Capítulo 17: Colisão

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Quantos dias tinham se passado desde que os irmãos adepti ascenderam? A energia elemental que dá origem a todos os seres que vivem em Teyvat tomou a forma de duas fênix douradas, que riscaram o céu em tons de turquesa e carmesim, cruzando as nuvens até o ponto mais alto do firmamento, quase alcançando a lua e as estrelas. A imortalidade tão desejada por humanos, o tipo de existência que se pauta na negação da morte natural, mas não no infinito. Mesmo sendo um adeptus, estes são tão finitos quanto qualquer mortal, longevidade sim, mas podendo encontrar seu ponto final a qualquer momento de suas existências, tal qual um humano. Muitos dias foram investidos em estudo e treino, e o sábio que os nomeou, tio Zhongyuan, já tinha seguido seu ciclo há muito tempo, guardavam dele apenas o conhecimento e a filosofia em seus corações.

Sendo aspectos mais bravios da natureza Alatus Nemeseos, era naturalmente uma estrela da catástrofe, que atraia conflitos para si, como a luz atrai mariposas. Esse era seu carma, sua sina para uma existência inteira. Principalmente porque representavam uma natureza que era capaz de reagir e se defender, sempre foram mais fortes que outros adepti e os séculos de vida lhe trouxeram muito mais poder e responsabilidades.

Estavam à beira de serem reconhecidos como altos adepti e se juntarem aos outros deuses e entidades mais antigas fundadoras daquela nação. Muito embora a perspectiva fosse promissora, a realidade era amarga. Nenhum dos dois ansiava por aquilo, e, principalmente para Alatus, o convite tinha soado como um peso. Se fossem realmente dignos de tal honraria, teriam protegido mais diligentemente sua região de origem, e cuidados das pessoas que depositavam fé e oferendas em seus nomes.

Alguns dias após seu retorno do domínio do espírito vingativo, as vozes das orações não eram mais reconhecíveis, os pedidos tampouco eram os mesmos. Havia angústia, receio, incredulidade, raiva e muito rancor no coração das pessoas do baixo Bishui.

Alatus estava sentado junto à única mesa no centro da casa que usavam como abrigo. Com pincel e papel em mãos, o Adeptus podia ouvir os murmúrios de orações e ofertas sendo trazidos pelo vento, enquanto traçava sua escrita refinada sobre as folhas de papel, várias delas que se empilhavam ao lado da cerâmica contendo nanquim. Seu irmão adentrou o cômodo, em mãos dois pacotes grandes bem amarrados, que deixou ao lado da mesa antes de se aproximar e espiar por cima dos ombros do mais velho o que ele escrevia:

- Você acha que o Formatador de Montanhas vai ficar muito ofendido por mandarmos uma carta ao invés de irmos pessoalmente? - O ruivo encostou na mesa, encarando da folha de papel para o mais velho.

- Eu ficaria. - Alatus encarou o irmão com sua expressão neutra costumeira: - Mas dadas as circunstâncias, é o que temos tempo de preparar. Além de que, eu descrevi um resumo dos acontecimentos antigos e recentes, então ele não poderá alegar desconhecimento dos fatos.

- Em resumo, se não retornarmos em alguns dias, é responsabilidade dele vir averiguar pessoalmente este lugar. - O mais novo acenou positivamente.

Alatus organizou as várias folhas da carta, sobrepondo-os e os dobrando em pontos específicos até que a carta se tornasse um dobradura em forma de pássaro. O Imortal proferiu algumas palavras, e runas apareceram no ar, brilharam e foram gravadas no corpo de papel. Assim que a magia foi ativada, a mensagem bateu asas e alçou voo, deixando um fio turquesa no ar que logo desapareceu.

- Com isso, a mensagem vai passar as proteções do monte Hulao e chegar ao domínio dos Adepti ao anoitecer.

- Bom, podemos dizer que é menos um problema? - CiCi brincou, mas Alatus não esboçou qualquer reação em resposta: - Eu tenho algo que vai mudar esse seu humor miserável.

O ruivo puxou os pacotes que trouxera e os colocou em cima da mesa, um para cada, e indicou que o irmão abrisse o volume. O mais velho olhou do pacote para a expressão animada do mais novo e estreitou os olhos em resposta. Alguns segundos de silêncio e CiCi gesticulou, insistindo que o outro abrisse seu embrulho. O adeptus mais velho respirou fundo, soltando o ar pelas narinas vagarosamente, até direcionar as mãos e desfazer o nó do cordão, revelando uma caixa de madeira aparentemente lisa. Ao tatear em busca da abertura sentiu na ponta dos dedos glifos discretamente entalhados. Àquela altura, a caixa já tinha despertado a curiosidade de Alatus, que tinha toda a sua atenção no conteúdo da mesma.

Roupas. A primeira peça que Alatus retirou de dentro da caixa foi uma luva com manopla, havia cordões bordados, e um espaço vazio. O rapaz de cabelos turquesa usou da mão livre para tatear o vão, tentando entender sua função na roupa. Sua experimentação foi interrompida pelo riso contido de seu irmão mais novo. Alatus resmungou em resposta e estendeu a peça na direção do outro, como se cobrasse uma explicação.

- Primeiro você coloca na sua mão esquerda. - O ruivo fez as amarras e ajustou a peça ao corpo do irmão, em seguida puxou a visão que carregava presa ao cordão vermelho que cruzava seu torço, e posicionou a mesma no espaço vazio. O encaixe perfeito, como se tivesse sido encomendada. - Olhaí, sabia que ia dar certo.

- Quando foi que você teve tempo de encomendar roupas novas? E pra quê? - O adeptus moveu a mão e o braço, sentindo a energia emanada do objeto passear pelas roupas e alcançar sua pele.

- Enquanto você dormia eu trabalhei um bocado, mas algumas coisas demoram pra ficar prontas. As visões precisam ficar sempre com o seu usuário, e nossas roupas antigas não tinham espaço pra isso.

- Você mandou fazer roupas novas porque não queria ir na Assembleia dos Adepti com as nossas vestes comuns.

- Erh... - O silêncio se instaurou por alguns momentos e um sorriso desconcertado se formou na face do mais novo, que desviou o olhar para sua própria caixa. - Tem esse ponto também, mas vamos deixar os detalhes de lado. Me diga se ficou confortável.

Algumas camadas a mais de tecido do que usualmente vestiam, bordados de nuvens nas mangas longas, cordões grossos para a cintura, proteções para braços e pescoço, além de botas com detalhes bordados também. Os tons claros contrastavam com os fios coloridos, e apesar de ter mais tecido, eram vestes incrivelmente leves.

- Agradável. - O mais velho finalmente deu seu veredito sobre as vestimentas: - obrigado.

- Agora parecemos Adepti altamente respeitáveis. - O ruivo sorriu abertamente. Não parecia que estavam se preparando para mais uma batalha difícil, que não tinham certeza das possibilidades. Ou talvez, fosse justamente por saber que os próximos momentos seriam incrivelmente tensos que seu irmão buscou trazer um pouco de suavidade e equilíbrio.

Os irmão adepti acenderam incensos e meditaram até o sol cair sobre as colinas e o ar frio da noite pairar sobre eles.

Em um instante os dois imortais tinham percorrido toda a distância do baixo Bishui até o topo da colina fantasma, o penhasco íngreme cheio de rochas e pedras claras, algumas violetas florescendo após a chuva recente dos últimos dias. Observaram a cena longamente, embora a vista pudesse ser compreendida como bela, ambos podiam sentir o peso que o ambiente sustentava. Uma quantidade considerável de pessoas tinha chegado naquele mesmo local e dado um passo adiante para finalizar a própria existência. Esse tipo de ação deixava marcas que demoravam muito tempo para se diluir, e conforme os saltos colina abaixo aconteceram repetidas vezes, várias marcas se acumularam como cicatrizes na própria colina.

- Alatus, você tem medo de alguma coisa? - CiCi lançou a pergunta sem qualquer preparação, embora, dentro do contexto, fizesse sentido. Alatus ponderou por algum tempo em silêncio: surpresa, espanto, curiosidade, desencanto, sim, mas medo não era algo que já tivesse experimentado em sua essência.

- Não.

- Meu maior medo era não ver o fim desse período de guerras. E ter de lutar pra sempre até meu último dia.

A resposta completamente sincera e direta de seu irmão mais novo, pegou o jovem Adeptus desprevenido. Ele imaginava que CiCi não gostasse dos conflitos, mas não podia supor que isso tinha se tornado um medo profundo de sua alma.

- "Era" por quê? Não é mais?

- O vento já mudou de direção, Alatus, "o começo do fim". Talvez sejam as lutas mais difíceis que teremos a partir de agora, mas saber que estamos chegando no fim desse capítulo da história, me deixa tão ansioso pra saber como vai se depois. Que eu não consigo mais sentir medo do que estar por vir.

Toda a habilidade que Alatus não tinha em se expressar em palavras tinham ficado com seu irmão mais novo. Os dois imortais sabiam que a entidade que iriam enfrentar se alimentava de medo, falar sobre seus próprios temores abertamente era uma estratégia ousada, sim. Mas reassegurar as coisas nas quais acreditava também fazia parte da filosofia que seguiam.

O Bater das Asas DouradasOnde histórias criam vida. Descubra agora