Capítulo 7 - Entrevista com o Diabo

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Inferno - Tempos atuais

O berro de Eddie ainda ecoava pelas paredes quando Lúcifer ajeitou um novo disco no gramofone. Ao invés de Paganini, ele botou um jazz para tocar. A trilha sonora da entrevista seria gritos em harmonia com os acordes do piano, da bateria e do contrabaixo, mas Lúcifer resolveu que o jazz era uma música superior. Assim, ele estalou os dedos três vezes e, subitamente, os gritos cessaram no andar de baixo.

— Está com peninha do filho predileto, Lúcifer? — Belzebu foi rápido em provocar.

— Lógico que não — O Diabo falou com firmeza, sem chance para dúvidas — Acontece que faz muito tempo que não ouço boa música. Eu tenho todo o tempo do mundo para torturar aquele lá, mas agora eu só quero curtir o meu Louis e Duke... ¹

— Está aí uma coisa que é rara de ver você fazendo hoje em dia, meu caro: curtir. Um brinde a isso! — O erudito ergueu a caneca, que já estava cheia novamente.

Havia muita verdade no que Belzebu dizia. Há milênios de história humana e infernal que o líder do reino das trevas não relaxava. Aliás, dizer que ele estava relaxado naquele momento talvez fosse exagero. Mais raro ainda era vê-lo se divertindo com qualquer coisa, especialmente com a música, arte da qual costumava ser íntimo.

— Qual foi a última vez que você compôs?

— Isso é retórico, não é? — Indagou Lúcifer, cujos dedos da mão direita pareciam dançar no ritmo do jazz que abraçava aquele aposento — Eu aposto que você tem o registro da data, da hora e até mesmo do último instrumento que toquei. Não se faça de desentendido.

—Você me conhece muito bem!

Belzebu tirou da gaveta um livro e jogou-o na direção de Lúcifer, que o agarrou com facilidade.

— Vai me dizer que você tem mesmo esse registro na sua gaveta!

Abriu o livro e folheou rapidamente, logo vendo que não se tratava de nenhum registro, mas de uma lista de coisas a fazer para os próximos quatrocentos anos infernais.

— Engraçadinho.

Beel deu de ombros. Ele até tinha o registro da última ocasião em que ouviu o Diabo tocar um instrumento, mas não se lembrava onde havia enfiado o bendito arquivo. Isso era o de menos agora. Seu interesse estava nos registros de um passado muito mais distante. Após extrair de Eddie o máximo que podia sobre seu nascimento e começo da amizade com os outros anjos, era o momento de entrevistar Lúcifer a fim de descobrir a resposta por trás de uma questão que o sempre o intrigou:

Como tudo começou?

Lá no início da História de Origem, que agora ocupava respeitosas dez páginas em seu enorme livro mágico, a questão inicial era sobre como as coisas boas surgiram, como Deus fez tudo acontecer, como Dele partiu o que é conhecido hoje como Reino Espiritual, ou Regiões Celestes, e seus respectivos habitantes, a saber, os anjos em todas as categorias, funções e personalidades. Uma vez que essa questão estava vencida, uma nova, tão complexa quanto a anterior, surgia:

Como surgiu o mal?

Uma noção errada que muitos humanos possuem é igualar a pessoa do Diabo com a maldade em si. Ele é mal, obviamente, assim como todos os demônios que habitam o inferno ou perambulam na Terra até os dias de hoje. Mas ele não nasceu assim... Então, como alguém que não é assim, em sua essência, adota o mal de forma que dele passa a ser dono?

Como surgiu o mal no coração de Lúcifer?

Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que fostes criado, até que se achou iniquidade em ti — A voz de Lúcifer se tornava em veludo ao que ele citava o versículo bíblico de cor.

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