19/07/2022 - BR - Valsa de café da manhã

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"Opa, você finalmente desceu! Bom dia Alli! Já que você sempre leva um tempo absurdo se preparando lá em cima, acabei pensando aqui... aí arranjei uma coisinha pra fazer e começar bem o dia, sabe, daquele jeitinho..."



Pouco a pouco o recém acordado tateava escada abaixo, tentando pontuar mentalmente toda a trilha de mudanças que prosseguiram sem o seu menor aval. Aos olhos de Allijarti, o estado do local poderia ser descrito, de maneira simples, como uma bagunça colossal:


Vitrines haviam sido escorraçadas para lá e para cá aos solavancos, desordenando alguns dos exemplares dos quais as habitavam. Até o simples ato de jogar seu olhar para a entrada sofria estar instransponível. Ainda que se forçasse a escolher entre as justificativas de uma súbita roleta psíquica, os planos de seu companheiro se mantinham em mistério. Pois então, seria melhor relembrar: por qual razão esta visita ainda se acomodava em sua loja, logo ao raiar do sol? Choque. Sancreyeth adormeceu mais uma vez no banco que se encontra na frente do balcão de atendimento. Ironizava, o Haavarti, pois era impossível não imaginar o que se passava neste cômodo anteriormente a sua posse. Agora dividia parte de sua atenção para o balcão-vitrine em questão - realmente, apesar das reformas feitas na edificação, seus alicerces ainda tracejavam os rastros de um bar de esquina; falhava até nisto, pois não guardava bebida alguma no local. Caso acontecesse, todavia, seria outro ato de uma imparável força maior.


Ao menos pode ver seu sobretudo dobrado, antes emprestado, dormente no mesmo assento de descanso informal. Prosseguiu com um bocejo:



"Querido libélula, são seis da manhã. Essa loja abre às oito. Tenho trabalhos a terminar até poder iniciar o dia de fato. Seja o que queira, não poderia por obséquio esperar até a noite, ou, quem sabe, qualquer outra hora? Deixar, talvez, para o bloco inocupado que virá após eu já ter lidado com todo santo esnobe que me aparecer por aquela porta?"



"Meu amigo, eu já sei no que vai dar se eu deixar isso pra outra hora. Você não lembra não, daquela terça da semana do festival Asa Grande, que eu te chamei pra me acompanhar enquanto eu cobria as cenas dos fundos onde todo mundo estava se preparando - e que além disso, eu explicava toda a história do evento?"



Levantou um de seus antebraços cruzados, levando a mão para a sua cabeça, como se afagar um de seus temporais o ajudasse a recordar o cenário. "Não. Digo, não muito. Perdoe-me, a memória me vem nebulosa."



"Beleza, agora eu te lembro. Basicamente, você disse que ia ficar ocupado, que viria depois. Eu tive que ir mesmo assim. Tudo bem, tudo normal. Fiz o que era pra fazer, só que sem você, claro. Levou exatamente três horas e quatorze minutos e quarenta e cinco segundos cronometrados para, no meio da segunda partida, a plateia começar a criar uma bate boca sobre um tal de... sei-lá-o quê, honestamente. Um povo lá ficou marrento que só. Já que começou isolado ali nos cantos e era difícil de prestar atenção, até porque não podem perder os voadores de vista, ninguém reparou em nada. Só que, assim, escalou. Chegou um momento em que um anormal do time de segurança achou que levar uma pistola de balas reais pro lugar era uma boa ideia - nota: os regulamentos especificaram que isso seria proibido, afinal, nunca tiveram uma situação em que as de borracha não tivessem tomado conta do recado. Ademais, um surto foi se desenvolvendo e a próxima coisa que eu vi foi a festa ressecar. Lá na pista, eu via, algo curioso e que chamava a atenção: uma atleta gralha sangrando na pista. Assim, eu fui escalonado de uma cobertura de esporte para uma de assassinato. A produção só queria uma notícia positiva; pois bem, sem condições."



A abrupta mudança de tom e a clareza dos fatos que logo se seguiu foram, no mínimo, de se levantar as sobrancelhas. Recordava algo do tipo sendo discutido através de canais de rádio, os quais geralmente escutava. A moça em questão havia sido atingida no fígado, não resistiu; certo suspeito não escapou os VOLPI, afirmavam que o tal acordou no xadrez. Liberado logo em seguida.

SNAKE EYES.nouWhere stories live. Discover now