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- Doutor Vitório, a nova funcionária chegou. - o porteiro avisou pelo interfone.

- Obrigado! - falei e desliguei.

Enquanto espero minha nova funcionária chegar, organizo na pia a louça que usei para o café da manhã. Graças a Deus não teria que as lavar desta vez, cuidar de casa não era o meu forte. E então a campainha tocou.

Prontamente abri a porta com um largo sorriso de alegria e contentamento. Até que o choque da decepção tomou conta de mim.

Eu tinha uma vida bem regrada apesar de ser um convicto mulherengo. E para manter essa fama sem atrapalhar minha vida pessoal precisei estabelecer algumas regras:

1- Nunca saía com a mesma mulher por mais de duas vezes. Acredite, elas se iludem e começam a pensar que são especiais. Que vão conseguir me mudar, me domar.
2- Nunca as levava para casa. Gosto de pensar que meu lar é um lugar seguro. Onde eu posso ser eu mesmo, um lugar imune a mulheres, embora eu não seja. Gosto de pensar também que meu lar é um lugar sagrado. Livre de qualquer pecamidade.
3- Essa é a mais importante regra de todas. Todas as funcionárias que trabalhassem no meu lugar sagrado deveriam ser... Velhas. Isso mesmo. Pois só havia um grupo de mulheres as quais eu nunca levaria para a cama por questão de honra. As senhorinhas.

No entanto, vejo parada diante de mim uma criança. Sim, a funcionária em questão parecia sim ser maior de idade caso contrário a agência nem a teria enviado até mim, mas, o rosto era de uma criança. Certamente se muito ela tivesse seria uns 18 anos, no máximo. A funcionária era um pouco mais baixa que eu, cabelos preso num coque alto, roupas modesta, olhar sereno. E carregava consigo uma pequena mala. Outro quesito, sempre pedi para minhas funcionárias dormirem no serviço.

- Bom dia. - ela disse quebrando o estranho silêncio que ali se fez.

- Ah! Desculpa. Bom dia! - falei visivelmente constrangido.

- Me chamo Dafne. A agência me mandou.

- Ah, claro. Bom, entre! - falei lhe dando passagem para que conseguisse passar por mim.

Ela entrou e eu fechei a porta.

O que eu poderia fazer? Indaguei a mim mesmo. Eu estava precisando de uma funcionária urgente depois que dona Piedade decidiu que já era hora de parar de trabalhar. Não a julgo. A mulher tinha mais de setenta anos, já era hora mesmo. Mas, a presença dela ali em meu lugar sagrado ia contra minhas regras de sobrevivência. Mas a mulher havia chegado ali de mala e cuia.

- Quantos anos você tem? - foi a primeira coisa que perguntei.

- 20. - ela disse.

Ok. Aquilo me surpreendeu. Um pouco mais do que eu havia pensado e bem menos do que eu esperava.

- Bom, estou quase atrasado. Tenho uma reunião agora de manhã. Se incomoda em se instalar sozinha?

- Não. Tudo bem. - ela disse exibindo um leve sorriso.

- Ótimo. Seu quarto fica naquele corredor. - apontei em direção da cozinha. Havia um quarto pequeno nos fundos ao lado da lavanderia.

Ela fez que sim com a cabeça.

- Hoje não volto para o almoço. Seu turno começa às 7 e vai até às 17. No balcão do armário tem um caderno pequeno, ali está anotado o telefone do meu escritório caso aconteça alguma emergência. E também os pratos que gosto de comer. Qualquer coisa ligue para meu escritório e fale com minha secretária, Carol.

- Está bem.

A observei por mais alguns instantes e decidi que era hora de ir. Certamente eu já estava fazendo papel de bobo a encarando igual um... Bobo.

- Bom dia doutor Vitório. - Carol disse assim que me viu sair do elevador.

- Só se for para você. - resmunguei.

Ela me seguiu.

- O que aconteceu? - perguntou parecendo preocupada.

- Sabe quantos anos a funcionária que você pediu para a agência me mandar tem?! - perguntei enquanto caminhamos até minha sala.

- Sim, eu sei! - ela respondeu para minha surpresa.

Parei. A encarei e voltei a andar.

- Me desculpe doutor Vitório, mas, me disseram que funcionárias mais velhas como o senhor exigiu está em falta na agência. Na verdade, todas as funcionárias que eles tem estão trabalhando. O senhor sabe que tivemos que esperar por mais de um mês até que eles mandaram essa. Foi a única que apareceu procurando emprego no momento. Se não for ela, o senhor terá que esperar mais, e sinceramente não sei por mais quanto tempo!

Minha insatisfação é manifestada através de uma respiração pesada e cansada.

- A reunião nem começou ainda e você já está com essa cara feia. - Murilo, meu sócio disse ao entrar em nossa sala.

- A agência me mandou uma criança. - falei ao colocar minha pasta sob a mesa e sentar na cadeira por trás dela.

- Uma criança? Impossível. Isso é contra a lei. - Murilo brincou.

- A garota tem 20 com cara de 15. - contestei.

- E você aceitou? Isso não vai contra seus próprios princípios?

- Não tenho escolha. Ou é ela ou ninguém. Carol, entre em contato com a agência e diga que ficarei com a garota até encontrarem uma que tenha a faixa etária que preciso.

- Está bem! - Carol disse e em seguida saiu.

Fadigado, fecho meus olhos e pressiono meus dedos sob eles os massageando. O dia nem havia começado direito para mim e eu já me sentia exausto.

- A vida é uma caixinha de surpresas, amigo. Nem tudo saí como a gente espera. Você sabe disso! - Murilo disse me observando sentado em sua cadeira.

- Não espero nada de bom da vida. Só espero que ela me deixe em paz.

- Não deve ser tão ruim assim ter uma novinha como funcionária dentro de casa. Na verdade eu iria adorar ter carne fresca no pedaço, nem precisaria sair de casa! - ele disse exibindo um sorriso arteiro.

- E correr o risco de ser processado por assédio sexual?

- Não leve as coisas tão a sério!

- Dentro da minha casa só preciso de uma pessoa que a limpe, faça minha comida e passe minha roupa.

- Então se case.

O fuzilei com os olhos.

- Primeiro, nunca irei me casar. Segundo, mulher pra mim só serve para me satisfazer e eu a ela, e não faço isso dentro da minha casa.

- Vitório, irei lhe dar um conselho. Deixe de drama, deixe a moça trabalhar em paz. Continue com sua vida de mulherengo comendo as mulheres onde você quiser comer. E continue um demolidor nos tribunais. Precisamos arrancar um bom dinheiro no divórcio do senador.

- Falando nisso, está quase na hora da reunião com com a quase ex-esposa dele.

- É isso. Foco nos negócios meu caro!

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