• A saudade dói •

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Lembro-me perfeitamente de um dos episódios mais constrangedores de The Flinstone, onde  depois de fazer balé clássico por um bom tempo escondido, os amigos do Fred  o pegaram dançando como uma margarida na ponta dos pés  e com saia de frufru

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Lembro-me perfeitamente de um dos episódios mais constrangedores de The Flinstone, onde  depois de fazer balé clássico por um bom tempo escondido, os amigos do Fred  o pegaram dançando como uma margarida na ponta dos pés  e com saia de frufru. No episódio a vergonha do Fred foi tanta, que ele saiu correndo em meio aos amigos gozadores e foi diminuindo, diminuindo, diminuindo a cada passo,  e de repente ele ficou tão microscópico que virou um ponto e explodiu sumindo no ar.
     Pensando nisso, era exatamente assim eu me sentia naquele momento. Um ponto negro prestes a explodir no ar. Uma mancha insignificante, um ser microscópico. No desenho, os motivadores do desatino do Fred foram aqueles que se diziam seus “amigos”. E no meu caso, a razão de minha humilhação gratuita tinha nome: Jarbas. Acho que de fato ele nunca tinha gostado de mim. E eu me decidira que  era reciproco. Parecia que seu esporte favorito em todo colégio era me gozar de alguma forma. Era fazer bulling comigo. Colocar-me para baixo, me fazer ser motivo das mais variadas de piadas. Chacota.
     Eu tinha a séria impressão de que se ele pudesse escolher um entre um milhão de alunos para tirar sarro ele me escolheria. E se eu não estivesse entre suas opções ele aguardaria o momento em que eu estivesse disponível para me escolher assim mesmo. A dois anos eu vinha aturando aquilo. A dois anos eu vinha aguentando coisas do tipo: cabeça de fósforo, Mary Jane, mula sem cabeça ( apesar de eu verdadeiramente nunca ter entendido essa), e agora o lance do Michael Jackson, que honestamente já tinha perdido a graça e começava a me deixar de verdade com a cabeça tão quente quanto de um fosforo aceso. Por isso existia tantos casos de alunos matando professores. E quando acontecia o culpado era sempre o aluno. O aluno sempre era psicopata, o louco, o demente. Mas ninguém via seu lado. Ninguém sofria seu sofrimento. Ninguém era capaz de entendê-lo. E eu tinha certeza absoluta que se continuássemos a seguir aquele mesmo ritmo, Jarbas Jacques  logo, logo, entraria para estatística. E eu faria isso sob  requintes macabros de crueldade. Aniquila-lo.
     A sala estava em silêncio e concentrada nos vinte seis  exercícios  que ele havia acabado de ditar sobre resistores e resistência, quando ele se voltou a mim com um sorrisinho maldoso e retornamos ao velho assunto. Ao velhíssimo assunto. O olhei sobre as lentes de meus óculos.
     _ E então Chlõe... Soube que depois de descobrir seu excelentíssimo dom para dança resolveu cantar também... Você vai longe garota.
     Não gostei de seu tom. Não gostei de suas palavras ou de sua desprezível existência naquele mesmo lugar e no mundo. Risadinhas histéricas em unanimidade. Fiquei o olhando séria em busca de que ele tomasse sua dose diária de “simancol”.
     _ Ah... _ Disse indiferentemente_  Que bom.
     _ Falo sério. _ Continuou com um enorme sorriso_ O verdadeiro Michael Jackson não foi bom a vida toda. Antes de realmente fazer sucesso ele era tão meia boca quanto você.
     _ O quê?! _ O indaguei incrédula a ponto de semitonar.
     _ Verdade. _ Afirmara com todo seu cinismo_ Eu acompanhei a carreira dele e ele era um dançarino horrível no inicio mas acho que até os 45 você chega lá.
     Revirei os olhos baixando minha atenção a meu caderno novamente.
     _ Mas você é muito boa cantando ruiva. Sério. Sem Brincadeiras
     Voltei a olha-lo sentindo-me farta de seus comentários. Meus olhos apertaram nos seus.
     _ Você tem um inglês ótimo.
     _ É. Tenho. _ Afirmei quase grosseiramente dispensando modéstias.
     _ E uma voz ótima.
     Fiquei em silencio por uns segundos esperando a próxima piada. Ela não veio. O fitei.
     _ E porque esta dizendo isso? _ Perguntei verdadeiramente curiosa.
     _  Porque é verdade. Eu vi seu vídeo. Você foi bem.
     Meus olhos se esbugalharam mediante seu rosto.
     _  O que?! _ Semitonei_ Vi... Vi... Vi... Video?! _ O questionei incrédula engolindo em seco_ Que vídeo?!
     _ Um com você cantando na aula de inglês. Estava com olhos fechados e tudo... Balançando a cabeça de um lado para o outro como uma copia barata do Steve Wonder _Riu debochadamente_ Mas eu gostei.  Bastante...
     Engoli em seco. Simplesmente não engoli.
     Ao contrario da Léxis eu nunca quis ser a sensação do colégio, pelo contrario, eu gostava em  partes do anonimato, e sempre procurei fazer de tudo para que passasse meio despercebida a maior parte do tempo... Bom, mas não que funcionasse muito bem  porque eu tinha um maldito imã para atrair vexames em público, e estes, infelizmente quase sempre me acompanhavam. A minha irmã, Léxis sim era uma garota que adorava estar por cima. Ela era a única do colégio inteiro que batia de frente com a “tia” da portaria para poder  entrar de salto alto na escola. Vivia personalizando  seus uniformes para que ficassem mais ousados e se destacassem dentre todos os outros, e  no intervalo, as vezes quando a diretora estava de bom humor e deixava rolar música, todo colégio fazia uma rodinha ao redor dela para ve-la fazer o quadradrinho com toda aquela abundancianas canções irritantemente dançantes da Anitta. Léxis sempre gostou de holofotes. De ser notada e atrair atenções por onde passava. Sempre gostou de despertar inveja entre as outras garotas, e quase sempre estava metida em algum burburinho envolvendo um possível  affair com um cara comprometido. Não que ela fizesse isso... Não sei. Mas também não tenho coragem de colocar a mão no fogo por ela. Léxis era meio louca as vezes. E fazia doidices como qualquer adolescente estupidamente impulsiva. Mas fazer o que? Aquela era minha irmã.  E desde que me entendia por gente ela sempre havia sido exatamente assim.
          Pensando no tal vídeo que meu professor havia se referido, inevitavelmente associei isso a minha irmã. Não que ela tivesse algo a ver com tudo isso, mas porque ela iria adorar saber que tinha vídeos meus circulando por ai. Eu. Inocentemente cantando na aula de inglês em busca que míseros pontos e agora tudo isso  tornando-se publico.  Todo aquele esforço havia sido válido? Havia? Por míseros pontos? Ao certo que não. Definitivamente. A começar por eu ter que tolerar o bom humor interminável de meu professor de física quanto a isso.
      Questionei-me quem poderia ter feito aquilo comigo. Alias, quem não poderia? Estávamos na era da tecnologia afinal... Poderia ser qualquer um não era? Qualquer um dos quarenta e cinco alunos que estiveram presentes em minha sala de aula aquela manhã. Mas quem eu culparia? Talvez o Diego? Era algo a ser ponderado, afinal de contas ele não deveria estar se simpatizando mais tanto comigo depois de ter o respondido daquela forma sobre a música. Talvez a Bárbara. Eu tinha me negado a passar as respostas dos exercícios de português para ela um horário antes da aula de inglês e provavelmente ela tinha pensado em algo para me afrontar, afinal de contas ela a pessoa mais vingativa que eu conhecia da vida inteirinha. Mas e se a sala tivesse feito um complô contra mim por causa das provas de física que eu tinha detonado na semana passada? Afinal de contas uma coisa era entregar uma prova em branco para o Jarbas, e outra totalmente diferente era ser humilhado em público por não saber responder algo que ele tinha te perguntado enquanto te olhava como você fosse a maior anta de todos os tempos. Pensando nisso vi que tinha várias possibilidades de indiciações. Então de repente todos se tornaram imediatamente suspeitos de um delito gravíssimo contra minha integridade emocional e psicológica.
     No horário do intervalo eu tinha passado raiva comigo mesma. Eu quase nunca comprava coisas para comer no intervalo. E por alguma estúpida razão, aquela manhã eu decidi beber um copo com 450 mls de suco de uva transbordando pelas bordas. Não que eu de fato tivesse o tomado. Se quer tinha levado o liquido a minha boca quando passava do pátio para  perto dos bebedouros onde a tia puxava água com o rodo e  a jogava para tras de um pequeno barranco de terra que dava na grama onde o Liam costumava ficar com os amigos. E estava.
     Sabe quando vivemos um momento em que todas as coisas parecem correr em câmera lenta e um único minuto se torna horas inteiras? Foi exatamente assim que me senti quando o vi. Sorrindo. Como sempre. Os cabelos castanhos brilhando contra a luz do sol. O rosto visivelmente iluminado, não pela luz do dia, mas pelos lampejos que irradiava de si por todas as direções. O vendo tão falante e sorridente daquela forma pensei que poderia parar ali e olha-lo. Simplesmente olha-lo. Para sempre. Pela eternidade ou talvez mais que isso. Pensei que poderia continuar o amando Com todas minhas forças. Até doer, e eu ter que tomar doses intensas de morfina para suportar meu  padecimento, mais continuaria o amando mesmo assim. Por cada célula de seu corpo. Por cada batimento de meu coração, ainda que me parecesse um puro desperdício de fôlego.
     Mas eu havia evoluído em partes não havia? Consegui falar com ele na tarde passada e sem dúvidas aquele tinha sido o acontecimento mais importante de minha vida. Alias, de minha existência. Tanto, que nem a data de meu aniversário, nem o fato de eu vir ao mundo, em si, se igualava  a magnitude de estar frente a frente com meu Liam e poder falar com ele. SIM!! Eu tinha falado com ele. Ele comigo. NOS FALAMOS. Pela primeira vez consegui deixar de ser uma idiota muda, evoluir para gaga, passando então diretamente para a classe pessoas normais com a capacidade de proferir palavras e comunicar socialmente. SIM! Eu tinha conseguido. FALEI com ele. FALEI. FALEI. FALEI. FALEI... E isso era ótimo! Era excelente!  Tivemos um diálogo. Tivemos um assunto. Tivemos pontos em comum  não tivemos? CLARO!! Tivemos. Tinhamos ou eu sei lá...  Ele olhou para mim. Em meus olhos. Ele conversou comigo. Ele tocou em meu violão!! AAAAHHHHHH! Ele tocou em meu violão e ninguém mais iria tocar. Nem eu. Era relíquia agora. Totalmente. Eu o penduraria no teto de meu quanto sobre minha cama numa redoma de vidro onde pudesse olha-lo todos os dias quando deitada, e pensar no que tinha acontecido na ultima vez em que alguém colocara as mãos nele. Pensar em seus olhos me olhando. No seu sorriso afligindo as condições normais e saudáveis de meu pobre coração. Em cada palavra que ele proferia a mim sob o movimento letárgico de seus lindos lábios. Lindos e enfeitiçastes lábios. Talvez ele tivesse gostado de mim. Havia possibilidades? Bom, ele tinha me dado as cordas de graça. Tirando o Silvio Santos ninguém dava coisas de graça dava? Nem David que agora de meu ex professor  evoluíra pra meu sogro já havia me dado cordas gratuitamente mesmo depois de tanto tempo de convívio.
     Dava para acreditar? David meu sogro... Como poderia acreditar nisso? David. Quem eu sempre admirei e considerei, agora de professor havia sido promovido a sogro na empresa da minha vida.  Sogro. E se Liam fosse assim tão apaixonante como o pai, honestamente não sei se meu corpo daria conta de abrigar tanto amor dentro de mim. Então eu explodiria desintegrando-me em vários coraçõezinhos lilás no ar. E na minha certidão de óbito a causa da minha morte consistiria apenas em: Amou demais.
     Eu tinha motivos para comemorar por aí. Claro que tinha. Para sorrir e me sentir satisfeita e orgulhosa de mim mesma por tal façanha. Grande façanha. Mas apesar de tudo eu sabia que talvez aquele seria penas mas um episódio de minha saga. De minha interminável e maçante saga de três anos. Pensar desse modo me deprimia. Fazia-me voltar a dar todas as razões para o Felipe,  e as vezes eu simplesmente detestava as opiniões dele. Principalmente quando elas não me convinham. Quando Liam e eu não terminávamos juntos no final. Mas terminaríamos?
     Olhando-o agora com os braços envolvido ao redor de  Milena Puggy pensei que não. Ele e a Milena se diziam amigos. Diziam-se. Claro que não dava pra acreditar muito. Não depois daquela história de “até a segunda página” que a Léxis havia me dito atordoando-me completamente. Ele poderia pensar assim de todas as “amigas” dele não podia?  MEU DEUS!!!!! Tomara que não. Queria acreditar que ele era uma grande exceção masculina e nunca pensaria assim. Mas eu sabia que havia chances. Chances remotas. A Milena não era uma das garotas mais bonitas com quem ele andava de gracinhas, mas sem dúvidas era a mais próxima de todas. E devido a isso ela estava no topo de minha listra negra. Por tanta proximidade. Tanto envolvimento. Tanto apego. E vê-lo com ela me deixava ainda mais histérica  e enciumada do que com qualquer outra garota. Qualquer uma. Até a lindamente linda e loira Bianka. Estagnei por pensar nisso. Nela a Bianka. E mesmo que não quisesse meus pensamentos pairaram  naquela mesma mensagem que ele havia postado sobre ela.
      “Minha gata. Muito amor envolvido”. E de repente todas aquelas coisas começaram a rondar minha cabeça como urubus voando no céu em busca de carniça. Um urubu em particular. E albino.
     Acho que tinha me perdido em meio meus últimos pensamentos. E ver a Milena agarrada ao meu Liam não havia ajudado muito. Nem um pouco. Concentrei-me tanto nos dois, que não tinha percebido quando ultrapassei os bebedouros, a tia com o rodo e fui parar direto no barranco lamacento. Como se não bastasse mergulhar meu pé na poça funda de água corada de vermelho, molhei metade das pernas de meu jeans. Quando fui me livrar dali, escorreguei feio indo com tudo ao chão e jogando meu copo pra cima fazendo chover suco de uva.  Pra fechar com chave de ouro, ( porque a humilhação não havia sido suficiente) sai derrapando de bunda no barro até alcançar a grama onde esplendorosamente se concentrava Liam e seus amigos nada debochados.
     O colégio inteiro parou para rir de mim. Inteiro. E entrei num mar de lágrimas interno quando vi que até ele tinha se prestado a rir  também. Ele. Liam. Que deveria agir como qualquer digno cavalheiro estava se desmanchando de tantas gargalhadas.   
     Permaneci em choque comigo mesma. Tive tanta vergonha que permaneci sentada exatamente onde caira com os dedos enterrados na grama segurando-a. Senti-me nauseada. Tonta. Apta a um colapso. E algo em mim,  queria fazer  com que eu acreditasse que nada daquilo estava acontecendo. Que era apenas fruto de minha imaginação hiperativa. Que estava num filme bobo. Talvez um sonho. Mas as risadas espalhafatosas zumbindo em meus ouvidos como pernilongos a noite, me fizera ver a tal realidade. Então eu tive vontade de ficar  minúscula.  De mergulhar na poça que eu havia pisado e não sair de lá nunca mais. Afogar-me nela. Esconder minha cabeça como uma tartaruga.
     Mas antes que eu pensasse no que deveria ou não fazer. Vi quando ela se aproximara de mim. Ana Clara. A expressão seria. Séria demais. Era a única que não ria. Surpreendente. Mas assustador. Ela tinha uma péssima fama de machona no colégio. E todo aquele tamanho acompanhado das camisas  extremamente largas e dos bermudões jeans que ela sempre usava, não ajudava muito a ponderar esse conceito. Não mesmo. Ela me olhou com cara feia. De péssimos amigos. E gritou comigo me fazendo estremecer de dentro para fora. Erguendo os olhos até sua camisa de uniforme branca recém-manchada de roxo entendi porque ela me olhava como se fosse me engolir. E engoliria. Meus então olhos se marejaram por pensar o que ela poderia fazer comigo.

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⏰ Última atualização: May 29 ⏰

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