999 palavras.
Sem pensar por mais nenhum segundo, puxo o gatilho, me preparando para o estrondo que viria a suceder o impacto.
Só para lembrar que havia esquecido de carregar a arma...
Que merda Benjamin... Que merda!
Com um suspiro frustrado, me preparei para virar o lanchinho da tarde daquele Sibilante, me condenando pela burrice que havia cometido. Só esperava que ele fosse rápido, mordesse minha jugular, ou algo assim. Mas todo mundo sabe que eu só estava tentando me enganar...
—Vai em frente... – Sussurro, entre dentes trincados.
Nada...
Por que tá demorando tanto?
Percebi só agora que estava de olhos bem fechados, e que toda aquela gritaria frenética havia cessado misteriosamente. Temeroso, mas um tanto quanto decidido a acabar com aquela maldita espera, volto minha visão para cima. E tudo o que vejo é o zumbi mais ensanguentado e grotesco que já tive o desprazer de encontrar. Ele estava lá, parado, me observando com um misto de riso e surpresa no olhar.
—Você tinha que ter visto a sua cara agora! – Disse o Sibilante, desatando a rir abertamente.
Puta que pariu!!!
Antes mesmo que eu pudesse ter tido qualquer pensamento racional, ou tomado qualquer atitude esperada de uma pessoa na minha situação, comecei a gritar histericamente. E não pense que era o tipo de grito másculo, que você escuta vindo de um macho alfa desesperado, mas sim um falsete, agudo o suficiente para estourar as taças de cristal da sua avó...
Corri... Corri como se não houvesse amanhã. Que se fodam os Sibilantes, a cidade vazia e a droga da comida, não devia ter saído de casa... Devia ter ficado lá e enlouquecido, como qualquer pessoa normal faria!
Sem saber o que fazer, ou para onde ir, me dirigi para o banheiro mais próximo. Se a minha "sirene" soasse forte, como eu acho que soou, logo logo o estacionamento estaria lotado de infectados nojentos. Não era um bom lugar para se estar, eu admito, mas ouvir uma daquelas coisas falar era uma baita novidade. Sem falar que o desgraçado ainda teve a audácia de tirar onda com a minha cara.
Girei o trinco, pressionando meu ombro direito contra a porta de madeira. Estou ferrado, mas muito ferrado mesmo. Sem comida, sem meios de defesa, e preso num cubículo minúsculo, enquanto todo mundo lá fora quer um pedaço de mim.
—Ai cara... Me desculpa pelo susto. – Uma voz se fez presente, do outro lado da parede.
—Vai embora! – respondo, desesperado. – Você não é real... Isso não é real!
Pensei que o Sibilante fosse se zangar, mas, para a minha surpresa, ele começou a rir...
—Você é a primeira pessoa não infectada que eu vejo em duas semanas.
—Estou sonhando, só pode...
—Todo mundo foi pra quarentena em River Valley, por que não foi também?
—Eu já disse que você não é real... Some daqui! – esbravejo, disposto a exorcizar aquele tipo de fantasma infectado para bem longe de mim.
Ele voltou a gargalhar.
—Você é engraçado... – diz, e pelo barulho, acho que se sentou no chão. – Eu sou um sibilo negativo, não precisa ter medo, sou inofensivo.
Até parece que eu vou cair nessa!
—Que diabos é um sibilo negativo? – Pergunto, me convencendo de que eu estava bem acordado e que infectados podem falar agora.
Ele suspira...
—É bem raro de acontecer. Tipo, uma chance em cem mil talvez... Meu corpo conseguiu conter a infecção, só não fez isso muito bem... Eu estou doente, mas ainda no controle. Isso foi o que os médicos me disseram.
—Wow! – Não consegui conter minha surpresa. Não tinha ouvido falar nada sobre o assunto – Faz quanto tempo que... Você está... Você está...
—Fui mordido há três semanas atrás. – disse, calmamente. – Estava indo pra quarentena quando um bando de Sibilantes me cercou... Jurava que estava morto, mas parece que eu sou mais resistente do que essa porra de vírus.
Ambos rimos...
—O que fazia fora de casa? – O Sibilante voltou a perguntar. – É perigoso demais ficar andando por aí sabia?
—Sem comida... – Digo, me sentindo um pouco culpado. – Só saí porque não tinha mais opções.
Foi a minha vez de suspirar...
—Posso ajudar você com isso, se quiser. – Ele pareceu estar empolgado. – Eu sou o Kyle... Qual é o seu nome?
Hesito por um instante... Poderia ser um truque, uma mutação que tenha tornado os infectados mais espertos e conscientes, apenas para enganar suas presas. Porém, decido dar um voto de confiança para o desconhecido, afinal, a situação é mais do que desesperadora.
—Eu sou o Ben... Benjamin Spring.
—Prazer Ben! É muito bom conversar de verdade... Os outros Sibilantes nunca dizem coisa com coisa.
Congelei...
—Espera... Você entende o que eles dizem?
—Entendo ué... – Kyle riu. – Ando com um bando quando estou entediado.
Solto um assovio alto...
Ben, você tá muito doidão!
Respiro fundo, forço meus dedos contra a maçaneta da porta e, depois de surtar por alguns segundos, me exponho para o mundo exterior. Ele ainda era o mesmo poço vazio e gelado de antes, mas agora tinha outra pessoa do lado de fora. Kyle estava sentado no chão, usando uma camiseta no estilo havaiano, shorts de ginástica, tênis de corrida e meias cor-de-rosa.
O visual mais esquisito que eu já tinha visto na minha vida!
—Oi... – Digo, meio tímido, sou ruim em falar com outros seres humanos, que não sejam eu mesmo. – Você não sente frio?
—Oi! – Ele sorri, se colocando de pé. – Nem um pouquinho... Acho que é uma das vantagens de ser zumbi.
Rimos...
Kyle tinha sangue por todo o seu abdômen, espalhado em grandes manchas escuras. Como todos os outros Sibilantes, era pálido, desengonçado e tinha o semblante meio morto. No entanto, os cabelos eram castanhos, o sorriso largo e o seu olhar ainda mantinha viva a vontade de viver e de se divertir.
—Qual é o plano? – Volto a falar, apenas para impedir Kyle de ficar me avaliando.
—Vamos te arranjar um bom disfarce! – Ele diz, orgulhoso.
Tenho a impressão de que não vou gostar nada dessa ideia...
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Comer Cérebros Não É Legal
AdventureBenjamin Spring é o último ser humano vivo, na cidade onde mora, depois que uma grande catástrofe varreu o mundo. Ranzinza e preso ao passado, ele não parece nem um pouco animado em continuar sobrevivendo, naquela realidade caótica e perigosa. M...