Isso explica muita coisa...

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Ah, esqueci de te perguntar! — Quando ele usa esse tom de voz meio zombeteiro, meio malicioso, já sei que vem alguma besteira logo em seguida: — O que está vestindo, hum?

É claro que eu preciso rir disso. Apesar de estar roxa de vergonha.

Pois é, por incrível que pareça, acabei fazendo amizade com o desconhecido pervertido do telefone do outro dia. Depois da primeira vez que conversamos, me senti tão bem que tive vontade de repetir a dose. Passei algumas horas do dia seguinte apreensiva, indecisa se seria mesmo uma boa ideia continuar mantendo contato com um carinha cuja única informação que eu tinha a seu respeito era que seu apelido era Edu. Ah, e que ele tinha um gemido muito excitante enquanto gozava...

Foco, Solara!

Mesmo assim me vi tentada várias vezes a ligar para o número que decorei tão facilmente, afinal, era só trocar um dígito do número do Fred. Porém, fiquei com medo de ser mal interpretada. Mas eis que, perto da hora de dormir, já deitada na cama, com a memória repleta de lembranças da noite anterior, Edu dessa vez foi quem me ligou. Após alguns segundos de timidez inicial, começamos a conversar por minutos que se transformaram rapidamente em horas e, desde então, podemos nos rotular como bons amigos que se falam todos os dias. E, às vezes, o dia todo.

Mas apesar de me sentir muito à vontade ao conversar com Edu, eu não posso esquecer que tenho um namorado. A trancos e barrancos, mas ainda tenho. E, bom, nós nos conhecemos fazendo sexo pelo telefone, né? Por isso, eu achei necessário estabelecer alguns limites. Não que tenhamos acordado isso explicitamente, mas foi algo que acabou acontecendo de forma natural. Até porque eu acredito que uma das coisas que ajudou a nos abrir tão facilmente foi justamente não saber nada um do outro.

Sem conhecimento, sem julgamento.

Nós nos falamos todos os dias por ligação telefônica. Nada de Whatsapp, Instagram, Facebook ou qualquer outra rede social. Mesmo que ele busque meu nome no Google — e eu já testei! —, o que mais aparece são sites de empresas de lanchas, de água mineral, de energia solar, de perfumes... Até condomínios residenciais com o meu nome aparecem. Mas euzinha? Nada.

Valeu, mamãe, pelo nome criativo!

E bom, precisaria nem dizer o que aparece quando busco por "Edu" ou mesmo "Eduardo" no Google, né? Apenas um monte de gente aleatória.

Posso até dizer que somos quase melhores amigos. Porém, eu sequer imagino como ele é pessoalmente. E vice-versa. E acho que é melhor desse jeito.

Edu sabe tudo o que acontece comigo no meu dia a dia, o que é basicamente nada, já que depois que saí do meu trabalho, fico muito mais tempo do que deveria me dedicando ao prazer do ócio. Da mesma forma, eu sei quase tudo de sua rotina, que é infinitamente mais agitada que a minha, já que seu trabalho como garçom em um restaurante de comida asiática toma bastante do seu tempo, além de render histórias engraçadíssimas. A estranheza inicial passou como num passe de mágica de tão rápido e natural que foi nosso entrosamento, por mais que ele às vezes tente me encabular de propósito com a famigerada pergunta: "o que você está vestindo?". Edu e seu jeitinho de me lembrar sempre da forma um tanto peculiar que nos conhecemos, já que dizer o que eu estava vestindo foi uma das primeiras coisas que eu falei naquela fatídica ligação em que eu o fiz "chegar lá".

***

Praguejo um pouco quando algum desavisado esbarra em mim, o que faz o meu amigo rir da minha cara do outro lado da linha. Eu havia acabado de sair de uma loja de tecidos e estava no meio da rua quando atendi a ligação de Edu. Apesar de ser horário de saída do expediente de muitas pessoas e as ruas estarem bem cheias e movimentadas, eu pretendia que ninguém me escutasse, por mais difícil que isso fosse. Até porque, a exemplo de nossa primeira ligação, nossas conversas nem sempre são apropriadas para serem ouvidas por terceiros.

Desculpa, foi engano!Onde histórias criam vida. Descubra agora