12:00
Acordo com a cabeça latejando, me arrependendo de ter bebido ontem à noite. Sinto a cama embaixo de mim e me lembro do que aconteceu ontem, ou hoje de madrugada, tanto faz. Me viro pro lado e vejo Aaron ainda dormindo e o observo com atenção.
Seus cabelos loiros estão caídos na testa e seu corpo está totalmente relaxado, ele parece um adolescente desse jeito. Olho para a cicatriz em seu rosto, uma linha fina que vai da sua testa até o começo do seu nariz. Eu fiz isso, eu o marquei para sempre.
Consigo me lembrar perfeitamente do dia em que isso aconteceu. Foi quando eu descobri que o Ethan estava morto, e que ele havia o matado. Ethan era meu melhor amigo, parceiro de trabalho e também meu primeiro amor. Ele foi o único que eu realmente amei, o único que me olhava como se eu fosse uma pessoa, não um objeto. Claro, depois da morte dele houveram alguns homens e algumas mulheres também, mas nunca nada sentimental. Desde o dia em que ele morreu eu jurei a mim mesma que não iria me apaixonar nunca mais porque isso só trazia problemas, e continuo firmemente com a minha palavra. Nunca me privei de diversões, mas sempre foram lances de uma noite.
- O que você tá olhando?
Me assustei com Aaron. Estava tão perdida em meus pensamentos que nem percebi que ele estava acordado.
- Tem como me responder? - sua voz ainda estava sonolenta e ele estava calmo - você estava me encarando igual uma psicopata.
Suspirei. Com a dor de cabeça que eu estava no momento, a última coisa que eu queria fazer era brigar.
- Só estava pensando. - falei calmamente.
- No que? - ele me encarava como um gatinho que está vendo um peixe na sua frente - ou em quem?
- No Ethan - sua expressão automaticamente mudou, de serenidade para ódio.
Ia perguntar o motivo da mudança mas meu celular tocou na hora.
Bruce
- Alô?
- Você viu que horas são Ashley? - obviamente que ele estava irritado.
- Não, e nem vou olhar.
- Coloca a ligação no vivo à voz.
- Por que? - perguntei provocando.
- Só obedece porra.
Tirei o celular da orelha e coloquei no auto falante.
- Vocês dois estão de parabéns, se saíram muito bem ontem à noite - ele parecia um pai orgulhoso - apenas provando que eu não errei quando coloquei os dois como parceiros.
- Eu quero pedir demissão - Aaron falou.
- Isso está fora de discussão.
- Queria umas férias Bru Bru - ele odiava quando eu usava esse apelido.
- Não me chama assim! - ele tossiu, sem graça - continuando, vocês formam uma boa dupla em ação, mas fora disso só discutem. Então hoje eu vou dar à vocês um tempo para se conectarem.
- O quê?! - falamos em uníssono.
- Isso mesmo. Vocês vão ficar até às dez da noite dentro desse quarto, trancados.
- Você tá se sacanagem Bruce? - Aaron falou.
- Claro que não - conseguia ouvir a risada da Alex no fundo - mais tarde vou transferir dinheiro para vocês e vocês estarão liberados para ir aos cassinos, e só.
- Ah sim, agora além de controlar o meu direto de ir e vir você vai controlar aonde eu posso ir?! - reclamei.
- Sim, como chefe tenho todo o direito de fazer isso - e desligou.
Nos entreolhamos, sem saber o que fazer. Olhei no relógio e vi o horário, ainda faltavam dez horas até o fim do nosso cativeiro.
- Então - Aaron levantou da cama - o que a gente faz?
- Não sei - levantei também - vamos procurar nesses armários alguma coisa pra fazer.
- Tipo o que? - ele começou a procurar pelas gavetas e eu fui checar se a porta estava realmente trancada.
- Sei lá, qualquer coisa que passe o tempo - forcei a maçaneta mas nada aconteceu.
- Hm acho que não é esse tipo de passatempo que você tem em mente - ele me mostrou um par de algemas com pelinhos cor de rosa.
Nós rimos e ele largou o acessório no canto do quarto. Fui procurar alguma coisa nas gavetas mas também não encontrei nada. Nenhum jogo de baralho, um Uno talvez. Nada, não havia nada nesse quarto.
Me sentei no chão frustrada, usando minha cabeça para pensar em algo que pudéssemos fazer, além de brigar.
- Já sei - Aaron disse - nós podemos jogar uma verdade e duas mentiras.
Dentro da nossa atual situação, eu diria que é a única opção.
- Tá bom - nos levantamos e sentamos um de frente para o outro - você começa.
- Por que eu?
- Porque você deu a ideia.
Ele começou a pensar.
- Eu já usei cocaína, nunca dei PT e nunca namorei.
Por um momento eu me senti uma adolescente de novo, sentada no refeitório jogando verdade ou desafio.
- Você nunca namorou, com certeza.
- Errou - ele deu um sorrisinho orgulhoso - sabe eu faço sucesso com as mulheres.
- E qual é a verdade então?
- Já usei cocaína, e muita.
- Onde você trabalhava era permitido? - achei estranho isso, drogas sintéticas eram proibidas.
- Não, quando eu tinha uns dezesseis anos eu me tornei um viciado - ele ajeitou a postura e voltou a falar - sua vez.
- Eu já me apaixonei, já transei com mais de trinta caras e já coloquei fogo em uma pessoa.
- Já transou com mais de trinta caras - ele respondeu muito confiante.
- Errou - falei com satisfação - a verdade é que eu já me apaixonei.
- Como assim você é capaz de amar alguém? - ele fingiu estar chocado.
- Só aconteceu uma vez, pra nunca mais.
- Por quem?
- Só respondo se você também contar como se tornou um viciado - não iria me expor daquele jeito sem nada em troca.
- Não vou contar.
- Eu também não então.
Nós ficamos ali em silêncio, um encarando o outro para ver quem cedia primeiro. E eu ganhei.
- Quando eu era adolescente minha mãe morreu - ele começou - e meu pai sempre me culpava por causa disso, ele sempre dizia que o acidente de carro que ela sofreu era minha culpa porque ela foi comprar meu presente de aniversário. Desse dia em diante meu pai começou a beber todos os dias, e ele sempre chegava bêbado em casa e começava a me espancar. Ele me batia tanto ao ponto de eu não conseguir me mexer de tanta dor então eu só ficava sentado no mesmo lugar, chorando e sangrando. - ele respirou fundo e continuou - isso aconteceu por um ano inteiro, mas eu me lembro exatamente de um dia específico, cada detalhe. Ele chegou em casa mais chapado que o normal e já veio direto pra cima de mim, só que eu estava cansado de ficar levando surra todos os dias, então tentei fugir. Mas eu era muito magro na época, e ele conseguiu me agarrar. Ele era policial. Ele me pegou pelo braço e me arrastou até o porão da casa, onde os aquecedores ficavam e lá ele pegou as algemas que sempre carregava e me prendeu em um dos aquecedores. Eu lembro de implorar por ajuda enquanto sentia a pele do meu pulso fritar. A partir disso eu comecei a usar drogas, porque elas me ajudavam a lidar com toda aquela merda, e meu vício só foi crescendo - ele estendeu sua mão direita na minha direção - foi assim que eu conseguia essa cicatriz.
Peguei sua mão e passei os dedos com cuidado por cima da marca. A pele estava toda repuxada e levemente mais escura que o resto do braço, mas era incrivelmente macia. Olhei em seus olhos e não tinha palavras para descrever o sentimento que ficou em mim ao ver a tristeza e ódio no seu olhar.
- Bem essa é a minha história - ele puxou a mão de volta - agora me conta a sua.
Precisei me recompor depois de ouvir tudo isso para começar a falar.
- A minha história não é tão emocionante quanto a sua, então não espere muita coisa - umedeci meus lábios - quando eu tinha quatro anos a minha irmã e minha mãe foram assasinadas, então passei a viver com meu pai por um tempo. Mas depois de alguns anos ele começou a se enfiar em muitas dívidas, também por causa de bebida e drogas. Mas ele nunca encostou um dedo em mim, apenas bebia e cheirava coisas que ninguém sabia o que eram. Estava tudo indo bem até que um dia um dos caras que ele estava devendo invadiu a nossa casa de madrugada, eu já tinha uns seis anos. Ele matou o meu pai e tudo o que eu pude fazer foi me esconder, porque eu era fraca e muito nova - engulo o nó na minha garganta - depois desse dia eu simplesmente desconheci o que a palavra amar significava. Como eu não tinha mais meu pai para pagar as contas e a comida eu precisei me virar sozinha. Nenhum lugar nunca me aceitava por causa da minha idade, já que eu era praticamente um bebê ainda. Na esquina da minha casa havia um cortiço e lá foi o único que me aceitou. Eu trabalhei lá por quatro anos, posso dizer facilmente que foi a maior tortura que eu já vivi na minha vida. Todo dia era a mesma coisa, naquele ponto eu já estava morando lá. Homens com idade pra ser meus avós iam e me procuravam, mas haviam regras por incrível que pareça. Eles só podiam passar as mãos pelo meu corpo, nada de sexo. Teve um dia que um deles me agarrou a força e me levou pro quarto e bem... você sabe o que aconteceu. Eu apenas lembro de mim mesma sentada no canto do quarto escuro sangrando e chorando, e a única coisa que passava na minha cabeça era que eu precisava fugir dali ou eu tiraria minha própria vida - fiz uma pausa - foi quando eu fugi pras ruas e o Bruce me achou. A partir desse dia eu comecei a morar la e ele me treinou, me levando até o esgotamento todo dia. Naquela época já haviam várias pessoas trabalhando pra ele, mas não tantas como é hoje. Foi quando eu tinha doze anos que meu primeiro parceiro entrou, o Ethan. Ele era só dois anos mais velho que eu e sua história era ruim igual a de qualquer um que vai parar la. Com o tempo nós fomos nos aproximando cada vez mais, de parceiros para amigos, de amigos para inseparáveis e depois para namorados. Ele me olhava como se eu fosse a única coisa que importasse pra ele no mundo e me tratava como eu nunca fui tratada na minha vida inteira. Eu era completamente apaixonada por ele, pensava nele o dia inteiro todos os dias, e ele por mim. Mas aí você matou ele, e senti meu mundo desabar. Desde que meu pai havia morrido eu não sabia mais o que era amar e ser amada, mas o Ethan trouxe isso de volta pra mim, só pra depois você tirar. Eu prometi a mim mesma que nunca mais vou me apaixonar por ninguém.
Olhei pra ele, esperando ver algum tipo de empatia em seu rosto mas só encontrei desgosto.
- Não me arrependo de ter matado ele - ele se aproximou de mim como um gato - e faria de novo, se assim me pedissem.
Dei um tapa com força na cara dele.
- Nunca mais repita isso! Está me ouvindo? Nunca mais!
Ele se levantou e eu também, já indo um pra cima do outro.
- Ou o que?
- Ou eu mato você.
Ele riu na minha cara.
- Você fala como se tivesse realmente coragem pra isso.
Dei uma joelhada no estômago dele e já fui socar sua maldita cara mas ele agarrou meus braços.
- Você tem que aprender a se controlar!
- Me controlar o caralho! - me sacudi com força.
- Como você quer trabalhar se com a primeira merda que eu falo você já vem pra cima de mim?!
- Já trabalhei muito bem com isso! Sem você é melhor ainda!
Ele colou nossos corpos, seu rosto a centímetros do meu por ele ser mais alto.
- Você tem que ser mais calma porra, você não sabe lidar com gente falando merda?
Olhei bem no fundo dos olhos dele e falei com a voz calma:
- Eu já ouvi coisas que você nunca vai conseguir sequer imaginar.
Aproveitei seu momento de vacilo e me soltei do seu aperto. Fui até a cama e deitei, se eu tivesse que ficar nesse quarto até a noite eu iria fazer isso dormindo.
Me revirei um milhão de vezes entre as cobertas e acabei adormecendo de novo.
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Don't trust nobody
RomanceCom um assassinato envolvido, um ódio interminável e missões a cumprir será que Ashley vai conseguir equilibrar sua vida entre amor e trabalho? ⚠️TW⚠️ violência,palavras de baixo calão, armas, consumo de drogas, estupro (menção), prostituição,sexo e...