Desci os dedos lentamente pelas cordas do violão sentindo a vibração de cada uma delas, enquanto concentrava-me no som que emitiam avulsamente. Agora se passavam das cinco da tarde. Através da janela aberta por trás das cortinas brancas de meu quarto, podia ver que a intensidade do sol era quase insignificante lá fora. O dia ainda permanecera abafado com vinha sendo desde o início da primavera, e devido a isso, o ventilador no alto de meu teto rodava silenciosamente juntamente a luz fluorescente acesa que iluminava todo o ambiente. Asllan estava deitado com a coluna parcialmente apoiadas sobre meu pé direito no chão. E ao mesmo momento que parecia de fato estar adormecido, erguia a cabeça olhando-me, e resmungava de péssimo grado por o barulho de meu instrumento supostamente atormentar seu sono ou sua tentativa de entrar em um.
Voltei a dedilhar as cordas do violão visivelmente pensativo mantendo os olhos fixos em minha imagem refletida pela tela do computador sobre a escrivaninha.
Definitivamente a biblioteca do colégio era o melhor lugar para se “matar-aula”. Era o melhor porque não era um local tão movimentado. E dificilmente pessoas como a histérica da diretoria passava por lá. Eu conhecia bem a bibliotecária, a Helenita. E ela também me conhecia bem. Geralmente quando eu matava aula sem a possibilidade de ir embora mais cedo eu ficava lá. Não podia, mas eu ficava. Às vezes a ajudava reorganizar os livros devolvidos pelos alunos nas prateleiras novamente, ou fazia o registro das edições novas que chegavam num sistema operacional para controle dos novos fascículos. Ela me dava biscoitos. Bombons. Falava sobre as fofocas relacionadas a hierarquia do colégio e até me emprestava alguns filmes do acervo da escola sem me cobrar nada por isso. Nem mesmo a carteirinha. Quando chegava alguém suspeito lá que poderia me entregar eu me trancava no banheiro. Enrolava lá até ela me chamar aos risos, ou me escondia atrás das cortinas do palco que abrigava todas as apresentações teatrais que fazíamos quando algum professor tinha como ideia uma grande bosta.
A aula de sociologia já estava sendo o maior tédio sem mesmo que começasse. Sem mesmo que o professor chegasse na sala. E foi nesse meio tempo de demora que peguei minhas coisas e caminhei para biblioteca da maneira mais normal do mundo. Elenita sorriu nos fundos da biblioteca quando me viu passando pela porta, e como sempre soltou aquele “ Já vem né..” totalmente acusador , mas que não mudava em nada para mim. Conversamos por um bom tempo pelo tempo que permaneci lá. A ajudei procurar uns mapas numa prateleira alta que uma professora tinha pedido. A etiquetar alguns livros e dar baixa em outros que chegavam. Mantivemos-nos bem descontraídos enquanto fazíamos coisas. E ao decorrer disso havia dito que adorava a maneira como eu a fazia rir deixando seu trabalho mesmo chato e quase tolerável. E sim, o trabalho dela de fato era um porre de tão repetitivo. Quando não tive mais o que fazer fiquei vasculhando uns armários fechados... Depois as mesas abarrotadas de papeis sob as janelas que dava uma visão panorâmica do estacionamento, junto ao murro alto que circulava todo o colégio e as mangueiras com escassez de frutos, mas que fazia minha alegria em época que eles floresciam.
Aquela hora o dia o sol castigava lá fora. Mas ventava um pouco. Não que isso ajudasse em algum aspecto claro. O colégio estava silencioso. A diretora provavelmente estava presente de maneira incisiva nas salas. O que era bom. Teria me safado dessa afinal de contas. Mas havia pássaros cantando. Através da janela ampla cercada por grades não podia ve-los mas os ouvi perfeitamente. Apesar deles não me impressionarem tanto, pensei em David. E em quanto aquilo poderia lhe implicar em tantas coisas se estivesse naquele lugar exatamente naquele momento onde eu estava. Eles cantaram por um bom tempo. Ou discutiram, não sei ao certo nunca entendi muito o diálogo dos pássaros, mas quando se calaram algo muito mais interessante havia roubado minha atenção.
Ouvi um si seguido de um ré e um dó. Ouvi nitidamente as cordas de um violão vibrarem ao fundo da biblioteca sob uma canção com conjunção de notas ligeiramente preguiçosas e arrastadas. Mas tanto que me deu uma sensação descomunal de paz e tranquilidade. Em seguida ouvi uma voz. Uma voz feminina. Doce. Mas que ao mesmo tempo deixava óbvio um enorme potencial vocal, que de fato me impressionou bastante. Ela seguiu acompanhando as notas visivelmente atenta ao tempo de cada uma delas, segurando-as sob um timbre gostoso e tão afinado que chegava a ser ridículo e viciante ao alcance dos ouvidos. Enquanto a ouvia, me perguntei se alguma vez na vida já havia presenciado alguém cantar tão bem. E mesmo David que trabalhara com música a vida inteira. Questionei-me se em algum momento ele já ouvira alguém cantar daquela forma. E nem se tratava somente da perfeita afinação, mas com a emoção como fazia aquilo, porque visivelmente havia sentimento em cada palavra, havia verdade. Não era como simplesmente cantar por cantar, mas cantar sentindo de fato todas as notas e a letra em si.
Prendi-me todos aqueles minutos pelo qual seguira levando a música com uma propriedade encantadora. E ao entoar da ultima sílaba, somente o sinal avisando o inicio do intervalo havia me despertado de um transe que me pareceu ser entendido por horas. Foi então que abandonei a janela atravessando a biblioteca em direção a porta ao lado da mesa que Elenita ficava, e passei por ela dobrando a quina aos fundos da biblioteca pela esquerda. E por um momento me senti frustrado por não haver ninguém lá.
Suspirei retornando-me ao meu violão apoiado sobre meu colo, ainda sentindo os pelos de Asllan entre meus dedos do pé. O olhei brevemente e reposicionei meus dedos sobre as cordas do violão reproduzindo as três primeiras notas que eu havia ouvido. E as repeti por mais alguma vezes enquanto ouvia a voz sussurrar levemente ao pé de meu ouvido a única frase de toda canção que ficara em minha cabeça.
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▪ CHlõe ▪
Teen FictionE se fosse e sua irmã se apaixonassem pelo mesmo garoto? O que você faria?