Karina
Comecei a achar que, dentro de poucos minutos, seria içada pelos mosquitos e levada para o meio da floresta, tamanha era a quantidade dos insetos a me devorar no barco, a caminho da terra indígena.
O repelente de uma marca famosa parecia não fazer efeito e eu me via envolvida em um pedaço de tule que servia como mosquiteiro. A embarcação não era nova nem muito grande, apenas o suficiente para comportar os atores que teriam cenas gravadas na aldeia, a equipe e os equipamentos de filmagem.
Conforme a noite chegava, a mata parecia mais assustadora, os sons dos bichos, a impossibilidade de ver qualquer coisa a poucos metros do barco, tendo apenas a lua cheia a iluminar e ser refletida na água do rio.
Tudo o que eu podia pensar eram nos perigos escondidos pelas árvores altas, nos predadores, como a onça pintada e os jacarés, sem contar os animais que eu sequer conhecia. Daria tudo pelo conforto do meu apartamento em São Paulo, isso se não dependesse muito desse trabalho.
Ainda assim, conseguia enxergar uma beleza etérea que, apesar de sombria, era sublime. Eu temia os mistérios da Amazônia, contudo sentia-me atraída por ela de um jeito inexplicável.
Resolvi me deitar em uma das redes e tentar descansar, a promessa era que chegaríamos à terra indígena nas primeiras horas do dia. Além disso, estava me sentindo ligeiramente enjoada, nunca me dei bem com barcos e com este não seria diferente.
À medida que o sono me envolvia, a imagem da escuridão a tomar a floresta permanecia em minha cabeça. Continuava sem entender minha fixação por algo que, em um primeiro momento, me causou temor, mas que agora transmitia a paz que eu precisava para dormir.
***
Eu pensei que, assim que o barco atracasse, nós já estaríamos na aldeia, no entanto ainda enfrentaríamos alguns bons minutos de carro até o local exato onde as filmagens aconteceriam, isso porque a terra indígena era extensa e abrigava duas etnias diferentes.
A estrada era bem precária, aberta em meio à mata, que tentava tomar seu espaço de volta. O carro sacolejava mais que o barco e eu comecei a sentir saudade do outro meio de transporte, já que meu enjoo conseguiu piorar pelos solavancos.
— Não tinha um lugar mais fácil para gravar as cenas, Ignácio? — Perguntei ao diretor da minissérie.
O homem parecia achar tudo muito divertido e soltou uma gargalhada escandalosa pela minha palidez e expressão de contrariedade.
— Ter, até tinha. Porém, não seria tão perfeito quanto aqui. Eu queria uma aldeia mais afastada das cidades e que mantivessem fortes os costumes dos Sateré, preciso das imagens dos rituais e do beneficiamento do guaraná. Olhe em volta, Ka! Estúdio e efeitos especiais nenhum conseguiriam reproduzir essa perfeição.
Respirei fundo e fechei os olhos, para que a náusea não piorasse. Precisei soltar uma das mãos que segurava a alça no teto do veículo para secar uma nova gosta de suor a escorrer pela minha testa, todavia, após mais uma curva com sacolejos, voltei a segurá-la e entendi porque chamavam o acessório de puta que pariu.
A essa hora, a antiga Karina já teria dado ataques de estrelismo. A nova, por outro lado, estava se concentrando em tudo o que vinha aprendendo para não ser desrespeitosa com quem me ajudava, muito menos com a cultura dos povos originários.
Quando já estava considerando pedir que parassem um pouco a viagem para eu respirar e, quem sabe, até vomitar, chegamos a uma clareira com diversas casas, bem diferentes do que eu imaginava. Na minha cabeça, a aldeia teria ocas circulares totalmente revestidas por folhas, sem repartição de cômodos por dentro.
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Razão para Viver - Série Meu Final Feliz (Conto 1)
RomanceQuando a dependência química de Karina se tornou pública, a atriz viu sua vida pessoal e profissional afundar cada vez mais. Depois de um longo período de reabilitação, um diretor amigo, comovido com seu caso, decide oferecer-lhe um papel em uma nov...