Capítulo Três

138 14 17
                                    


Bem-vinda ao inferno, querida


A escuridão me impede de entender onde estou e isso me deixa ainda mais aflita, há alguma coisa desconhecida que desconfio ser um cadáver, mas  não tenho coragem de verificar de novo.

Sentir a textura macia semelhante à pele humana me causou arrepios e uma ância que permanece.

Eu não ouço nada, não sei onde estou, se estou na floresta, se estou na casa de Gleice...oh, Gleice, ela está morta...

Meu Deus, a Gleice está morta, e seu corpo estava tão retorcido, parecia uma boneca de pano...
Meu estômago revira com o pensamento. Ela deve ter sofrido tanto, quem seria capaz de fazer...aquilo? Quem é tão doente e monstruoso a ponto de deixar alguém naquele estado?

Merda, será que posso ser a próxima? Não, isso não pode acontecer, eu não posso morrer assim, não quero ter o mesmo destino que ela.

Ouço passos pesados e abafados de uma bota, mas não consigo identificar de onde vem. Um arrepio se espalha pelo meu corpo, são passos brutos e parecem ser de alguém impaciente, ou com raiva.

Temendo ser o assassino de Gleice, eu me arrasto em direção à cama, mas a desorientação causada pela escuridão faz eu colidir com a testa na madeira com tanta força que eu vejo estelas, sem tempo para processar a dor, eu me escondo embaixo dela, tapando a boca com ambas as mãos, abafando o meu desespero e dor, silenciando minha respiração ofegante.

As lágrimas se juntam com o suor e a poeira gruda em meu rosto, sinto meu corpo quente, mas ao mesmo tempo sinto frio, uma corrente de ar de origem desconhecida bate em meu rosto e eu arrepio.

A minha cabeça lateja ainda mais, o golpe anterior já foi suficiente para me deixar apagada, agora eu possuo uma nova dor para me deixar desorientada.
É tão forte que me deixa enjoada.

A porta se abre com violência, meu corpo se encolhe instintivamente, o tremor do meu corpo é tão forte que tento contê-lo tensionando meus músculos.

As botas responsáveis pelos passos brutos estão paradas na porta, elas caminham até a coisa que realmente é um cadáver. Sinto meu estômago revirar e me concentro em não vomitar.

Engulo em seco, sentindo um nó na garganta doloroso. Eu sobressalto quando o corpo é chutado em minha direção. Mantenho o silêncio por muito pouco, lágrimas molham minhas mãos e eu tento respirar sem fazer ruído.

As botas vão até a lateral da cama, meu corpo inteiro fica travado, eu deixo de respirar e meu olhos se arregalam.

De repente uma mão surge debaixo da cama e agarra meu cabelo, um movimento tão súbito e brusco que eu grito assustada. Eu sou puxada para fora do meu esconderijo com brutalidade, meu couro cabeludo arde com a agressão.

Eu grito em desespero quando sou erguida do chão, tento alcançar o braço de quem me ergue, mas parece impossível.

É quando vejo o provável assassino de Gleice, e meu também.

Uma máscara branca de porcelana com um escrito "GOD" ridículo na testa. Olhos verdes hediondos é a única coisa visível do rosto dele.

Os olhos me analisam como se eu fosse carne no açougue, com interesse e crueldade.

Meu couro cabeludo queima quando flexiono meu braço direito, atingindo meu punho direito na máscara, com força suficiente para quebrá-la, mas ela apenas racha.

Porém foi o suficiente para que ele soltasse meu cabelo, caí no chão como um saco de estrume, mas fiquei de pé rápido, me esforço para ignorar o cadáver e corro porta afora.

É um corredor curto com algumas portas e uma escada descendo para a esquerda, por alguns milésimos de segundo decido se desço as escadas ou me escondo atrás de uma das portas.

A vantagem de descer pelas escadas é que posso sair pela porta da frente.
A desvantagem é que pode haver mais de um e eu posso encontrar com ele.

A vantagem de me esconder em um dos comodos é esperar ele passar, se eu tiver sorte o cômodo terá uma janela e eu sairei por ela.
A desvantagem é assim como a opção da porta, pode haver mais um, eu posso escolher o cômodo ocupado e ficar encurralada.

Decido pela mais fácil, ficar nessa casa me espreitando para tentar fugir soa como morte para mim, eu só quero fugir desse lugar.

Pulo de três em três degraus o mais rápido que eu posso, ignorando todo o desespero e terror de ouvir os passos ainda mais pesados e brutos que antes.

Diferente da pequena casa de Gleice, aqui a escada é no meio, para a direita há comodo com corredor, à esquerda também, mas bem na minha frente, uma porta velha e de aparência frágil.

Vê-la me lembra da porta da casa de Gleice e da dificuldade para abri-la, o pensamento é tão rápido que piso no último degrau correndo para a porta, ela quebrará com facilidade quando eu bater com meu ombro nela, a madeira está visivelmente frágil.

Meu ombro bate contra a porta de madeira e meu corpo se estatela no chão. Um dor intensa se espalha por todo meu braço, e pela queda, meu corpo inteiro.

A porta não se moveu um milímetro. Continua intacta. Mais do que eu.

Tento me levantar com pressa, segurando meu braço machucado, mas o assassino de botas me alcança antes que eu fique de pé.

Dessa vez ele não me segura pelo cabelo, mas pelos antebraços, sinto o osso do meu ombro ranger e eu protesto, mas isso não serve de impedimento para o soco que recebo no estômago.

Eu caio no chão encolhida, sinto todo o conteúdo estomacal subindo pela minha garganta, e então eu vomito.

Ouço um estalar de língua e com os olhos marejados pela eliminação involuntária do conteúdo do meu estômago eu olho para o meu agressor.

Ele está no mesmo lugar, os braços cruzados e me olhando como se eu fosse um cachorro sarnento. Eu recuo acuada ao lembrar que nessa distância um pé pode facilmente acertar o rosto.

— Espero que limpe essa nojeira. — sua voz é rude e grosseira, causa desconforto ouvi-la.

Eu abro a boca para falar, mas sua postura fica tensa, como se estivesse se preparando para me chutar.

— Eu disse que poderia falar? Cadela não fala. — ele sibila com o mesmo tom rude, eu seguro as lágrimas, o medo torna meu sangue frio de uma forma que eu tremo internamente. — Agora limpe. — ele ordena.

Eu fico olhando para ele esperando que me entregue um esfregão, ou diga que é brincadeira —mesmo que a forma que ele me olhe deixa claro que definitivamente está falando serio.

— O que está esperando? Limpa.

—Mas... — eu começo e paro, com medo de levar outro grito, mas isso não ocorre — n-não tem com o que limpar.

Minha voz soa frágil e nessa situação eu me sinto como um objeto descartável.

— Espero que saiba usar a língua. — sua voz deixa margem para duplo sentido, eu sinto meu estômago vazio se revirar.

Ele olha para o chão como um incentivo, mas eu permaneço imóvel, mal consigo respirar, até que ele se irrita.

Ele avança e eu tento recuar, mas ele me alcança e agarra os cabelos no topo da minha cabeça, esfrega meu rosto em meu vômito, como se eu fosse um esfregão.

Meu nariz dói com a agressividade e meu couro cabeludo também. Eu tento me afastar para respirar, mas isso o faz usar ainda mais força, quando tento me afastar uma última vez, ele bate minha cabeça contra o piso com força e então me solta.

Ele para antes de ir embora pelo corredor, eu não movo um músculo, as lágrimas que escorrem pelas minhas mochechas parecem queimar minha pele, o meu rosto e meu corpo doem, o demônio mascarado estala a língua como se eu fosse patética.

— Seja bem-vinda, Jessica.



Presa por Jeff The Killer Onde histórias criam vida. Descubra agora