Capítulo 4 - Luzinha brilhante

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No princípio era Deus. A primeira frase da história de origem de Eddie tem outro protagonista simplesmente porque este se trata do Criador de todas as coisas, de todos os seres. É impossível relatar o que aconteceu no tempo em que só havia Deus - Pai, Filho e Espírito. Sabemos apenas que essas três pessoas viviam um profundo relacionamento de amor, o qual nenhuma mente - angelical, humana ou demoníaca - é capaz de quantificar ou qualificar.

Por isso, a História de Origem já começa com um salto atemporal, de um ponto da eternidade para o outro, para o momento em que Deus fez as suas primeiras criações: os anjos, os quais eram chamados de filhos.

Como é possível descrever a história dos anjos? Há sempre o risco de falar, falar, e nada dizer, ou de buscar ideias concisas e faltar com a verdade. De toda forma, o mais correto é buscar na essência dos anjos a fim de entender como o segundo mais infame deles, Eddie, veio a existir no plano cósmico-espiritual.

"Luzinha brilhante" é uma forma bem desdenhosa de reduzir aquilo que era um acontecimento semelhante ao nascimento de uma estrela. Enquanto os corpos celestes, tão conhecidos dos humanos, se formam a partir de uma concentração pesada de gases e nebulosas, os anjos nasceram a partir de uma concentração densa de energia luminosa e espiritual.

Não existe uma imagem que pinte o quadro perfeito de como Deus criou os seus filhos celestiais. Talvez, não tenha sido muito diferente de como fizera os homens. Existem muitas obras terrenas, como a Criação de Adão, de Michelangelo, que ousam trazer uma imagem do momento da criação humana. A Bíblia, como sempre um livro muito enxuto e, logo, muito enfadonho, afirma que o Criador moldou o homem do pó da terra. Não à toa, a figura de um oleiro, criando os seus vasos em forma de humanos, é tão difundida.

Mas Deus não esculpiu somente o barro. Éons antes da humanidade povoar a Terra, o Criador esculpiu a própria luz. 

Obviamente, nenhum anjo, caído ou não (nem mesmo Lúcifer) tem a memória, com imagens claras, de seu próprio nascimento. No entanto, a sensação de existir, de ser trazido da mente de Deus para a realidade é algo poderoso demais, o que significa que todo anjo sente como foram os primeiros instantes de sua existência.

— No meu caso — revelou Eddie a um atento Belzebu — Eu sinto como se meu nascimento fosse uma espécie de morte. A primeira coisa de que me lembro era da sensação de que eu estava prestes a explodir. Eu não passava de uma bola de energia, como uma estrela distante. Eu nasci quente, borbulhando em mim mesmo, porém não havia dor...

E aquela bola de energia branca, que emanava todas as cores de um prisma, parecia prestes a riscar o céu com o peso e velocidade de um cometa, mas uma força a mantinha contida. Uma força que o fazia pensar em duas mãos grandes e calejadas, acostumadas a moldar estrelas como se fossem pequenas esculturas de barro.

— Pensar... Eu não sei quando comecei a "pensar", mas eu sei que nasci pensando. Eu ainda era uma bola de energia quando pensei no quanto eu amava aquela pessoa que me criava. Amor... Meu primeiro pensamento começou e terminou no amor que eu tinha pelo Pai.

— E você consegue descrever algo sobre esse "amor"?

— Não — respondeu Eddie de pronto — Nenhum de nós consegue, Beel, e você sabe disso. Eu não sinto mais amor. Não sinto há muito tempo... Mas eu ainda sei de onde vim antes de virar... isso aqui — O prisioneiro meneou na direção do próprio corpo — O Pai fez questão de imprimir o seu amor em nós desde o momento em que nos criou, quando ainda não tínhamos sequer um "corpo".

— E falando em corpo... — continuou o enciclopedista — Você consegue relatar como foi a experiência de abrir os olhos ou de sentir o toque das mãos pela primeira vez?

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