Capítulo Cinco

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Muitos caminhos e um só fim

O vômito limpo com meu rosto me levou de volta ao passado por alguns segundos. De certa forma, eu sempre fui boa em ignorar esses acontecimentos, mesmo que eles fossem tão recorrentes quanto as nuvens no céu.

Mas aqui, agora, sentada nesse chão, com meu rosto sujo com lágrimas, suor, poeira e vômito, sinto isso tão próximo quanto o ar e tão sufocante quanto a ausência dele.

Sempre temi que a separação dos meus pais fosse voltar para mim de alguma forma, afinal, eu que causei o divórcio. A ruína da minha família está em minhas mãos e não há nada que tire essa culpa.

Dave disse que isso um dia voltaria, porque eu não devia ter me metido nos assuntos dos meus pais e o destino faz seu trabalho de devolver os atos ruins.

Escuto vozes vindas do corredor da direita, me coloco de pé tão rápido que meu corpo inteiro protesta, mas eu ignoro essa avalanche de dor e corro aos tropeços para o corredor da esquerda, meus passos leves como uma uma pena sem seus fios flutuantes.

Meu ombro lateja de dor de uma forma mais aguda que o resto do corpo, engulo a vontade de chorar e respiro fundo, as vozes me trazem de volta para a realidade.

- Espero que seja suficiente. - diz alguém com uma voz grossa, parece estar com raiva.

Eu congelo com a descoberta de um novo morador. As minhas chances de fugir agora parecem nulas.

- Vai ser, só não faça besteira. Nós estamos à beira de um precipício, não estrague as coisas. - outro rebate irritado, reconheço a voz imediatamente, sendo a do homem que me prendeu aqui.

A sua ira é tão diferente da que eu vi minutos atrás, é mais cruel e intencionalmente mortal, uma parte de mim teme ter que lidar com essa fúria em algum momento, outra parte deseja correr para bem longe, atravessar as paredes como um fantasma e voltar para casa.

- Qual foi, Liu? Tem medo de altura agora? - o homem da voz grossa ironiza com um sarcasmo suspeito. - Argh, que nojo, quem vomitou no meu chão?

- Quem você acha? - pergunta como se fosse óbvio. Um arrepio corre pela minha espinha, o outro sabe que estou aqui? Ele sabe e não se opõe a encarcerar alguém? Que espécie de maníaco eles são?

- Ah, como eu odeio isso. - ele grunhe como um animal, ouço o som de uma fechadura e fico atenta.

- Vou atrás dela para fazê-la limpar isso direito. - eu arrepio - E você seu filha da puta, juízo. - alerta antes da porta se fechar.

Eu percebo que estou prendendo a respiração, minha visão se torna nítida quando puxo o ar devagar, mas a minha cabeça lateja de forma mais intensa.

- Sei que esta aí. - a voz do mascarado soa entediada, eu paraliso, meus olhos ardem em resposta imediata. - Apareça, antes que eu te arraste pelos cabelos.

Eu vou em passos hesitantes para a sala de entrada, o mascarado está de costas para a escada, os braços cruzados como um maldito filha da puta.

Um silêncio mortal se instala, eu permaneço parada entre ele e o corredor da esquerda, não consigo controlar os tremores involuntários e muito menos as lágrimas.

Ele parece gostar do lugar estar nesse silêncio mortal, parece gostar de causar desconforto e medo.

- Me deixe ir, p-por favor. - quebro o silêncio, suplico aos prantos, sinto meu nariz entupir e não consigo mais respirar por ele - P-por favor... s-se você quer dinheiro para resgate, eu não tenho... e-eu... a-a minha família não tem nada...- meus soluços me impedem de falar com fluidez.

Eu só quero ir para casa, ver meus irmãos e tentar resolver o problema que causei tantos anos atrás, resolver a minha vida, eu fui tão egoísta que precisei ser sequestrada por um assassino e perder a Gleice para poder ver isso.

- Dinheiro? - ele ri - Por que eu iria querer dinheiro? - ele se vira para mim e seu olhar faz eu me sentir pequena, eu me encolho para que ele pare de me olhar, mas isso não acontece.

- N-não é o que todos os... s-sequestradores querem? - a palavra quase fica presa em minha garganta, saindo em um ruído estranho.

Os olhos dele se semicerram, e é uma visão tão grotesca, eu sinto como se estivesse na presença de um demônio, o medo que sinto, o terror que corre pelo meu corpo é tão horrível que minhas reações são incontroláveis.

As minhas pernas parecem fracas, minha respiração pareça tóxica, sinto que minha mera existência é ofensiva, ele não me quer aqui e não faz a mínima questão de esconder isso, então por que não me deixa ir?

- Acontece querido verme, que eu não sou um sequestrador. - ele segura a máscara e a coloca sobre a cabeça, me olhando no fundo dos olhos.

Ele é tão monstruoso quanto sua máscara e sua presença o faz parecer ser. O rosto é deformado por cicatrizes, a ponte do seu nariz é profunda, como se parte da cartilagem tivesse sido cortada e jamais se recuperou. A boca é torta e irregular de tantas cicatrizes, as bochechas profundas com cicatrizes aparentemente velhas.

Eu sou tomada pelo horror, ele parece ter saído de um filme de terror e parece gostar disso. Eu quero correr e sair por aquela porta, mas sei que não sairei daqui viva.

Ele sorri com a minha compreensão da sua ação, um sorriso distorcido e horrível.

- E-eu suplico... i-imploro! Por favor! - eu sussurro - N-não conto p-para a polícia! Você me deixa ir e nada aconteceu.

As minhas palavras são quase inaudíveis, o desespero se exterioriza em lágrimas, eu imploro de joelhos, deixando minha dignidade em prol da minha liberdade, da minha sobrevivência.

- Aproveite que já está no chão e limpe essa nojeira que você fez. - ele joga um pano de chão imundo no meu rosto.

Quando tiro o pano do rosto, ele não está mais aqui e eu estou em pedaços.

Me sinto incapaz de mover um único músculo, tudo parece em pedaços e eu estou em um limbo sem saber o que fazer.

Como cheguei nessa situação? Como isso ficou assim? Como eu vou me livrar dessa situação? Eu quero ir para casa...

Eu implorei por minha liberdade e ela foi negada, o que eu faço agora? Eu não sei se consigo fugir, eu não sou forte pra isso, eu vou morrer nesse lugar.

Se eu ficar, eu morro, se eu tentar fugir, serei pega e morrerei. Todos os caminhos disponíveis para mim terminam na mesma cova rasa.

Esfrego o chão enquanto minha realidade me esmaga em uma caixa claustrofóbica.

O que eu faço?

A minha família não irá me procurar, mamãe nem sabe quem eu sou mais,
Magie e Adam estão viajando com o papai e não nos vemos há quase um ano. Nenhum deles sentirá a minha falta, porque nunca fizeram questão de me terem por perto, o meu desaparecimento não será algo notável.

Se não vierem por mim, virão por Gleice, sua família irá buscar por ela... mas encontrarão quem menos queriam encontrar e quando perguntarem por ela, o que direi? Como direi que ela está morta?

A minha única esperança é Dave, ele é o único que sentirá minha falta e irá em busca da polícia...

Dave não desistirá de me procurar.





Presa por Jeff The Killer Onde histórias criam vida. Descubra agora