Prólogo 1 - Pedro Falcão

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Rendida

(Livro 4 da Série Segredos)

Nana Pauvolih




PRÓLOGO

MARÇO DE 1993

PEDRO FALCÃO

Eu sorria enquanto galopava em direção ao casarão da fazenda naquela tarde ensolarada e fresca de início do outono. Estava animado como sempre ficava quando tinha algum plano e o colocava em ação. Por isso a pressa e a alegria em vê-lo logo se realizando.

Praticamente pulei do cavalo ao parar em frente a casa e subi os degraus da varanda de dois em dois. Irrompi na sala, já gritando pelo meu irmão um ano mais novo do que eu:

- Heitor! Heitor!

Estava tudo quieto por ali e na mesma hora me dirigi para a cozinha, de onde vinha um cheiro delicioso de comida sendo preparada. Rosa, a empregada que ajudava Tia, estava lá lavando louça e sorriu ao me ver.

- Oi, Pedrinho.

- Oi, Rosa. Viu o Heitor por aí?

- Não. Pergunte à Tia, ela deve saber. Está nos jardins com sua mãe.

- Obrigado. - Acenei e saí pela porta dos fundos aberta, sabendo que, como todo dia, minha mãe estaria lá fora olhando para os jardins, mas sabe-se lá vendo o quê. E não me enganei.

Recostada em uma cadeira larga de vime na varanda, Tia bordava panos de prato, atenta a Micah e Joaquim, que jogavam bola mais à frente, em um terreno amplo e gramado. Joaquim tinha só cinco anos, mas vivia atrás de Micah, com doze, para onde quer que ele fosse. E recebia sempre sua atenção. Era uma ajuda a Tia, que cuidava deles e também estava sempre fazendo companhia à minha mãe e tomando conta do que acontecia na casa.

Sentada de frente para os jardins que plantou, usando um simples vestido azul e com os cabelos presos em uma longa trança, minha mãe tinha os olhos perdidos à frente e uma expressão plácida no rosto. Aos 45 anos, continuava linda. A mulher mais bonita que já vi em minha vida, com um tipo de beleza que nem o tempo e as mazelas da vida seriam capazes de apagar. Eu quase conseguia entender a obsessão do meu pai por ela, aquele amor louco e incondicional. Quase.

Uma sensação ruim me envolveu e nem cheguei perto dela. Há dois anos, desde que minha mãe tinha mergulhado naquele estado catatônico, eu apenas a olhava de longe. Ao contrário do meu pai, de Tia e dos meus irmãos, que sempre se dirigiam a ela e tentavam de alguma maneira chamar a sua atenção, eu me mantinha afastado. Não conseguia esquecer o que tinha feito e, bem dentro de mim, achava que era sua escolha. Uma escolha que mostrava bem seu egoísmo.

Sempre fui louco por ela. Desde pequeno, quando sorria para mim e me pegava no colo, ou quando andava de mãos dadas comigo pelo quintal, eu a olhava como se fosse um anjo, com aquela voz suave e aquele cheiro único, feminino, doce. Adorava ser abraçado por ela, saber que tinha seu amor. Até ficar mais velho e começar a perceber que não era tão amado assim. Que em alguns momentos, ela se fechava em si mesma e ignorava o mundo, a todos e a mim.

Intercalava momentos de pura felicidade quando tinha sua atenção, com outros em que ela nem parecia saber que eu ou meus irmãos estávamos ali, com o olhar perdido e triste para o horizonte. Nesses momentos eu a olhava de longe, a admirava e rezava para que sorrisse e olhasse para mim, para que fosse feliz novamente. Não sei o que ela tinha, se era aquela sua distância que instava uma certa obsessão em mim, mas, a exemplo do meu pai, eu era louco por ela. E me tornava a pessoa mais feliz do mundo quando tinha sua atenção.

Rendida (Livro 4 da Série Segredos)Onde histórias criam vida. Descubra agora