Capítulo 12

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Karina

Era nossa última noite juntos. No outro dia, pela manhã, iríamos embora da aldeia. Naquele dia, havia filmado a cena em que minha personagem morria, depois de sofrer torturas nas mãos de grileiros, a mando do pai de Mila, interpretada por Sabrina.

Foi uma cena forte e difícil de ser filmada, na qual tive de dar tudo de mim, a fim de transmitir toda a emoção necessária. Ao final da gravação, o set inteiro estava em silêncio, com lágrimas nos olhos. Fui aplaudida.

Mesmo suja, com uma maquiagem que imitava machucados, cansada física e emocionalmente, eu chorei. Era bom ter meu potencial reconhecido por meus colegas de trabalho, agora só faltava o público também reconhecer.

Entretanto, nada pagava o que enxerguei nos olhos de Waytá. Ele me olhava como se a encenação fosse real, como se eu fosse um dos ativistas mortos pelas mãos de poderosos que, no final das contas, ficavam impunes.

A expressão carregada cedeu a um sorriso de orgulho. Depois de duas semanas acompanhando as gravações, ainda que fossem apenas algumas cenas, não o seriado todo, que estivesse tudo fora de ordem, ele havia entendido que a minissérie, mesmo que tivesse certos problemas, iria respeitar a cultura Sateré-Mawé e tentar abrir os olhos da população para a causa indígena.

— Você foi perfeita, Ka! — A aproximação de Ignácio desfez o contato visual que mantinha com Waytá.

— Obrigada.

— Não tenho dúvida que, depois da estreia da minissérie, irão chover novas propostas de trabalho. — Juntou mais nossos rostos e cochichou para que apenas eu ouvisse. — Eu sempre soube que você era capaz.

Segurei suas mãos nas minhas, por um momento esquecendo-me que elas estavam sujas.

— Nunca terei palavras suficientes para agradecer tudo que fez por mim.

— Agradeça dando cada vez mais de si.

Durante a tarde, ainda acompanhei outras gravações e precisei resolver algumas pendências a pedido do diretor. Também tivemos reunião de elenco e um encerramento com todos os atores e figurantes, entre sorrisos, abraços e as primeiras despedidas.

Ubirajara havia pedido que os homens da aldeia caçassem e colhessem fruta, legumes e tubérculos. Assim como no dia que chegamos, aconteceria uma grande festa para nós.

Reunidos no barracão, era visível como o entrosamento entre todos era maior, com exceção de Piatã, que continuava distante e, de vez em quando, dava-me olhares atravessados.

Estava indo embora uma nova Karina. Na verdade, uma versão melhorada da que eu me tornei há alguns anos, desde que fiquei limpa. Com todos os Sateré, mas principalmente com Waytá, havia aprendido a respeitar mais a natureza, a dar importância à cultura essencialmente brasileira, a gostar mais das comidas típicas.

Inclusive, ele me olhou com surpresa, ao me ver dando uma grande golada no çapó. Havia me acostumado ao sabor fermentado, até estava gostando mais de consumir o guaraná assim, em vez de cheio de açúcar e gás.

Era mais uma coisa que sentiria falta. Lembrar da primeira vez que bebi, de como Waytá armou para cima de mim causava um aperto no peito, como se fosse uma lembrança distante, sendo que havia acontecido há apenas duas semanas.

Tudo que vivi ao lado do meu Passarinho ficaria para sempre guardado em minhas memórias e em meu coração.

Quando a festa de despedida acabou, um a um foram indo para suas casas, os membros da equipe voltaram para as tendas, alguns foram tomar banho de rio pela última vez.

Razão para Viver - Série Meu Final Feliz (Conto 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora