Nathan
Quanto mais o nosso primeiro jogo oficial do ano com o Colégio Legado chegava, mais eu pensava em quando entrei para o time. Era o primeiro ano do ensino médio, o que significava que eu finalmente tinha idade o suficiente para jogar no time do colégio.
— Vocês vão entrar pro time? — perguntei pra Kenji e Hiro, um dia antes da volta às aulas, na casa deles. Os dois estavam sentados no chão brigando pelo controle remoto da TV, mas pararam para me olhar.
Kenji deu de ombros e olhou para o irmão.
— Você vai?
— Não sei. Mas você pode ir sozinho, Ken — reclamou. — Não precisa agir como se a gente fosse um pacote.
Não era exagero dizer que onde Hiro ia, Kenji ia atrás, da mesma forma que fazia comigo. Acho que esse era o tipo de pessoa que Kenji era: sempre se escondendo atrás de mim ou do irmão, e, embora eu e Hiro concordássemos que Kenji precisava ser mais independente, nenhum dos nós dois conseguia realmente dizer não para ele.
— Eu sei. — Kenji respondeu. — Você consegue passar um minuto sem reclamar? Foi só uma pergunta, idiota.
Hiro aproveitou que Ken se distraiu para roubar o controle da mão dele, e suspirou. Depois olhou para mim e respondeu a pergunta inicial, depois de reconsiderar:
— Vou. E você?
Segurei um sorriso, conhecendo Hiro o suficiente para saber que ele só estava entrando no time para não deixar o irmão sozinho.
— Eu tenho pensado nesse dia há anos já — confessei, abrindo um sorriso. — Nós três jogando juntos em outros colégios, em outras cidades. Ter uma torcida de verdade, não só nossos colegas de classe. O uniforme verde e branco.
O olhar de Kenji se iluminou, e ele concordou com a cabeça.
— Eu também. E você é ótimo, Nat. Tenho certeza que com você no time, vamos ganhar muitos jogos.
Segurei o sorriso e sentei do lado de Kenji no chão, o empurrando para o lado por pura implicância.
— Com um levantador que nem você, é impossível não marcar o ponto — respondi, e ele me olhou com um olhar que eu conhecia muito bem: o olhar de quem estava se segurando para não fazer algo que deixasse muito óbvio que éramos mais que amigos.
"Eu te amo" falou, apenas mexendo a boca. Eu virei o rosto, sentindo minhas bochechas arderem. Dois anos de namoro, e aquela adrenalina de estar junto dele nunca ia embora. Eu queria tanto contar para as pessoas.
Tentei esconder a onda de tristeza que passou por mim, e sabia que Kenji entendia exatamente o motivo. Havíamos conversado sobre isso diversas vezes. Eu estava pronto para me assumir, para assumir nosso namoro. Ele não estava. Tinha medo dos pais nos proibirem de estarmos juntos, das coisas mudarem com o irmão, dos meninos que implicavam com a gente na escola. E eu entendia, de verdade. Mas esconder aquilo me machucava. Eu sabia que não iríamos nos esconder para sempre, que eventualmente Kenji estaria pronto. Era difícil esperar. Mas Kenji valia a pena.
Ele encostou a cabeça no meu ombro, e eu olhei para o outro lado. Nós dois sabíamos que Hiro sabia, mesmo que nunca tivéssemos contado. Ele nos conhecia mais do que ninguém, e eu e Kenji não éramos bons em esconder. Mesmo assim, não falávamos a palavra "namorados" em voz alta. Não perto dos outros.
— No último dia de aula desse ano — ele falou, de repente, e eu entendi que era uma promessa. No último dia de aula desse ano, contaríamos para todo mundo.
— O que vai acontecer no último dia de aula? — Hiro perguntou, e Kenji sorriu.
— Você vai ter que esperar para saber.
E então entramos os três para o time, e Kenji se saiu mil vezes melhor do que eu e Hiro esperamos que ele iria se sair. Não me entenda mal, eu sempre soube que Kenji era incrível sem nem mesmo tentar ser, que ele, apesar da cara de mal humorado, carregava uma bondade inigualável dentro de si, que era absurdamente leal, que sempre sabia o que falar em momentos difíceis, que contava piadas em momentos inapropriados e gargalhava das coisas mais bobas. Eu sempre conheci esse lado dele. Mas, quando entramos para o Legado, foi quando Kenji começou a se mostrar para o mundo, quando começou a sair da sombra de Hiro. Eu sempre me pegava observando espantado quando ouvia Kenji rindo e brincando com os outros garotos do time, quando pediam ajuda a ele porque sabiam que ele tinha mais paciência que qualquer um dos outros jogadores, quando o treinador o elogiava por sempre incentivar o resto do time. Se acontecia uma briga - e, no início, sempre acontecia -, Kenji era quem se mantinha calmo e resolvia a situação. Aquele lado do Kenji costumava ser só meu, mas nada me deixava mais feliz do que ver ele se sentindo cada vez mais confortável em ser ele mesmo com as pessoas. Ele era amável, e eu amava que outras pessoas também soubessem. Eu queria que ele fosse amado tanto quanto eu o amava.
E nos jogos... era nos jogos que Kenji ganhava vida. Mesmo nos dias ruins, mesmo quando Kenji estava mal, ele renascia quando entrava em quadra. Eu olhava em seus olhos, no meio dos jogos, e estavam vivos, vivos, vivos. Quando eu achava que Kenji estava se perdendo- quando ele passava dias na cama, quando chorava sem motivo, quando eu não o via sorrir há dias, quando ele tinha aquela expressão vazia que fazia meu peito doer só de olhar- e eu não conseguia achar onde estava o Kenji que eu conhecia, era só entrar na quadra e lá estava ele. Meu Kenji.
Claro, eu era o atacante. Eu e Hiro marcamos a maioria dos pontos. Mas Kenji sempre estava lá, coordenando o time, ditando o ritmo das jogadas, tomando as decisões. E eu entendia que eu era um ótimo jogador, que quando o time foi crescendo, quando fomos ganhando jogo atrás de jogo, eu entendia minha importância. Eu sempre fui bom, mas eu era só isso. Bom. Talentoso. Kenji era o motivo pelo qual o time funcionava.
E, quando o capitão atual teve que se transferir de escola, só havia uma escolha óbvia de quem poderia ser o capitão do time. Nosso time começou a ficar relativamente conhecido entre as escolas. Me ofereceram diversas bolsas de estudo em colégios caros- e eu rejeitei. Amava o Legado. Queria jogar com eles para sempre. Queria jogar com Kenji e Hiro para sempre.
Na metade do ano, fomos classificados para o Campeonato Estudantil Estadual. Nós queríamos aquela taça mais do que tudo. Eu imaginei a cena diversas vezes, como eu iria me sentir se realmente ganhássemos.
Passamos pelas quartas de finais, mas nunca realmente chegamos às semifinais. Não porque perdemos um jogo, mas porque perdemos algo - alguém — muito mais importante que isso. Kenji se foi, e o time foi junto. Entramos em hiatus. Como iríamos jogar sem nosso capitão? Como eu ia jogar- ou fazer qualquer outra coisa- sem minha dupla? Sem o amor da minha vida, meu porto seguro?
No último dia de aula, foi o que ele me prometeu. No último dia de aula contaríamos a todos que estávamos juntos. Eu nunca, nem nos meus piores pesadelos, conseguiria imaginar que Kenji não chegaria a ver o último dia de aula. Kenji era quem nos mantinha unidos. Ele era quem me ajudava a segurar o peso do mundo. Sem ele, o time desabou. E eu desabei junto.
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Epifania
Romans[ROMANCE LGBT] Nathan era agressivo - ou pelo menos era isso que diziam. Sua impulsividade e seu tdah, que o tornavam um péssimo aluno, também o tornavam imbatível nas quadras- a ferocidade e a paixão quase obsessiva de Nathan era o que havia tornad...