Primórdios

19 3 23
                                    

Há dez anos...

✩✩✩

A grama pinicava-me os pés agitados, sentia a brisa leve e reconfortante farfalhar as folhas das árvores, batendo em meu rosto e convidando-me a me afundar nas profundezas da floresta. Esse é um dos raros os momentos em que me sinto verdadeiramente livre e solta das amarras invisíveis de minha casa, podendo assim escapar um pouco da minha realidade.

Meu cabelo longo e loiro, com sua metade presa em um pequeno rabo de cavalo, balançavam conforme eu corria pela grama. Os livros, guardados cuidadosamente numa bolsa de couro simples, eram firmados por minhas mãos para não terem risco de cair. O vestido verde musgo que eu usava batia-me os joelhos, era desgastado demais para alguém da alta classe social, mas era muito mais confortável que as diversas camadas de panos pomposos e apertados que me forçavam a vestir.

- Croá!

Paro de correr, ainda cambaleando pela parada súbita, me apoiando numa árvore e olhando os arredores acima de minha cabeça. Logo vejo o pequeno corvo negro sobrevoando o céu, descendo para a terra ao me ver.

- Fawk! Por onde andou? - abaixo na frente do pássaro, o ouvindo grasnar novamente, se aproximando. Retiro um pequeno saco com nozes da bolsa, estendendo para o corvo - Aqui, trouxe para você.

O observo comer calmamente. Resgatei Fawk há dois anos, ele era filhote e estava machucado; às escondidas, cuidei dele e o dei comida, me apegando sem perceber. Quando melhorou, abriu voo e fiquei triste ao pensar que nunca mais iria vê-lo, mas me enganei: duas semanas depois, fui surpreendida ao encontrá-lo na janela de meu quarto, com metade de um par de brincos ao seu lado. Desde então, o deixo livre, mas ele me encontra e me faz companhia quase sempre, principalmente em minhas fugas para a floresta.

Me recosto ao tronco da árvore, retirando um dos livros que guardava na bolsa.

Era um livro diferente dos demais, continha histórias de lendas e criaturas místicas. Sempre o lia escondido, se meu pai soubesse o tipo de coisa escrito nele, já teria me mandado para um convento e me isolado do mundo; diria que eu estava ficando louca. Emille, minha irmã mais nova, sempre me dizia para ter cuidado ao ler certas coisas. Não entendo que mal pode ter num livro de histórias, mesmo que eles não acreditassem e falassem que eram tudo mentira, eu acredito.

Minha mãe me deu esse livro, antes de morrer de uma doença desconhecida quando eu tinha seis anos. Ela me ensinou a ler e me apaixonar pelas histórias descritas nos papéis.

Mas antes que eu possa sequer terminar de ler a primeira frase...

- Senhorita Roystone! Onde está você?

Suspiro, guardando rapidamente o livro, me levantando e sem querer derrubando Fawk que não percebi estar apoiado em minha perna.

- Me desculpe, amiguinho. - acaricio suas penas negras carinhosamente - Volto outra hora.

Dito isso, me levanto e vou em direção aos gritos que me chamam.

- Estou aqui, Edith. 

A mulher, de cabelos negros em coque e bem vestida, vira para mim, parecendo estar aliviada ao me ver.

- Senhorita, por que está vestida dessa maneira? Não é como uma quase moça se porta! - pega em minha mão, me levando para fora do bosque.

- Tenho apenas doze anos, Edith. - tento rebater, em vão.

- E está na hora de se comportar como tal, está atrasada para o baile de seu pai! Sabe como essa festa é importante para os investimentos do Senhor Roystone, membros influentes do alto escalão foram convidados, e você é a única que falta. Sua irmã mais nova já está lá, se arrumou bem cedo e pôs o melhor vestido que...

Águas EscarlatesOnde histórias criam vida. Descubra agora