Capítulo 2

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   As masmorras foram feitas para assassinos e bandidos, pessoas que infringiram as leis e eu havia feito aquilo

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   As masmorras foram feitas para assassinos e bandidos, pessoas que infringiram as leis e eu havia feito aquilo. O lugar não entrava nenhuma claridade, exceto por um pico no teto por um mínimo buraco onde a água da chuva caia e servia para beber. Eu sabia que havia cometido um erro, mas eu sempre fui péssima em aceitar covardias. Meu ponto fraco eram as injustiças e a nossa terra via muito aquilo.

   Quando eu fui escolhida para servir no templo, já sabiam que eu tinha um dom imenso, que eu era meio imortal, agraciada por alguma deusa com o dom da calmaria e da natureza, mas eu mesma nunca soube ignorar meus instintos de caçadora. Meu pai era um homem guerreiro, que lutou em muitas guerras e eu herdei isso dele, mesmo que não carregasse aquele sangue, o amor e a maneira como fui criada me fizeram parecer muito ele.

   Pouco antes de sua morte, fui deixada no templo para servir e aprendi a controlar as minhas emoções, mas elas ainda gritavam dentro de mim. Era impossível eu ser pacífica e calma, eu sempre respondia e era audaciosa e por causa disso eu estava presa.

   Eu não me arrependi, mas eu sabia que poderia ter evitado. Só os céus sabiam o que poderia acontecer comigo.

   Eu não entendia como um deus poderia ser tão frio a ponto de destruir uma cidade sagrada. Os antepassados e os antes, antes deles, criaram aquelas terras, dando para as criaturas mágicas habitarem, criaturas que criaram o equilíbrio de tudo. Mas, os deuses pareciam não se importarem me fazendo questionar se eu estava servindo as divindades certas.

   O ranger do cadeado sendo destravado me fez olhar para a porta de madeira corroída e ver a chegada da suma-sacerdotisa.

   Uma mulher bonita de cabelos escuros e postura rígida. Katlemi era aquele tipo, a primeira sacerdotisa de todas, agraciada com o poder maior.

   Me ajoelhei em seus pés e abaixei a cabeça. O respeito que eu tinha por ela e o poder que ela exercia sobre todas as sacerdotisas, fazia com que nos ajoelhássemos diante de uma mortal e a tratasse como uma deusa.

   — Senhora.

   — Levante-se. — ordenou e o fiz rapidamente.

   Nem tive tempo para resmungar, pois ela bateu em meu rosto com tanta força que o local queimou, fazendo uma lágrima escorrer imediatamente.

   — Como ousa ignorar as leis que foram ditadas para você, sacerdotisa! — sua voz era autoritária, poderosa e cheia de respeito. — Eu precisei fazer muito para que você chegasse até aqui e tive que ouvir muito na mesma intensidade e é assim que retribui?

   Levantei minha cabeça, engolindo o choro.

   — Peço perdão, senhora, mas eu não poderia ficar calada contra aquilo. As terras...

   — E quem é você para ir contra um deus e suas ordens? — questionou. — Não está aqui para servir e obedecer?

   — Sim. — respondi baixando o tom. Mas, de certa forma, eu ainda tinha algo preso na garganta. — Mas, eu também não estou aqui para manter um equilíbrio? Para proteger o que é sagrado e o que não pode se proteger sozinho? — ela não respondeu, me olhando com gana. — Eu sinto muito, mas eu não sou boa em aceitar coisas erradas. Não foi por isso que me tornei sacerdotisa.

   Ela respirou fundo.

   — Ir contra um deus que tudo sabe, que tudo criou, é o maior sinal de tolice. Você passou de todos os limites, a sua ousadia resultará em grandes consequências.

   Senti medo. Talvez eu tivesse esquecido do tamanho do meu pecado e que teria resultados. Pensei que poderia passar impune, mas eu conhecia os deuses e sabia que não eram tão benevolentes quanto pareciam quando se tratava de justiça. Assim como eu lutava por um equilíbrio, eles também faziam aquilo. Eu poderia ter uma morte horrível. Haviam tantas opções.

   Ser jogada no rio para monstros do mar me devorarem. Ser deixada a merce de marinheiros sedentos por sexo, ou ser jogada no Iris, um lugar sombrio onde minha alma seria devorada lentamente por demônios.

   Eu não conseguia contar as infinidades de mortes terríveis.

   Mas, ainda sim, eu morreria com dignidade, não voltaria atrás na minha escolha de proteger os lugares sagrados.

   — Qual será a minha morte? — perguntei depois de engolir meu medo adentro.

   — Não morrerá, mas será doloroso. — respondeu. — Eu intervim por você e graças aos seus trabalhos e por ser uma das melhores do reino, o deus Morthan decidiu te dar uma chance de se redimir.

   Fiquei confusa, pois eu não esperava aqui. Mas, eu não era tão inocente para acreditar que seria algo bom.

   — Vou ter que pedir perdão? — perguntei.

   — Sim. Ele ordenou que se ajoelhasse no templo, diante de outros deuses e pedisse por misericórdia. Em seguida, vai ser levada para o submundo, para servir a um deus negro.

   Nem todas as mortes que imaginei, as atrocidades que cogitei, chegavam aos pés da tortura que foi ouvir aquilo. Eu fiquei trêmula, sentindo meus pés sumirem e um medo imensurável me perseguir. Aquilo era pior que a morte.

   — O-o que? — Minha voz quase não saiu.

   — Isso mesmo. E agradeça por não ter sido pior. — respondeu friamente, fazendo com que a afeição que eu sentia por ela fosse sumindo e dando lugar a um profundo rancor.

   Mesmo assim, eu queria implorar. Eu sabia que tipo era aquele a quem eu estava sendo entregue. Se existisse alguém que temia mais o submundo e que tivesse motivos para aquilo, aquele alguém era eu.

   Tomada por medo e um sentimento profundo de dor, eu resolvi implorar.

   — Senhora, por favor, não me deixe cair nas garras de um ser como aquele. — agarrei seus pés em desespero. — Eu imploro.

   — Deveria ter pensado nisso antes de agir como uma rebelde! — me afastou. — O seu lugar sempre foi um só, Éris. — ela me olhou como se eu fosse uma escória. — Servindo como um cão, aqueles que te deram tudo. Rastejando aos pés deles, como está fazendo agora. — ajeitou o vestido azul escuro, mantendo sua pose. — Amanhã ao sair do sol, esteja preparada. Aproveite sua última noite nesse templo.

   Ela me deixou jogada lá, como se eu fosse nada, como se ela nunca tivesse enxugado minhas lágrimas antes ou me ensinado tudo. Eu me tornei para ela um nada, menor que um nada e aquilo foi doloroso.

   Eu preferia a morte do que ser entregue a um deus negro. Todos sabiam que eram a pior espécie. Nem mortos, nem vivos, nem deuses, nem humanos. Eram demônios temíveis, sem alma ou coração, que tomavam o sangue de suas vítimas, ainda com elas vivas. Emanavam luxúria, frieza e adoravam jovens virgens. Suas formas variam muito, mas já haviam sido desenhados antes, como criaturas perversas, doentes pela dor alheia, que se alimentavam devagar de suas presas. O apetite sexual era sem fim e o estupro era seu ato favorito. Eram a aberração em ser, e quem foi jamais voltou.

   Eu quis morrer naquela noite, mas não consegui rezar para nenhum deus. Achei que seria muita falta de escrúpulos depois de tudo. Eu preferia uma morte rápida, ser devorada ou transformada em pedra, não importava, mas aquilo era a pior morte.

   Eu não poderia ser entregue a um deus negro. Nunca! 

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