Prólogo

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Seis anos atrás

— Eu já venho, meu amor.
Pedro me beijou e saiu. Alguma coisa dentro do meu peito dizia que ele não deveria ir e que eu não deveria deixar, mas não consegui dizer nada. Assenti e aceitei seu beijo de bom grado. Queria tê-lo agarrado e não ter permitido que saísse. Se eu soubesse... Ah, se eu apenas soubesse o que aconteceria...
Seus cabelos loiros refletiam o sol, mas tinham um tom diferente dos meus. Os meus eram quase platinados de tão claros, e os dele eram mais escuros. O rapaz colocou o capacete e passou uma das pernas pela linda Harley Davidson que ele possuía.
Ela era linda mesmo, cromada e com escapamentos enormes. O tanque era vermelho, com o símbolo característico da águia americana, aquela com a cabeça branca. Não podia negar que a motocicleta era bonita, mas ainda a odiava. Tudo nela me irritava, desde o barulho ensurdecedor que fazia até a quantidade absurda de poeira e sujeira que se acumulava nas minhas roupas quando estava na garupa. O problema era que aquele era o sonho realizado do meu namorado, ele tinha se esforçado demais para comprar aquele... aquele... aquele troço!
Desculpa. Noivo. Balancei a cabeça quando lembrei. Ainda me confundia. Olhei para o anel simples que brilhava com o sol no meu dedo, enviando alguns raios através das pequenas pedrinhas que o adornavam. Suspirei, pedindo a Deus e a todos os santos que protegessem Pedro. A viagem não era longa, mas eu detestava que ele andasse de moto. Entrei em casa e fechei a porta, me escorando nela e olhando para dentro.
O pequeno sobrado no bairro de América, perto do centro de Joinville, era simples, mas estava ficando com o nosso jeito. Os retratos da família de Pedro, que agora também seria a minha, jaziam no móvel ao lado da TV, junto com duas fotos minhas com Alice e Jenny, na escola e na faculdade, uma do nosso brinde quando ele me pediu em casamento e uma de nós dois com a chave da casa. Em um lado da mesa, todos os materiais de arquitetura do meu noivo estavam espalhados: esquadros, compassos, transferidores e folhas de papel quase tão grandes quanto eu. No outro lado, meu computador, o tablet, minhas folhas de sulfite e duas caixas de lápis de cor.
Nossa casa era o paraíso do desenho: o lar de um arquiteto e de uma designer. Dei risada enquanto arrumava minhas coisas e as dele em um canto da mesa. Pedro fora até um cliente pegar um projeto para arrumar e não demoraria para chegar, mas eu estava com o almoço no fogo. Então, assim que ele retornasse, comeríamos e voltaríamos ao mesmo ritmo de antes: meu noivo trabalhando nos projetos dele, e eu tentando montar meu portfólio com desenhos encomendados pela internet.
Pus a mesa, terminei o almoço e coloquei tudo em potes térmicos para não esfriar. Sentei no sofá e peguei um livro que estava lendo. Entreti-me na história e só me toquei de que o tempo passara quando terminei o último capítulo.
Égua, li rápido demais, pensei.
Mas eu não tinha lido rápido; Pedro é que não havia chegado. Olhei para o relógio que ficava em cima da TV. Eram mais de quatro horas da tarde e, quando ele saiu, não era nem meio-dia. Peguei meu celular e liguei para meu noivo.
Chamou, chamou, chamou... Ninguém atendeu. Bufei. Não é nada. Liguei de novo depois de dez minutos: a mesma coisa. Liguei para a mãe dele.
— Pedro passou por aí?
Não, querida, por quê? — perguntou dona Lia.
Engoli em seco e disse que não era nada, que depois ligava.
Telefonei para o melhor amigo do Pedro, Miguel.
— O Pedro foi ao escritório?
Não, inclusive estava esperando que ele me trouxesse o projeto do Sr. Francisco, e até agora nada. A gente precisa colocar isso pra andar, senão vamos perder o prazo.
Senti um arrepio correr pela minha coluna, e meu estômago ficou gelado. Tremendo, desliguei o telefone e voltei a ligar para Pedro. Olhei pela janela e vi o dia começar a escurecer. O inverno estava chegando, o céu era tomado pelo crepúsculo mais cedo.
Liguei quase dez vezes até que ele atendeu.
— Ah, graças a Deus, eu estava preocupada contigo! Onde tu estás? Miguel está bravo por causa do prazo do...
Alô? — Aquela não era a voz do Pedro. — Quem fala?
Engoli em seco.
— Quem é? — perguntei.
É o celular de Pedro Farias? — Concordei. — A senhora é a esposa dele?
— Vou ser, sou namorada dele. O que aconteceu?
O pânico tomou conta de mim, e precisei me sentar quando aquela mulher começou a me contar o que acontecera. Meu corpo sacudia com violência, absorvi muito pouco do que ela dizia.
Pedro. Moto. Caminhão. Impacto.
O mundo ao meu redor parecia ter ficado em silêncio enquanto eu sentia o coração parar, o ar faltar nos pulmões e a cabeça rodar. Por algum motivo, meus ouvidos captaram as últimas palavras que aquela estranha – descobri, mais tarde, ser uma paramédica – me dizia:
Desculpe falar isso pra senhora pelo telefone, mas só tive autorização dos bombeiros agora. Pedro morreu na hora com o impacto do acidente, e preciso que a senhora ou alguém da família venha até aqui fazer o reconhecimento do corpo para que possamos liberá-lo para o médico legista.

Boa Noite, Querido (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora