937 palavras.
—O quê? – Me afasto de Kyle. – Como assim?
Os olhos do garoto se enchem de lágrimas, de modo que, consigo ver as chamas da fogueira dançar dentro das suas íris desbotadas.
—Me disseram quando eu estava no hospital. – Respondeu, com a voz embargada. – Meu corpo está rejeitando o vírus... Não tem volta, é letal.
—Quanto tempo? – Meu coração quase explode, dentro do peito. – Quanto tempo você tem?
—Eu não sei... Talvez seis meses, um ano. A cada dia que passa, eu fico mais fraco...
—Por que você não me contou? – Desvio o olhar, era insuportável encara-lo assim, tão de perto.
—Fazia alguma diferença? Você nem me conhecia Ben.
Solto uma risada irônica.
—Está falando sério?! Nós íamos juntos para aquela droga de quarentena... Você me tirou de casa e me arrastou até aqui, só pra me deixar na porta e dizer tchau-tchau?
—Não é isso, eu só...
—Eu não quero ouvir a sua desculpa de merda, okay? – Me levanto, queimando de fúria.
—Ben, eu não queria...
—Eu devia ter te ignorado e ficado em casa! – Esbravejo. – Agora eu não estaria num lugar ermo, no meio do nada, andando com a porra de um zumbi defeituoso!!!
Me arrependi assim que disse aquelas palavras.
—Escuta aqui, seu grande babaca ingrato! – Kyle também se levanta, tão ameaçador quanto no episódio em que enfrentou os Hôgans. – Você ia morrer lá! De fome, louco ou comido por outro infectado qualquer!
—Isso seria problema meu, não seu! – Para de falar, você não quer dizer essas coisas...
—É problema meu sim! Por que você tem uma vida e está desperdiçando! Qual é o seu problema Benjamin? Por que você se recusa a sair desse seu buraco de autopiedade miserável?
Silêncio...
—Por que assim não dói, tá legal? – Começo a chorar. – É sempre desse jeito Kyle... Ou eu acabo com tudo, ou acabam comigo!
Cubro o rosto com as mãos. Não gosto que me vejam chorando, é muito constrangedor... Não sei porquê eu reagi daquela forma, eu mal o conhecia, como poderia me zangar por ele ter seus segredos?
—Desculpa... – Kyle suspira. – Eu forcei a barra.
—Você tinha razão, eu estava desperdiçado minha vida... Você deveria estar no meu lugar, com certeza merece mais do que eu.
Sem dizer mais nada, sinto um par de braços fortes envolver meu tronco. Kyle ainda continuava muito gelado, rígido e com o odor ferroso de sangue nas roupas. Mas, mesmo assim, aquele foi o abraço mais sincero que eu já havia recebido, em toda a minha vida.
—Não diga besteiras. – Sussurrou no meu ouvido. – O que aconteceu comigo foi uma fatalidade... Só trouxe você até aqui, porque quero que você viva.
Sinto minha visão turvar...
—Não se atreva a me deixar! – Ameaço, retribuindo o abraço. – Vamos pra River Valley, depois vamos bater na porta do governo... Achar uma cura e devolver sua vida!
Kyle riu. Como era bom sentir aquele tremor no seu peito...
—Você é capaz de tudo Ben! De tudo!
***
Ao longe, o sol já deva indícios que estava prestes a partir, se pondo, atrás de uma montanha azulada. River Valley era uma cidade mediana, meio fria para os padrões nacionais. O que facilitou a construção da zona de quarentena, afinal, Sibilantes não são muito fans do frio. Praticamente todo mundo, num raio de mil quilômetros, viera se abrigar alí, de modo que, os muros pudessem ser vistos de qualquer lugar da cidade.
—Quase lá! – Kyle anuncia, ao meu lado.
Por sorte, a casa onde passamos a noite anterior ainda guardava um bom par de bicicletas novinhas, adiantando muito, a nossa jornada. É claro que eu estava meio chateado, por ter brigado com a única pessoa que me estendeu a mão, em meses de reclusão. No entanto, agora eu tinha um propósito na vida, dar um jeito de mantê-lo vivo até encontrarem uma cura para o Sibilo.
Ou eu mesmo acho uma!
—Só mais um pouco... – Digo. – os portões estão bem perto.
Bastava apenas cruzar por algumas esquinas, vencer mais alguns metros e enfim estar à salvo. Mas, como nem tudo vem fácil para mim, senti Kyle pular por sobre meus ombros, me arrastando para trás de um carro abandonado.
—O que foi? – Protesto, enfurecido.
—Hôgans Ben! – O Sibilante sussurra. – Muitos deles!
Só fui entender direito o que ele estava falando, quando ouvi dezenas de berros se misturarem, ao longe...
Estamos perdidos!
—Eu tenho um plano... – Kyle diz, me encarando à milímetros da minha face. – Eu levo eles pra bem longe. Você entra na cidade, está bem?
—Não, nós vamos juntos! Kyle...
—Eles vão pegar a gente Ben. Eu sou bem rápido, vou conseguir despista-los, não se preocupe.
—Mas...
—Não discuta! – Ele sorriu, sem nenhum sinal de preocupação. – Isso não é um adeus, é só um até logo.
Concordei, sem nem mesmo saber como fiz aquilo...
—Vamos nos encontrar logo, eu prometo!
—Eu vou te procurar... Não importa onde você esteja!
Kyle gargalhou, exibindo aquela mesma cara abobada de sempre.
—Agora vai! – Aconselhou. – Tenho que chutar a bunda daqueles Hôgans!
Ao dizer isso, Kyle tomou sua bicicleta e desatou a berrar uma porção de insultos sujos. Que prometiam ofender até mesmo a décima geração futura de Hôgans. Os quais, começaram a sair de dentro das casas, prédios e lojas abandonadas, dezenas deles, um tanto quanto lentos, por conta do frio.
Me preparei para sair correndo, sentindo meu mundo inteiro desabar...
—BEN!!! – Kyle gritou, já ao longe. – MINHA MEMÓRIA MAIS FELIZ, FOI QUANDO CONHECI VOCÊ!
Com os olhos cheios de lágrimas, uma promessa em mente e um mundo inteiro de possibilidades... parti.
E então, naquele momento, eu soube.
Comer cérebros, não é legal...
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Comer Cérebros Não É Legal
AdventureBenjamin Spring é o último ser humano vivo, na cidade onde mora, depois que uma grande catástrofe varreu o mundo. Ranzinza e preso ao passado, ele não parece nem um pouco animado em continuar sobrevivendo, naquela realidade caótica e perigosa. M...