CAPÍTULO 1
Final de janeiro de 2015
Lara Maria Avellar
"(...)Eu preciso é ter consciência
Do que eu represento nesse exato momento
No exato instante na cama, na lama, na grama
Em que eu tenho uma vida inteira nas mãos."
(Gonzaguinha - Ponto de Interrogação)
Eu cantava sozinha, o som ecoando dentro de mim. A música sempre teve poder de criar outras realidades em minha vida, talvez por isso eu a ouvisse quase que o tempo todo. Letras e melodias se infiltravam em minhas entranhas, giravam como um rodamoinho em meu interior, me fazendo pensar em coisas que vivi e que queria esquecer; e sonhar com outras que desejava viver. Como um livro, que nos faz viajar em suas páginas e, por um momento, nos transporta para outro mundo. Assim era a música para mim, cada uma representando uma história diferente. Às vezes, uma história que não era a minha. Em outras, me revelando.
Adorava e, ao mesmo tempo, precisava daquilo. Poder viver fora de mim mesma, além do possível e até do imaginável. Talvez por isso, entre tantas coisa que fiz na vida, ser cantora era o que eu amava mais do que tudo. Quando eu rolava as palavras em minha boca e soltava a minha voz, eu sentia a melodia como ondas em meu corpo e em minha alma, como se eu vivesse tudo aquilo e fosse outra pessoa. Era mágico, extraordinário, um sonho. Eu esquecia tudo e vivia de novo, livre, quase sem memória. Era uma catarse
Entretanto, como muitas coisas em minha vida, eu acabava não levando a sério e relegava a segundo plano. Não por que não quisesse viver da música. Eu simplesmente seguia em frente, sem ousar me prender a nada, sem ousar desejar realmente algo para mim. Eu só ia, de acordo com a música, de acordo com o que acontecia, sempre seguindo, seguindo, seguindo. Sem porto, sem destino, sem condições de parar.
Mas às vezes eu parava e, mesmo contra a vontade, me via, me encontrava. Era como se um caminhão batesse de frente em mim e o choque me sacudisse, me fizesse abrir bem olhos e ver. Ver a mim mesma. Como naquele momento.
Encontrava-me deitada na cama de um motel qualquer, barato, decadente, sujo. Estava nua, suada, coxas abertas para os lados enquanto aquele homem mais velho transava comigo. Ele gemia, estocava, se enterrava, dizia sacanagens. Era feio, levemente obeso, com cheiro de suor. Devia ter, pelo menos, quase trinta anos a mais que os meus vinte e sete.
Tinha entrado ali com ele vindo do bar onde eu trabalhava, rindo e meio bêbada. Parecia tão feliz! Ri demais, deixei que arrancasse minhas roupas e tirei as dele, chupei-o, deixei que fizesse de tudo comigo, até quase eu mesma achar que queria aquilo. De tanto fingir eu já acreditava em minhas mentiras. Poderia até jurar que desejava estar ali. Poderia. Porém, há dias sentia o limite cada vez mais perto, a dor, a opressão em meu peito, aquela tristeza que crescia vertiginosamente e que, de repente, me derrubava. E a saudade...
Uma saudade de tudo e de nada. Uma saudade de um sonho, de um desejo... Uma saudade de algo que nem sei se vivi. Mas essa "saudade" fazia meu corpo tremer. Fazia a alma correr. Fazia algo crescer. Fazia uma dor romper. Uma saudade que me confundia; que se fechava em mim; que, por um momento ou dois, me fazia querer fugir; que me afastava de mim, que latejava como ferida; que pulsava querendo eclodir.
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Rendida (Livro 4 da Série Segredos)
RomancePedro e Heitor Falcão são irmãos e grandes amigos. Sempre dividiram tudo, inclusive mulheres. Um é mulherengo e foge de relacionamentos; o outro é sedutor e romântico. Ambos pertencem à poderosa família Falcão, em Minas Gerais. Na pequena cidade de...