Por algum motivo, o frio congelante que lhe apossava a pele toda vez que o vento gélido da noite penetrava os tecidos extras que carregava sobre os ombros não era suficiente para aplacar a chama eminente em seu interior, guiado e fortalecido com as memórias do beijo no lago, vibrantes em sua mente e vívidas como o próprio fogo.
Toda vez que lembrava, era como se a pele onde a morena tocou voltasse a queimar, entorpecendo-lhe numa ilusão de que podia sentir os dígitos quando pensasse neles.
O resto da noite passou como um clarão borrado diante seus olhos, já que não lembrava de metade do que falou, fez ou ouviu. Tudo o que notou, quando se deu conta do silêncio ameno do ambiente e das pouquíssimas pessoas presentes, foi que a lua se exibia ao alto do céu noturno. Já era tarde da noite.
Como se fosse automático, procurou os olhos flamejantes tão conhecidos e únicos. Não encontrando, se apressou escada abaixo, direto para os aposentos da dona de seus pensamentos. Mégara não gostava de barulho, principalmente em seu quarto, então, ao abrir a porta nada delicadamente, esperou uma reclamação ou alguma reação de descontentamento.
Que não veio.
Para sua surpresa, a pirata se encontrava muito bem acomodada nos lençóis da cama. O casaco vermelho descansava na cadeira atrás da mesa, as botas de couro não adornavam os pés, mas estavam ao lado da porta, perfeitamente alinhados. O que significava que estava ali há um tempo, tinha entrado muito antes de si.
Sua postura era relaxada, com as pernas esticadas e os braços atrás da cabeça apoiada no travesseiro. A camisa, esticada até os cotovelos, estava um pouco aberta, dando a perfeita visão dos ossos salientes da clavícula. Os cabelos escuros e rebeldes, sem a bandana roxo escuro, caiam sobre os ombros e lençóis, emoldurando a imagem cínica e bela que era aquela mulher. Os olhos escuros lhe encararam perigosamente, lhe analisando dos pés à cabeça.
Por algum motivo, ela parecia ter bolado muito bem o que fazer consigo.
– Achei que ia dormir no convés. – as íris escureceram, era como se lhe chamassem sem dizer abertamente, lhe atraíam – Vem aqui.
Raven, que tinha congelado desde que pisou no quarto, se mexeu a muito custo, lutando para sair do transe daquela cena. Nunca tinha sido olhada daquela maneira. Somente quando chegou perto, de frente para a cama, Mégara saiu da posição que estava para ficar sentada, olhando para cima, em seus olhos.
– E então? – se atreveu a falar, quando sua boca voltou a lhe obedecer. Por que estava tão atordoada?
– Então o quê? – o sorriso se alargou um pouco mais.
Suspirou quando sentiu os dedos alheios subirem e descerem lentamente, quase não tocando de tão leves, pela lateral de sua perna direita.
– Parecia saber bem o que fazer naquele lago...
– Tive outras experiências.
Apoiou as mãos nos ombros abaixo de si, apertando como se fosse em repreensão. Não era hora de falar de outras experiências. Raven não queria pensar, não queria pensar que queria muito se entregar a desejos que sua criação não aprovaria. Se pensasse mais no que iria fazer, iria desistir.
Se encararam. Os olhares pareciam soltar faíscas, cada vez mais perdidos um no outro.
– O que está esperando?
Mégara lhe sorriu, mas dessa vez, os dentes se mostraram. Raven sentiu algo no estômago, apertando novamente os ombros por cima da camisa branca. Os olhos brilharam num tom de vermelho vivo. Parecia prestes a entrar em ebulição.
– Espero você dizer que posso avançar – subiu as duas mãos, pousando-as no quadril alheio e apertando – Ou será que não aguenta?
Um lampejo de raiva passou pelo brilho esverdeado dos olhos da loira. Pra a satisfação da pirata, foi apenas um segundo para que Raven agarrasse suas mãos, levando para sua cintura fina. Sentou em seu colo, subindo um pouco o vestido que usava e revelando as coxas alvas. Foi puxada da admiração pelo novo fato descoberto quando sentiu braços envolverem seu pescoço. Raven lhe olhava feroz.
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Águas Escarlates
RomanceVingança. É para isso que Mégara Umiko, uma pirata temida por todas as ilhas do reino de Altaron, acorda todos os dias. Vivendo em um dilema interno que somente ela sabe, Mégara rapta Raven, primogênita do homem que lhe provocou um trauma terrível...