ou quarto extra. Uma despensa, talvez. Meus passos faziam o piso de madeira gemer, pareciam querer gritar que eu estava ali para alguma coisa, e eu me sentia observado toda vez que me movia. Não havia nada além de insetos na sala, mas era como se agora tivesse. A própria casa rangia, mas já havia visto em um documentário que casas de madeira sofrem desses ruídos pela dilatação da madeira durante o dia. Mas puta que pariu! Gelava até minha espinha aquela barulheira.

A cozinha era tão digna de pena (e reforma) quanto a sala. Era um fedor difícil de definir que vinha dali. Chegava a ser repulsivo, como se uma aura cobrisse o cômodo e o cheiro demarcava o território. Além da podridão, era o cheiro de fezes de ratos e até de gatos, possivelmente. O fogão e a geladeira estavam enferrujados e, obviamente, essa última não funcionava. Não havia energia nessa casa, mas os ratos haviam roído a tomada. O chão e o teto pareciam ser grudentos, também. A brisa que assoprava esta parte, fazia um ruído bizarro de "uuuuuuuu", que contribuiá ainda mais pro ambiente sinistro.

Tec-tec-tec.

De repente, sons vinham de dentro de um armário velho. Também era de madeira, e parecia que cairia facilmente ao mínimo empurrão. Pelas fendas abertas, vi alguma coisa escamosa se movimentando ali dentro.

— Isso é... Um lagarto? — sibilei comigo mesmo. O pequeno réptil me olhava atentamente pela fenda, da mesma forma que eu fazia.

Não era tão grande quanto um dragão-de-komodo, mas também não era um calango. Dava pra pegar na mão, pelo visto. Abri a porta do armário e ele se esgueirou para trás, com medo. Emitia alguns cliques. Olhei bem por dentro do armário e era só aquilo mesmo. Sem vasilhas ou qualquer outra coisa além de fezes de lagarto — e o lagarto. Neste momento, é claro, deixei um detalhe importante escapar. Eu estava tenso demais pra ter pensado naquilo. Deixei o animal de lado e decidi olhar o restante do andar. Ali na cozinha ainda tinha uma porta para os fundos, que decidi ignorar. Pela janela só pareciam haver mato e lixo ali atrás, o que não deixava de ser estranho.

Talvez Luisa entrou por aqui. Sua bicicleta não está na entrada.

Mais uma porta rangente. Olhei para trás, ainda com a sensação de ser observado, e a escuridão crescia dentro da casa, em oposição à luz que entrara quando abri a porta. Vi nitidamente o brilho dos olhos do lagarto: neutros e esverdeados. Se não o tivesse visto antes, podia jurar que seria uma cobra. Bem, saí para o quintal.

***

Nenhuma mudança significativa em relação à entrada, exceto pelo lixo. Não era exatamente lixo orgânico. Era sucata, tábuas, móveis velhos, pneus, fios velhos, latinhas e garrafas... Avaliando o terreno só por essa visão, facilmente poderia ser dito que era um ferro-velho. Também estava pichado o lado de fora. Umas frases e símbolos estranhos, dei de ombros.

Eu vi peças de bikes por ali mesmo. Guidons, rodas, cilindros, cestos, parafusos... Tudo espalhado, tudo velharia e, o mais importante, nenhuma era de Luisa.

O sol ja havia se erguido bem. Perdi a noção do tempo, olhando todas aquelas velharias. Eu estava devagar, quase parando, lá dentro. O medo de dar de cara com alguém era enorme, naquele escuro, fazendo aquele barulho.

Luisa talvez não veio para cá. Ela deve ter me ouvido.

Toda a tensão que eu sentia, desvaneceu-se por um momento. Decidi retornar. Abri a porta dos fundos e fui recebido com um fino ranger. Do nada, ouvi algo mais.

Eram passos. Passos em cima de mim, a madeira batia forte. Não eram passinhos de lagarto. Meu coração disparou. Voltei para fora e paralisei por uns segundos. Fitei a janela do andar de cima e não conseguia ver nada.

Misericórdia, meu Deus!

Contornei depressa toda a velharia dos fundos — esbarrando em algumas coisas — até achar um corredor estreito entre a casa e o muro. Passei direto, nervoso, e continuava ouvindo passos lá dentro. Arrisco a dizer que ouvi uma voz, ou vozes, mas não saberia dizer. Apenas continuei fugindo.

Voltei para a entrada principal, onde era a fachada. Minha bike estava largada ali entre o mato, onde eu havia deixado. Levantei-a e montei nela. Mas ainda vale destacar minha última ação no local sinistro. Eu olhei para trás.

Pela janela da frente, vi uma silhueta. Alguma coisa estava ali dentro. Não ficava em pé igual um humano normal. Parecia torta, embora humanoide, e mais baixa do que eu. Talvez aquilo tenha me visto, e talvez não, também.

Quando percebi, eu estava pedalando o mais rápido que pudera para longe dali, como se estivesse sendo perseguido, de volta para casa.

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