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4 de dezembro de 2001

12h45

- E então, se divertiu ontem? - Perguntou minha mãe hoje de manhã, cobrindo com um bocejo o apito da cafeteira.

Dei de ombros e respondi que tinha sido uma noite como qualquer outra. Suas roupas estavam com um cheiro esquisito disse ela com aqueles olhos de quem quer saber e entender tudo sobre os outros, e mais ainda quando se trata de mim.

Assustado, me virei num salto mordendo os lábios. Pensei que talvez ela tivesse sentido o cheiro do esperma.

- Cheiro de quê? - Perguntei aparentando calmo e observando despreocupadamente o sol além da janela da cozinha.

- De fumo... sei lá... de maconha - disse ela com cara de nojo.

Com alívio, me virei, sorri de leve e disse:

- Bom, sabe como é... no lugar que a gente foi ontem tinha gente fumando. Não dava pra mandar apagar, né?

Ela me olhou com olhos turvos e disse:

- Experimente voltar pra casa fumado e não vai sair nunca mais, nem pra ir à escola!

- Hum, tudo bem - debochei - Vou tentar encontrar um traficante de confiança: você me deu um ótimo álibi para não ter mais que ir àquela merda de escola. Obrigado!

...Como se o que fizesse mal fosse só o haxixe. Eu poderia fumar quilos e mais quilos desde que não sentisse mais essa estranha sensação de vazio, de nada. É como se estivesse suspenso no ar admirando o que fiz ontem. Não, aquele não era eu. Era o outro, o que não se ama, deixando-se roçar por mãos ávidas e desconhecidas; era aquele que não se ama recebendo o esperma de cinco pessoas diferentes e sendo contaminado até a alma, onde a dor ainda não existia.

O que se ama sou eu: eu sou aquele que hoje à noite, mais uma vez, deixou os cabelos brilhantes depois de escová-los cem vezes com todo o cuidado, aquele que reencontrou a maciez fresca dos lábios. E que se beijou, dividindo consigo mesmo o amor que ontem lhe tinha sido negado.

。・:*:・゚★,。・:*:・゚☆

20 de dezembro de 2001

Tempo de presentes e de falsos sorrisos, de moedinhas jogadas, com uma bela dose momentânea de boa consciência, entre as mãos dos ciganos com os filhos nos braços na beira das calçadas. Eu não gosto de comprar presentes para os outros; compro sempre, mas só para mim mesmo, talvez porque não tenha ninguém a quem possa dá-los. Hoje à tarde saí com o YuBin, um cara que conheci num chat. Ele logo me pareceu simpático, trocamos telefone e começamos a nos encontrar como bons amigos, embora ele seja meio distante, preso pela universidade e por suas misteriosas amizades.

A gente sai muito para fazer compras e não me envergonho quando entro com ele em alguma loja de lingerie, onde, aliás, ele compra bastante.

- Para a minha nova namorada - diz ele. Mas nunca me apresentou nenhuma.

Com as vendedoras ele parece ter intimidade, logo se chamam pelo nome e riem juntos. Eu remexo entre os cabides procurando as roupas que usarei para aquele que conseguir me amar. E guardo todas elas bem dobradinhas dentro da primeira gaveta da cômoda, intactas.

Na segunda gaveta, as roupas íntimas que uso nos encontros com Mingjue e seus amigos. Meias compridas gastas pelas unhas deles e cuecas de linho um pouco esgarçadas, com fios de algodão pendentes porque foram esticados demais por mãos sedentas. Eles não ligam, para eles basta que eu seja safado.

No começo, eu comprava sempre cueca branca, tomando cuidado para combinar direito.

- O preto ficaria melhorem você - me disse YuBin certa vez - Combina mais com as cores do rosto e da pele.

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