Capítulo 5 - Lembranças

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Lembrou-se das vezes em que Cemal havia lhe dito para nunca se apaixonar por um homem turco, apesar dele mesmo haver nascido e ter sido criado em Turquia. Dizia que os turcos, homem ou mulher, trazem para o casamento o peso da tradição e a família vem junto com a união, opinando, decidindo, interferindo na vida do novo casal. E isto era a receita para a infelicidade.

Cemal se resguardava dizendo que não tinha familia, nem ascendente nem descendente, foi criado em um orfanato, era um cidadão do mundo, porisso ele era diferente. Amava com o coração, com a alma, sem vinculos com nada mais.

Ainda no caminho recordou que em toda sua vida de estudante fez "Terapia de banheiro". No intervalo, todos os dias, comia rapidamente seu lanche e ia para o banheiro, fica no ultimo box, com os pés encima do vaso e escutava as meninas conversando, rindo e muitas vezes chorando. Não podia participar porque não era aceita no grupo, não era turca, sempre a excluiam.

Frequentemente faziam confidências sobre os problemas familiares, falavam dos meninos, dos professores, sonhavam, liam revistas proibidas sobre amor, sobre sexo, Leilah ficava sempre escutando para aprender, sempre aprende alguma coisa.

Uma das meninas, um dia afirmou que suas regras haviam descido e não podia dizer nem pra sua mãe, seu pai estava aguardando ela florescer para fazer seu casamento com o dono do supermercado do bairro, um viuvo de 50  e ela só tinha 16 anos. Disse que se sentia como uma moeda de troca. O pai fazia dívidas que seriam saldadas com este casamento. Ainda dizia que a filha seria tratada como uma rainha, teria tudo que quizesse. Talvez isto aliviasse sua consciência, se é que tinha uma.

Os pais se sentiam no direito de arranjar casamentos para os filhos. Leilah soube mais tarde, que o tal casamento aconteceu, a menina engravidou e o marido  não a tratava bem, batia muito nela  e antes do parto acontecer ela morreu de hemorragia interna por maus tratos. 

Ainda no banheiro, outra menina mostrava os braços e pernas roxas por ter apanhado do seu pai e de seus irmãos. Não conseguia ver nada mas ouvia bem os relatos.

Uma delas, uma tarde disse que foi ao dentista da rua do cartório. O consultório era de um inglês e na sala de espera tinham revistas muito boas, explicavam sobre vários assuntos, inclusive algumas mostravam o corpo do homem, o corpo da mulher e explicava sobre o amadurecimento de ambos, sobre o amor fisico. Não era fácil conhecer esses assuntos, nem em casa, nem na escola. Decidiu pedir ao pai para ir ao dentista avaliar seus dentes. Feita a avaliação, descobriu dois reparos a serem feitos, chegava no consultório uma hora antes da consulta, lia tudo que encontrava, até que acabou o tratamento.

Perguntou a moça do balcão se poderia comprar uma daquelas revistas porque não havia terminado de ler. A moça disse que poderia pegar e levar pra casa quantas quizesse. Ela pegou três revistas e foi feliz da vida pra casa.

Veio lembrando tudo isto no caminho até seu apartamento, abriu a porta e jogou-se no sofá. Ali ficou sonhando com Tarik. Seu coração batia descompassado, lhe faltava o ar quando imaginava seus olhos,  nariz,  boca, tudo tão bem feito, que sorriso lindo. Como poderia estar apaixonada por um turco que só viu uma vez.



LEILAH e  TARIKOnde histórias criam vida. Descubra agora