Capítulo 01 - Infância

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Chegou a hora de levar o defunto ao cemitério público da cidade, um cortejo de curiosos e desocupados acompanhavam o caixão que foi levado num carro da prefeitura. Era um ônibus velho e foi ele que transportou a pequena comitiva, onde a maioria eram cachaceiros iguais ao morto. O lugar era horrível, cheio de matos, e a cova era tão rasa que mal deu para colocar o caixão. Depois de enterrado o preguiçoso do coveiro ainda precisou jogar um montão de barro por cima para poder cobrir totalmente o coitado. A sepultura era simples, nada de lápides com o nome, datas ou qualquer outra homenagem ao perdido, coisa de pobre.

Observava qualquer movimento, curiosa e irrequieta andava de um lado para outro entre as pessoas presentes ali, querendo ver e saber de tudo. Hora de retornar, o velho ônibus rangia as ferragens enferrujadas enquanto corria pela estrada, quanta pobreza junta num só dia! Aos dez anos de idade já tinha ido à aula várias vezes, mas nada aprendia porque sua mãe a matriculava somente para ter direito na bolsa família. Era um incentivo do governo federal para que as crianças tivessem condições de permanecer na escola.

Mas o dinheiro que ela recebia servia apenas para gastar em cosméticos que usava para ficar agradável aos olhos de seus amantes, com quem fazia saliência pelas madrugadas. Em seguida vinha para casa e dormia o dia inteiro. Parecia uma alma penada ou vampiro que só sai à noite atrás de suas vítimas. A verdade é que não tinha família, ninguém que se importasse com a vida miserável que levava, era como um cão sarnento que sobrevive catando os restos espalhados pelo chão, um pobre diabo que parece oculta ao olhar dos que andam de um lado para o outro nas avenidas, ruas, becos e estradas por onde estiverem.

Mas, e daí, estava acostumada a não ter valor, a ser uma sombra que passava despercebida, um ser invisível para o restante do mundo. Estava habituada a encarar isso. Viveu o tempo todo no mesmo bairro, nunca foi além da feira livre onde catava frutas jogadas fora pelos feirantes e com elas se alimentava, algumas vezes até andou dormindo por lá, sobre as bancas vazias. O vestido com estampas de flores vermelhas que ganhou a quase um ano estava velho e manchado, mais tinha outro com listras amarelas. Não trocava a pelo menos um mês. Odiava a cor amarela!

A calcinha, então, essa sim estava uma sujeira só! Mas nem pensava nessas coisas de higiene, não queria ser igual a mãe que vivia se pintando toda para conquistar os homens, achava tudo aquilo ridículo. Se alguém tivesse que gostar dela tinha que ser natural, sem tanta frescura, pois não pretendia andar parecendo uma palhaça toda enfeitada para arranjar namorado ou marido. Mesmo reconhecendo que isso ajuda, porque sua mãe sempre aparecia com um novo cara, que a levando para a cama.

Ah, isso ainda precisava entender, pois não compreendia direito o que diabos eles faziam trancados a noite inteira naquele quarto, era namorando? Mas o resto do pessoal do bairro namoravam lá na praça, ficavam se beijando. Uma vez parou e ficou observando o rapaz comendo a língua da moça, que nojeira! Mas tinha um tal de sexo que lhe falaram, onde o homem e a mulher ficam pelados, e deitam juntos. É quando vão fazer bebês. Será que era isso que sua mãe estava fazendo no quarto com o monte de namorados que tinha?

Mas que droga, as outras meninas entendiam de tudo isso porque tinham televisão em casa, na porcaria do barraco em que morava não tinha nem rádio! O pior é que os vizinhos só deixavam a menina assistir desenho animado. Ela adorava o Pica-Pau, perna longa e as confusões de Tom e Jerry, mas com dez anos precisava deixar de lado essas infantilidades e aprender a ser adulta. Queria saber mais sobre o tal sexo. Juliana era a loirinha, filha da comerciante ao lado, na verdade nem era um comércio grande.

SophiaOnde histórias criam vida. Descubra agora