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Eu não sei a quanto tempo estou aqui.

Esse lugar, que mais parece um quadrado cavado no chão cheira a terra molhada, com grades feitas de madeira e amarradas com cipós que me prendem aqui. Não sei quanto tempo fiquei aqui, sem comida, sem água e sozinha com meus próprios pensamentos - que sinceramente me aterrorizam. Entretanto o que mais me assusta na realidade é ainda não me lembrar de nada.

Não há em minha memória nenhum fragmento de quem eu possa ter sido um dia, nem meu nome, minha família, minha idade, simplesmente nada.

Vez ou outra tenho companhia, os olhares de curiosidade dos garotos que passam trabalhando perto do lugar que me prende. Eles não puxam conversa e eu também não tento.

- Está escondendo mais alguma faca que eu deva saber? - pergunta uma voz com sotaque, se aproximando. Vejo suas pernas pelas grades, mancando em minha direção. Me pergunto como ganhou aquilo, ou se simplesmente nasceu daquela maneira.

Newt sorri ladino, me olhando e se abaixando em frente ao lugar onde estou.

- Talvez. - respondo. - Porque não abre aqui e descobre? - digo, a ameaça clara na voz.

Ele ri, ainda olhando pra mim, então faz algo que me surpreende, Newt abre as grades feitas de madeira e estende a mão pra mim.

- Vem, vou te mostrar a Clareira. - diz - só por favor, tente não matar ninguém.

Hesito um pouco antes de aceitar a oferta, mas me levanto sem tocar em suas mãos. A denominada Clareira é um grande lugar, um campo vasto com grama mal-aparada, um pequeno lago, uma densa floresta e diversas construções feitas de vigas de madeira e palhas seca, há também, no centro de tudo, uma construção de três andares feita inteiramente de troncos, circundando uma árvore que parece estar ali há décadas.

Procuro uma saída, má tudo o que vejo são muros fechados, nós prendendo aqui. Esta anoitecendo e percebo que lá fora o barulho de metal rangendo é continuo e assustador.

Os garotos trabalham assiduamente, hora ou outra dissipando sua atenção para Newt, que me leva em uma tuor pelo local.

- Nós somos uma família aqui. - continua. - todos fazemos nossa parte, cuidamos um dos outros.

Não consigo segurar a língua, a pergunta é uma das que está presa em minha mente.

- Por que sou a única garota aqui?

Newt me olha por alguns momentos, avaliando meu rosto. Ele anda lado a lado comigo, mantendo uma distância segura para que eu não o ataque como fiz com Gally. Não consigo deixar de encara-lo também.

Newt tem feições delicadas para um garoto, embora a mandíbula seja bem marcada ele ainda parece muito jovem. Não deixo de pensar que tem o rosto daquele tipo de criança que foi muito travessa.

- Não sabemos. - conclui desviando o olhar. - Não sabemos muita coisas sobre você, só que veio na caixa e ameaçou um dos nossos.

Eu não respondo, apenas continuo andando e ele também não tenta conversar mais. Estamos indo em direção a uma cabana grande, no centro da Clareira. O garoto moreno que ordenou que me tirassem da caixa está ali, me observando enquanto caminho em sua direção.

Newt e ele conversam baixo para que eu não ouça e não consigo captar uma palavra se quer da qual dizem, então Newt se afasta, me deixando sozinha com o rapaz alto.

- Eu sou Alby. - anuncia.

Alby parece amistoso, mas ao mesmo tempo sua presença exerce certo medo em mim. Tenho que respirar fundo para não sair correndo para longe dele.

- Você conseguiu lembrar seu nome? - pergunta, puxando assunto.

- Não. - respondo, curta. Não quero conversar, não quero amigos. Quero respostas.

Quero saber de onde vim, por que estou aqui, se vou voltar pra casa - se é que eu tinha uma. E além de tudo, quem sou eu?

- Acho que Newt te apresentou a Clareira. - começa. - mas eu vou te apresentar as regras.

"nós só temos três delas: faça sua parte, aqui não há lugar para preguiçosos; não machuque outro clareano, nada funciona se não tivermos confiança uns nós outros; e nunca, nunca ultrapasse aqueles muros."

- O que tem depois dos muros? - pergunto.

- vamos deixar essa conversa pra amanhã.

Seu tom de voz demonstra sua preocupação. Ele sabe de algo, todos devem saber, menos eu.

Não confio em Alby, não confio em Gally, não confio em Newt, em nenhum deles. Quero saber o que sabem, mas sei que em algum momento vou acabar descobrindo.

- Estarei de olho em você, Novata. - diz ele. - Não quero mais problemas.

- Não preciso de proteção. - digo, mas Alby esboça um sorriso.

- Não estou te protegendo. Estou protegendo os meus.

Fico em silêncio, encarando Alby. Sei que estou presa aqui, que em algum momento terei que conversar e passar segurança a essas pessoas, mas realmente não quero ter que enfrentar outra luta corporal. Ainda sinto o peso do pé de Gally sob minha barriga.

- Não vou me meter em encrenca. - digo por fim, o que é verdade.

Alby me avalia, provavelmente tentando enxergar alguma sombra de mentira em minhas palavras, mas quando não encontra, continua.

- Você vai trabalhar como todos aqui. Temos diversas funções e durante os próximos três dias você vai ajudar em cada uma delas. No final da semana pode escolher a área onde quer trabalhar. - concordo com a cabeça enquanto ele fala. - não teremos fogueira hoje, os garotos estão assustados com sua presença, então peça para Newt te ajudar a montar sua rede e descanse.

Com isso, Alby me dá as costas e sai, me deixando sozinha com meu tsunami de pensamentos e minha onda de perguntas.

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𝐒𝐭𝐮𝐜𝐤 𝐢𝐧| 𝐍𝐞𝐰𝐭Onde histórias criam vida. Descubra agora