Já se passavam das seis horas e não havia ninguém em casa, o sol se punha lentamente e o céu se tornava cada vez menos laranja, dando espaço para o tom místico de crepúsculo, que sempre me pareceu uma pedra azul furta cor.
Meus pais e meu irmão não voltariam hoje, muito claramente. Papai ficaria em uma das suas boates favoritas, mamãe ficaria em sua estufa e floricultura na entrada da cidade e Ethan estaria no loft do seu namorado super rico, provavelmente fazendo coisas das quais eu não queria saber. Nada novo por aqui.
Meu celular acende e eu sei que o grupo da escola estava explodindo. Uma merda com a qual eu não estava com cabeça para lidar com. Não agora.
Meu quarto ficava no sótão desde que eu fiz dezesseis, no ano passado, por que eu deveria parar de pular a janela para me encontrar com meus amigos - não que fizesse muita diferença, já que eu estava sempre sozinha e poderia usar a porta da frente - mas de qualquer jeito, eu não estava reclamando. Havia uma única janela enorme em forma de círculo que se abria para dentro e quando aberta, ocupava a maior parte do espaço, como a vidraça de um enorme relógio - Ethan insistiu para colocar uma grade, mas eu estava muito feliz com a abertura de queda livre da minha parede para isso - havia a minha cama bem do lado oposto de abertura da janela e o resto do quarto era uma mistura de tapetes felpudos, uma namoradeira, uma rede de linho azul indiana e uma penteadeira entupida por máquinas de cabelo, maquiagem e lições de casa; sem contar o quadro de avisos que cobria a parede direita e o pisca pisca que fazia um dossel para a minha cama.
No batente daquela roda de vidro, eu sempre colocava arranjos de lírios tigre ou flores de baunilha, que vinham da floricultura da minha mãe e me deixavam feliz.
Era o meu lugar e cada canto daquela bagunça - mesmo o guarda roupa branco ornamentado em coral que eu esqueci de mencionar e as cortinas do mesmo azul da rede que cobriam a janela quando eu queria privacidade - podia provar que eu morava ali.
Mas mesmo assim, haviam momentos em que a luz da lua não refletiam o suficiente e não traziam toda paz de espírito que eu tanto precisava naquele momento, e quando isso acontecia, era preciso fazer alguma coisa sobre isso. Mesmo que se estivesse sozinha.
Por isso eu desci as escadas para o corredor do segundo andar e desci novamente outras escadas para a sala, indo para a cozinha e começando a esquentar o leite tirado de dentro da geladeira. A porta dos fundos da minha casa levava a um pequeno bosque, uma preliminar para o amontoado de árvores que descia o enorme relevo que levava até a praia, mas mesmo isso era o suficiente para que quase todos os vizinhos erguessem um muro de três metros separando suas casas daquela parte. E eu completamente entendia, porque com um sanatório perto da cidade e com todas aquelas árvores prepotentes e suntuosas, eu mesma me sentia muito estranha ao ver aquela paisagem pela janela da minha cozinha durante a noite.
Me disperso dos pensamentos quando o leite começa a ferver, eu adiciono um pouco de achocolatado e canela, mexendo um pouco mais no bule antes de me afastar para pegar uma xícara bem grande e generosa, que eu havia ganhado de aniversário. Era de louça branco-marfim e tinha desenhos de corações e de flamingos nos tons de rosa e dourado na borda; o meu pequeno tesouro embrulhado em plástico bolha quando eu fiz treze anos. Era a minha louça favorita, em toda a casa na verdade, com o segundo lugar para copos pequenos. Eu realmente tinha uma fixação bizarra por taças finas e copos pequenos.
Fecho o armário e me viro para colocar a minha preciosidade na pia e volto a me aproximar do fogão, quando percebo que o líquido está frio. Me abaixo um pouco e verifico que o fogo está apagado, embora o ferro ainda estivesse quente, como se eu tivesse acabado de desligá-lo.
Estranho.
Volto a acender o fogo e espero novamente que ele esquentasse o meu leite antes de desligar as chamas e despejar na xícara, os olhos sempre no fogão como se ele pudesse reacender por conta própria e queimar a casa inteira de uma hora para a outra. Bufo suavemente desconsiderando a ideia depois de alguns longos minutos; a janela estava aberta e por isso, o fogo deve ter apagado.
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𝘛𝘩𝘦 𝘚𝘦𝘤𝘳𝘦𝘵𝘴 𝘈𝘣𝘰𝘶𝘵 𝘜𝘴
ParanormalEm uma cidade muito pequena vive Beatrice Campbell, alguém normal, com uma vida normal, amigos normais, família normal e que estuda em uma escola normal. Mas quando uma de suas melhores amigas aparece morta, e todos os outros começam a revelar novos...