Capítulo 4: O Jogo

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  Dom, 13 de março de 2022
  Califórnia – Trinity, 3:47 AM

  Às vezes, quando sinto uma vontade imensa de apenas sentar e chorar, eu paro e fico me encarando no espelho. Quando a minha dor distorce o meu rosto e eu fico tão horrível por fora quanto me sinto por dentro, penso que talvez eu mereça toda e qualquer dor que eu esteja passando no momento. Eu penso "A culpa é minha, eu mereço isso". Se em algum momento isso foi uma mentira, agora não é mais, porque eu realmente passei a acreditar em cada palavra que minha consciência gosta de jogar na minha cara.

  Lembro de uma época em que eu chorava todas as noites antes de dormir. Em todas essas noites eu me imaginava colocando minhas dores para fora, contando meus fardos e aliviando essa angústia que convive comigo desde que eu me conheço por gente. Juro que tentei de diversas maneiras pedir socorro de uma maneira que me ouvissem, mas não foi o suficiente, nunca é o suficiente. Todas as vezes que me abri foram em vão, expus minhas feridas em busca de um remédio e o que me deram foi escárnio.

  Mais cedo ou mais tarde aprendemos o momento de calar a boca e fingir expressões falsas. É o que esperam de nós, que estejamos sempre bem, afinal, desse jeito não seremos problemas. Agir como o ditado, seguir a conduta "adequada" segundo o que nos dizem. Somos apenas robôs criados para obedecer, e no fim estamos todos quebrados por dentro.

  Mas está tudo bem, claro que está tudo bem, pelo menos eu consegui achar um escape, uma forma de extravasar. Externalizar a minha raiva, o meu medo, indignação e frustração, todos esses sentimentos que me faziam querer parar de respirar. Alguém me culparia por isso? Provavelmente todas as pessoas no mundo. Elas vão olhar e julgar, sendo totalmente insinceras com elas mesmas, enquanto não percebem que eu sou apenas uma versão deles mesmos, a única diferença é que eu dei um passo que a maioria nunca teve coragem: o assassinato.
   
                                  ***

  A minha insanidade ri na cara da razão que se entrelaça ao delírio. O que é real? O que não é? Minha faca afunda novamente na carne de um ser que beira o desespero.

  — POR FAVOR! POR FAVOR, ME MATE! — implora, e lágrimas descem pelo seu rosto como uma linda cachoeira cristalina.

  — Grite mais alto, Alison. Eu não estou escutando direito. — a selvageria me domina em uma onda de puro prazer. As peças finalmente estão se encaixando, logo eles viriam atrás de mim, todos eles. — Talvez eu pense no caso se você se comportar e fizer como o combinado. — pisco para o rosto desfigurado pelas minhas mãos, como se fôssemos grandes amigos.

  O homem de olhos verdes como a grama me olha como se eu fosse um monstro. Que hipócrita! Ando até a parte mais escura do ambiente e ligo a câmera no tripé. A única luz no cômodo provinha da lâmpada de má qualidade pendurada acima da cabeça do loiro. Conto até três abaixando um dedo de cada vez, para deixar claro o momento exato em que o show iria começar.

  — Agora, polaco! Como ensaiamos, não se esqueça! — faço um joinha com a mão direita sinalizando apoio moral.

  A luz vermelha liga, mostrando que está gravando. O loirinho continua em silêncio, então aponto uma arma para um de seus pés e atiro em incentivo. Ele dá um grito de dor e solta muitos xingamentos, atiro no outro pé mas nada parece surtir muito efeito para fazê-lo falar. Para alguém que até meio minuto atrás estava implorando pela morte, ele tá bem resistente. Sorrio e aponto a arma para o meio de suas pernas, um olhar magnífico de pânico surge na sua cara nojenta.

  — Me-meu nome é Alison D. Cooper. Ho-hoje venho confessar meus crimes e pagar por eles. Acobertei abuso infantil e infanticídio da classe mais alta da sociedade. Desviei milhões de reais da verba que deveria ser destinada a educação e sou re-responsável por assédio físico e psicolo-lógico tanto no trabalho quanto na minha vida privada. — fala, todas as palavras milimetricamente planejadas — Todas as provas necessárias estão sendo e-enviadas junto com esse vídeo. Eu-u sou apenas o primeiro, sou o aviso para aqueles que devem, a hora está chegando e o pagamento será "olho por olho, dente por dente". Achem-me se forem capazes. — assim que o texto decorado termina de passar por seus lábios, atiro em sua testa.

  O ambiente está uma penumbra. Dessa vez eu não precisarei limpar uma única gota de sangue, era uma linda obra de arte. Logo o cadáver iria esfriar e começar a se decompor, em menos de 48h a putrefação iria se iniciar e então o odor seria tão insuportável que ninguém iria conseguir ignorar, isso se não encontrassem o corpo antes, por um acaso do destino. Está tudo em seu devido lugar.

  Dou um último toque na minha primeira criação que vai ser exposta ao público. Um toque cirúrgico, se é que podemos chamar assim.

  — É agora que o jogo começa. — um sorriso maníaco brota em meus lábios. Fecho a porta do depósito e caminho a passos lentos pelos corredores escuros.

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