Capítulo 9 - Inglês de imitação

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Inferno - Tempos atuais

Eddie sempre odiou estar no Quartel General do Inferno. Ele odiava de tudo ali, a começar pelo formato, que era nada além de uma cadeia montanhosa gigantesca, construída simplesmente para ser uma paródia malévola do Monte Santo de Deus. O interior do monte, por sua vez, era ainda menos natural. Por meio das habilidades mágicas de uma das divisões de demônios construtores, um ambicioso projeto arquitetônico tomara forma. Por dentro do Quartel, havia centenas de salas, cômodos e câmaras cujas paredes eram lisas, assim como os pisos. Era como enfiar um prédio dentro do Everest. Alguns desses locais, como a Sala do Trono, eram pura ostentação. Outras se encontravam na lógica minimalista e prática. Mas o pior de tudo eram locais como a Divisão Jurídica, a Administrativa e a dos Enciclopedistas, que respiravam burocracia. Eram salas e mais salas pintadas na cor cinza, verdadeiros cubos estéreis onde demônios se debruçavam sobre suas mesas e máquinas de escrever.

Sabendo disso, Eddie passou correndo, literalmente, pelos corredores onde essas salas se encontravam. Ele não suportava aquele "tec-tec" insano e eterno. Sua intenção era fugir de toda a papelada, e de toda a mundana vida burocrática que certos demônios alienados levavam. Se Lúcifer realmente quisesse torturá-lo, o colocaria para fazer esse tipo de serviço clerical. ¹

Bloody clerical job... — o ex-príncipe murmurou para si mesmo, ao que entrava numa sala abarrotada de livros.

I agree — respondeu outro demônio, com o mesmo sotaque inglês mal acabado. ² O intruso simplesmente se esgueirou para o lado de Eddie e respirou cada palavra em seu pescoço, como se estivessem partilhando algum segredo.

Sem virar-se para o novo chegado, o condenado fechou os olhos por um segundo e respirou fundo, porém sem emitir som. Seus ombros, que ficaram tensos com a presença súbita, relaxaram. Só então ele se virou e ofereceu um sorrisão ao visitante.

— Archie! Há quanto tempo!

— Faz o quê? — o outro perguntou, de forma retórica — Dez anos? Para ser honesto, eu nunca contei os seus anos de prisão, meramente as vezes em que estivesse em sua cela para a gente brincar.

Quando Archie dizia "brincar", na verdade ele queria dizer "torturar". Ele era um demônio muito asqueroso, mas pelo menos tinha bom senso de humor. Exceto que o humor de Archie só melhorava genuinamente quando ele machucava alguém.

— Fui solto esses dias... — informou Eddie, sem largar sua expressão plena, inteiramente forçada — Como vão as coisas na legião?

— Está com saudade dos seus soldados, amigo? — Os olhos de Archie brilhavam de prazer.

— Estou só de conversa fiada — rebateu Eddie.

Cem anos de prisão, e o resto da eternidade como subordinado, para não dizer escravo, direto de Lúcifer eram apenas uma fração da pena cumprida pelo inglês. Um dia, ele foi um principado poderoso, que possuía quarenta legiões de demônios sob seu comando. Em valores brutos, era o equivalente a 240 mil soldados. Ora, sendo considerado um traidor da causa, condenado e prisioneiro, obviamente Eddie não poderia manter seu cargo, sua função, muito menos o seu poderio militar. Apesar desse ponto de vista totalmente razoável, a intenção verdadeira de Lúcifer era desmoralizar seu mais rebelde filho ao máximo.

Obviamente, essa sentença em particular criou um grande problema no Inferno. Afinal de contas, onde enfiar 240 mil demônios que perderam seu comandante de repente? A solução provisória foi debandar o regimento e realocar soldados para outros comandantes, sendo que os principais eram Astaroth, Leviatã e o próprio Archie.

— Você nunca quer papo comigo — o demônio se fingiu ofendido com a declaração de Eddie — Mas, eu entendo. Ultimamente, nossas conversas nunca acabam bem para você. Mas, para falar a verdade, eu ainda não fiz nada com seus antigos soldados. Entre cuidar da Prisão 79 e a minha própria legião original, você deve imaginar que sou um demônio muito ocupado.

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