Capítulo 4

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    Eu estava sozinha, em um labirinto da morte com o deus da morte e aquilo era medonho.

Se eu soubesse, eu teria me esforçado menos em ser tão boa.

Fazia muito tempo que eu não chorava e naquela noite, ou dia, eu não sabia as horas naquele lugar, mas eu chorei e chorei como uma pobre coitada.

Não tinha ninguém por mim ali, e apenas eu poderia me salvar do destino trágico que me esperava.

Limpei as lágrimas e me levantei, unindo todas as minhas forças, mesmo que eu não tivesse nenhuma.

Fui até a vasilha de água e lavei meu rosto, tirando todo o sangue de antes e sentindo o corte latejar na minha maçã do rosto. Eu jamais ia perdoar aos deuses por me tratar como uma doença, e eu jamais pisaria naquelas terras novamente. Eu iria encontrar um lugar onde poderia ser bem vinda, talvez na terra das fadas ou dos elfos, eu não sabia.

Vasculhei o lugar e, a não ser pela janela, não havia outra saída. A porta havia sido trancada, claro que ele trancaria, eu era uma prisioneira, não uma convidada.

Mas, eu arquitetei um plano bom.

Não sei quanto tempo durou, mas juntei todos os tecidos que eram bons daquele lugar e comecei a fazer uma corda. A janela era muito alta, tão alta que eu teria sérios problemas se caísse.

Levou algum tempo, até que eu finalmente tivesse feito algo bom. Eu não iria ficar ali esperando a minha morte.

Joguei os tecidos pela janela e claro que não chegaram ao chão, mas a altura já não era tão grande e eu poderia pular. Respirei fundo e comecei a descer, segurando firme com as mãos em volta do pano e torcendo para que não arrebentasse. Desci com cuidado e a cada descida eu sentia mais medo.

Na metade do caminho, eu quase perdi as forças e soltei um gritinho de pavor, mas me segurei firme.

— Respira fundo... Fique calma... — disse a mim mesma.

Respirei fundo e continuei a descer.

Por fim, saltei para o chão e caí de costas. Eu estava atrás do castelo e me levantei rápido, levando o ar para meus pulmões e encarando os lados. Não parecia ter nada ali, apenas uma escuridão e a pouca luz da lua.

Eu teria que ir na direção oposta de onde estava, não sabia como eu sairia daquele lugar, mas eu sabia o quê acharia o caminho para mim.

Levantei a palma da mão para cima e assoprei levemente.

A borboleta branca surgiu imediatamente.

— Encontre o caminho. — sussurrei e ela voou.

Voou livremente na escuridão, guiando meu caminho para a saída que me levaria para longe daquele lugar.

Segui a borboleta que, a cada bater das asas ia sumindo na escuridão daquele lugar e adentrando ainda mais na frieza. Eu quase não consegui enxergá-la, mas forcei a vista para avistar qualquer coisa que fosse.

Por um segundo eu achei que a tinha perdido, na imensidão da névoa negra, mas eu a vi parada no ar, batendo as suas asas como se estivesse pousada em algo.

Quando finalmente alguma claridade surgiu, eu pude ver o deus parado e a borboleta pousada na mão dele. Tive um segundo de tremor e desesperança. A minha falta de fé surgiu de imediato, me trazendo a uma nova realidade.

— Indo a algum lugar, borboleta? — perguntou e fechou a mão, esmagando-a.

Eu fui ingênua em imaginar que ele, uma criatura maligna, não saberia meus passos? Como eu fui ridiculamente tola!

Mesmo assim, eu ainda planejava fugir dali e foi o que tentei fazer. Virei as minhas costas e fiz menção de correr, mas travei no lugar quando uma serpente negra surgiu bem na minha frente.

Ela se movimentava na medida em que eu me movimentava, sua cor era tão escura que brilhava e seus olhos eram vermelhos. Não tínhamos serpentes em Nafir, serpentes eram a personificação do mal e diante de mim, estava uma.

Eu estava movida pelo horror.

— Se você se mover, ela te ataca e a mordida dela é mortal. — disse e se colocou na minha frente, ao lado de seu bichinho de estimação. — Será letal. — terminou.

Olhei para ele com muita raiva, eu nunca havia sentido algo parecido com aquilo. Eu sentia hostilidade. Eu queria me livrar dele, daquele lugar e daquela situação, mesmo que aquilo custasse a minha vida.

— Eu me recuso a servir a um deus como você. — falei o encarando. — Eu prefiro a morte.

Meu pé bateu no chão com força, em um movimento que significava afronta para a serpente, que atacou. Eu senti a picada mais dolorosa da minha vida. Enquanto eu ia caindo ao chão, eu mantive meus olhos nos do deus negro, mantendo a minha dignidade.

Se eu tivesse que morrer, seria por decisão minha. 

[...]

  Eu sempre achei que a morte fosse dolorosa. Naquele dia em que vi minha mãe sendo levada por deuses negros e nunca mais retornando, eu sabia que a morte era a coisa que mais doia.

A garotinha assustada gritava pela mãe que estava sendo arrastada pelos braços, sem ao menos poder se despedir. O cenário era triste, talvez a coisa mais triste que eu já tenha visto e eu nunca mais esqueci aquele trágico dia.

Respirei para dentro como se o sopro da vida tivesse voltado para meu corpo. Analisei o teto escuro e me sentei rapidamente na cama. Levantei meu vestido e analisei minha perna, onde deveria ter a marca de uma mordida e ela estava lá ainda, dois pontos pretos e ardendo, me lembrando que foi real, mas que eu deveria estar morta.

— Estou viva. — murmurei para mim mesma.

— Está. — a voz dele me fez saltar de susto e vê-lo surgir da escuridão do quarto. Me encolhi na cama assustada o bastante para observar todos os movimentos dele. — Prefere morrer do que servir a mim? — perguntou.

Ergui meu queixo em afronta.

— Sim.

Ele sorriu de lado.

— Mas, não vai morrer, sacerdotisa. — se sentou na cama e tomou minha perna, me fazendo perder a força para tentar me livrar. Ele tocou o local da picada. — Toda vez que tentar fugir, ou me desobedecer, isso aqui vai ficar feio e você vai sentir muita dor, tanta dor que vai desejar morrer, mas não vai.

Senti um arrepio e franzi o cenho.

— Você me amaldiçoou? — questionei incrédula.

— Não. Isso é apenas para você se lembrar a quem pertence. — ele se inclinou para frente, me fazendo recuar o corpo para trás, mas mesmo assim ele ainda tocou meu ouvido. — Você pertence a um deus que não aceita ouvir um não, a um deus que odeia perder. Eu.

Ele se afastou e olhando em meus olhos, sorriu antes de sair.

Ele era tudo o que eu temia, não existia sequer uma chance de ele ter sensibilidade com a minha situação. Eu não poderia ficar parada esperando que ele sentisse pena de mim e me libertasse, eu tinha que dar um jeito de sair daquele lugar. As atrocidades que ele faria comigo vieram com tudo na minha mente para me torturar e eu só conseguia pensar que aquilo era o início de algo muito mais doloroso.

Me encolhi na cama e percebi que não tinha nada para quem eu pudesse rezar ou alguém que intercedesse por mim naquele lugar.

Eu estava sozinha.

Deitei-me e fechei os olhos inundando o travesseiro com lágrimas. 

Deus NegroOnde histórias criam vida. Descubra agora