27 de dezembro de 68,
Já estava decidido, o Brasil não era mais lugar para mim, pelo menos por enquanto. As malas estavam feitas, as passagens compradas e tudo resolvido, eu iria a um festival de música na França, o que é uma situação perfeita para se escapar de uma ditadura militar.
Um país violento como o país tropical atual não era lugar para um poeta como eu ou uma mulher grávida como Marieta. O nascimento já estava até marcado, seria em março do próximo ano, então tínhamos que nos apressar quanto a essa saída repentina.
Já estava tarde, eu e Marieta passamos o dia organizando tudo necessário para a viagem que seria no próximo mês. Estávamos muito cansados:
- É estranho né Chico? Ter que sair do nada, a gente não conhece nada, tem certeza que é o certo?
- A poeira está alta Marieta, Caetano me falou da última vez que nos vimos que ele já estava sendo ameaçado. Depois dele pode ser eu, quem sabe? Eu estou fazendo isso por você e pela Sílvia. - Ao falar o nome da nossa filha meus olhos se enchem de lágrimas, não quero ser descoberto morto em uma vala rasa como os que desafiaram os militares, quero ver minha menina crescer.
A atriz se vira, ela olha pensativa pela varanda da sala, depois de um longo minuto de silêncio ela olha para mim novamente:
- Eu sei Chico, é só que... Eu não sei se é a melhor opção agora, a gente pode esperar... -de seus olhos uma correnteza de lágrimas começa a surgir, soluçando ela fala- A minha família, a sua... Eu não quero deixar tudo para trás, sabe? É perigoso.
Não julgo a indecisão de Marieta, realmente é uma manobra arriscada a se tentar mas a esse ponto é preciso tentar de tudo. Em alguns dias ou meses os militares podem fechar as fronteiras ou me ameaçar bruscamente, e nessas situações eu seria completamente incapacitado de fazer qualquer coisa para impedir. Os olhos da mulher que antes procuravam sentido nos meus agora me evitam, sem olhar para trás ela entra no quarto.
Sento no sofá completamente abalado, não evito as lágrimas, pelo contrário as deixo correrem livremente pelo meu rosto. O choro é meu único confidente em momentos como esse. Chego a cogitar entrar no quarto e conversar com Marieta mas todo pensamento vira água quanto finalmente compreendido pela minha mente.
Olho em volta do cômodo me sentindo completamente sozinho, só queria ter as palavras doces de Marieta ou o abraço forte de Caetano para servir como consolo, mas agora só guardo comigo o seu vulto em vão. Tudo que eu penso se transforma em uma nuvem de poeira em minha volta.
Me deito e ponho meu braço sobre os meus olhos, numa falha intenção de tampar a luz da lua que adentra pela varanda. Luto contra o sono, em um estado de " prefiro sofrer acordado ou ter pesadelos dormindo?", Minha respiração fica serena.
Repentinamente o telefone toca, tento voltar aos meus sentidos, mesmo sendo na calada da noite alguma coisa me diz que é importante. Corro em direção ao telefone, tão rapidamente desastrado que chego a tropeçar no tapete estendido no chão, atendo :
- Alô? - falo fraquinho, ainda estou despertando.
- Chico... - uma voz fala pelo telefone com tom de choro, muito semelhante ao tom que Marieta usava comigo mais cedo- Levaram ele, os militares, levaram ele...- reconheço, era a voz de Bethânia.
- Bethânia? Levaram quem?- meus ouvidos se atentam e eu pressiono o telefone mais perto de mim.
- LEVARAM CAETANO - não reajo, por um minuto penso ser mentira mas a voz da baiana prova o contrário, o seu tom baixinho de choro se transforma em um grito desesperado ao pronunciar o nome do irmão.
-... Pra onde levaram ele Bethânia?- as lágrimas que foram mortas pelo sono agora brotavam nos cantos dos meus olhos, o desespero já tomava conta de parte de mim.
- ... - a morena fica em silêncio, do outro lado da linha só se escuta sua respiração pesada.
- Bethânia, você está me escutando? - escuto dessas vez os seus soluços desesperados- Bethânia eu estou indo aí, fica calma.
Coloco o telefone no gancho e corro em direção ao quarto, abro a porta violentamente indo rapidamente em direção ao guarda roupa, de lá tiro uma jaqueta, ao passar ao lado da cama sinto minha jaqueta ficar presa em algum lugar, era Marieta, ela segurava a vestimenta:
- Me solta eu tenho que ir...
- Pra onde Chico? Já tá tarde da noite- ela fala em um misto de tristeza e raiva.
- Pegaram Caetano, eu estou indo ver a situação, Bethânia está desesperada...
Ela imediatamente solta, mesmo no escuro do quarto era possível distinguir sua expressão, olhos bem abertos e atentos me olhando enquando eu saio ainda calçando os sapatos. Agarro as chaves do carro e saio em disparada pela porta. O elevador demoraria muito, então desço pelas escadas, alguns degraus depois e já me encontro no estacionamento, entro no Mustang e saio em alta velocidade pela rua.
O tempo é curto, e é impossível dizer o que realmente está acontecendo, dobro a primeira avenida. Na minha cabeça repito a frase que Bethânia disse no telefone: "levaram Caetano", o vento bate no meu rosto, a noite paulista nunca foi mais fria, dobro a segunda avenida. Nas ruas não consigo ver absolutamente ninguém, nem automóveis nem pessoas e percebo que não faço ideia de que horas são, dobro a terceira avenida. Ao final da rua eu consigo ver a casa, sinto muita vontade de fumar, já faz tempos que eu não fico tão nervoso quanto estou agora.
Estaciono o carro meio sem jeito, não tenho tempo para essas trivialidades, paro em frente a porta e bato, consigo escutar os passos de Bethânia do outro lado, e em menos de um segundo a porta se abre me proporcionando a visão da baiana ainda chorando com um grande machucado no braço, antes que eu possa falar alguma coisa ela me abraça:
- Eles levaram Chico... Eu não sei pra onde. - a cada pedacinho da frase ela soluça mais forte.
- Ei, olha pra mim, a gente vai entrar e você vai me explicar tudo que aconteceu ta bom?- a morena olha pra mim e concorda silenciosamente com a cabeça.
Entramos na casa, logo de cara vejo a cena que eu temia, tudo estava revirado. A minha frente vejo prateleiras de livros e ninharias inteiramente jogadas no chão, a mulher para em minha frente e ainda com voz de choro ela se põe a explicar:
- Estávamos eu, Caetano e Gil bem aqui - ela aponta para o sofá meio torto no meio da sala- A polícia bateu na porta e eu atendi, não sabia do que se tratava mas um arrepio correu em mim. Eles me empurraram e foram atrás dos meninos na sala, - ela então me mostra seu braço, era uma ferida bem grande mas não sangrava- eu tentei impedir, não queria que levassem... Mas não teve jeito, foi uma bagunça e levaram do mesmo jeito...
A baiana já se encontra pronta para chorar novamente, eu fico sem saber o que fazer, não consigo pensar em mais nada a não ser a abraçar. Meio sem jeito a envolvo em meus braços bem firmemente:
- Eu não sei como te ajudar Bethânia... mas eu juro que eles vão ficar bem, Caetano e Gil são fortes, eles aguentam.
- O que eu faço Chico? - eu a solto e a encaro.
- Volte para a Bahia, conte a seus pais e tente descobrir aonde eles vão ficar...
Não tinha o que fazer, era impossível discutir com os militares. O que nos restava era assistir o jornal diário e rezar.
Nota do autor:
Eai pessoal! Gostaria de dizer que esse capítulo foi proporcionado pelo Corinthians! Fiz uma promessa para minha co-autora de que se o Corinthians ( meu time de coração) ganhasse eu postaria 2 capítulos hoje! Essa grande depressão que eu nomeei de " Acorda amor" é o primeiro. Não sei se vai dar certo mas farei o possível e o impossível para postar esse capítulo até 00:00.
É isso boa noite para todos e VAI CORINTHIANS!!!
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A gente vai levando
FanfictionChico,um jovem cantor, acaba por ordem do destino ou culpa de Nara conhecendo Caetano, recém chegado da Bahia para acompanhar sua irmã, Betânia, convidada pela própria Nara para substituí-la no espetáculo "Opinião",grande sucesso no Rio de janeiro d...