Carta a Tom 74

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11 de abril de 69,

Fui ameaçado pelas autoridades injustas e incompetentes, mas, fingimos que não vimos isso, todos são homens decentes e disciplinados.

Fiquei com medo, angustiado e confuso. Por conta própria, sai do nosso país tropical, abençoado por satã. A prisão de Caetano com certeza influenciou minha decisão, ver um amigo tão próximo ser preso tão repentinamente me abalou. Gostaria muito de retornar ao Brasil porém, a poeira nunca abaixa.

Nesse período de tempo tenho mantido contato com alguns de meus amigos que acabaram por ficar no Brasil, entre eles a principal era Bethânia, ela costumava me escrever cartas bem longas falando da Bahia, dos novos atos institucionais e principalmente de Caetano.

Pelo que eu li em sua última carta, o baiano se encontrava em uma prisão de Salvador e segundo os militares ele em breve seria exilado na Europa junto ao seu companheiro, Gil. Não nego que fiquei aliviado, o fato dele estar em outro continente longe de todo aquele caos me tranquilizava, tinha medo de em um dia qualquer receber uma carta dizendo que um dos baianos foi executado a sangue frio, tanto medo que as vezes me via incapaz de fechar meus olhos a noite, sempre via aquelas horrendas imagens se concretizarem em minha mente.

Era uma típica tarde de domingo francesa, o sol raiava em um tom alegre no topo do céu. Eu estava sentando na varanda do apartamento, com um cigarro na mão e um copo de café na outra. Da sacada eu podia ver as flores que brotavam nos jardins do prédio, em sua maioria eram amores-perfeitos, também via claramente Marieta passear de lá para cá, o médico pediu para que ela repousasse por conta de sua gestação, mas ela estava muita ansiosa.

Me levanto vagarosamente, e caminho até a caixa de correios que ficava embutida na porta, sem muita esperança eu a abro, e para minha surpresa vejo um pequeno pacote. Não sabendo o que esperar eu o viro e novamente me surpreendo, no verso do pacote não muito grande era possível ler " Caetano Emanuel Viana Teles Veloso".

Fiquei imóvel, olhei ao redor do cômodo e rapidamente peguei a encomenda, corro com ela até a varanda e lá me ponho a abrir. Dentro da caixa vejo duas coisas, um saquinho de veludo vermelho sangue e um envelope da mesma cor. Começo cuidadosamente abrindo o envelope que é fechado por um pedaço de fita, dentro dele me deparo com uma carta rabiscada com caligrafia bagunçada:

" LONDRES, INGLATERRA
01/04/1969 16:23
DE: CAETANO VELOSO
PARA: FRANCISCO BUARQUE

Querido Chico,
Escrevo essa carta no dia primeiro de abril por não acreditar que isso é real. Quando sai da prisão só pensava em tu, Bethânia tinha me contado que você estava ficando na França esperando as coisas se acalmarem, e eu logo quis lhe mandar uma carta em busca de consolo e de uma palavra amiga. Primeiramente, como estás? Eu e Gil ainda estamos muito aflitos sabe? Pelo menos não saímos daquela prisão com um tiro no peito, como tanto tememos naquelas noites na solitária.

Caso esteja preocupado comigo, eu estou bem, bem triste, bem amargurado, mas, em geral estou bem. Não sei se gosto tanto de Londres assim, tem muita coisa pra conhecer e passear por aí mas, a todo instante parece que um policial me aponta uma arma ( coisa da minha cabeça). Saibas que sinto muita falta de tu, de Gal e de tantos outros amigos que tenho Brasil a fora.

Por favor me escreva Chico, os correios andam horríveis recentemente mas meu coração esperará sua resposta amargurado.

Com muito amor e preocupação,
Caetano V.

P.s: Enquanto andava por aí vi isso e acabei me lembrando de você, espero que goste do presente. "

Meu coração pulsa forte, me sinto abraçado pelas palavras do Baiano, meu coração antes atordoado se encontra mais calmo, leio as carta mais de uma vez, e toda vez parece a primeira. Finalmente volto minha atenção para a bolsinha de veludo vermelho bem no cantinho da caixa, eu a coloco na palma de minha mão com cautela a abro. Dentro dela vejo uma palheta de violão, ela é colorida por um azul bem forte e, ao olha-la atentamente posso ver o meu nome gravado em dourado em uma das superfícies.

Guardo a carta e a palheta dentro da caixa de novo, meu rosto agora é iluminado por um sorriso amarelo, tudo isso por culpa do baiano. Vou em busca de um papel e uma caneta em meio ao apartamento meio bagunçado e sem muita demora eu os acho. Começo a pensar como eu responderia a carta, a brisa do verão parisiense bate no meu rosto, pouso o meu cigarro no cinzeiro e começo a escrever:

" PARIS, FRANÇA
11/04/1969 15:18
DE: FRANCISCO BUARQUE
PARA: CAETANO VELOSO

Caetano,
Tenho que afirmar que sua carta me pegou desprevenido. Sua irmã tem mantido contato comigo, ela sempre me escreve sobre como as coisas estão por lá e sempre acaba falando muito de você... Estava muito preocupado contigo.

Quando você foi preso Bethânia me ligou chorando no meio da noite, tentei consola-la em vão, durante esses meses fiquei desiludido, a cada carta recebida era um novo medo. Tenho que confessar que sinto muito sua falta, meu consolo tem sido me recordar das nossas bebedeiras com Jobim e das conversas bobas que tínhamos nos festivais, nem aparece que já faz tanto tempo.

Não me acostumei com Paris, é uma cidade deveras estranha, mas, tem uma coisa que admiro nos franceses: O amor pela arte. Em cada avenida vejo um museu diferente, as vezes desejo esquecer de tudo que acontece no Brasil só para poder aproveitar a França devidamente. Eu me encontro meio melancólico mas isso são os efeitos da saudade de casa, enquanto Marieta está bem ansiosa, mal posso acreditar que no próximo mês eu serei pai.

Eu acho que você adoraria Paris, essa cidade é a sua cara.

Do seu querido amigo,
Chico B.

P.s: Adorei o presente, Caetano! Na próxima vez lhe mando um, também tenho que avisar que em breve mudarei de endereço, me mudarei para a Itália e lá permanecerei até que possa voltar para o Brasil, acredito eu, no verso dessa carta anotei o novo endereço."

Algo dentro de mim dizia que aquelas cartas mudariam tudo, mas era tudo uma questão de tempo.



Nota do autor:

EAI PESSOAL!!! Primeiramente boa noite, seguramente eu irei me desculpando, esse capítulo era pra ser postado ontem porém infelizmente não terminei a tempo.

É isso, até mais!










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