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|| Vitória Nascimento ||

📍Rio de Janeiro, Rocinha, Sexta-feira, 16:00.

AMIZADE não é estar sempre ao seu lado.
É estar na hora certa com você.
É ter uma morada vip no seu coração.
Morar do lado de dentro e estar presente sem precisar de agrados e cobranças.
Amigo de verdade respeita o seu espaço.
Em silêncio ora e cuida de você, mesmo de longe.
Te protege, acalma e te faz sorrir. Quando tudo é treva em sua vida, traz a luz do alto para iluminar o seu caminho e para que nunca você se perca em estradas erradas.

Não consigo tirar o sorriso que rasga meu rosto desde o momento em que meu melhor amigo me encarou com os olhos marejados e contou que o chefe dele deu tamanha responsabilidade pro mesmo.

Desde que eu conheço o Augusto, ele batalha pra subir na hierarquia do crime, não estou dizendo que seja um orgulho ele ser bandido, mas as circunstâncias da vida levaram ele a escolher essa "profissão", e o meu dever é sempre apoias suas decisões, e torcer pela sua felicidade.

O maluco simplesmente saiu daqui mais cedo, dizendo aos quatro ventos que a noite vai levar eu e a Ayla pra pizzaria aqui no morro, comemorar a "promoção". E eu que não vou negar, comida de graça a gente só aceita.

Olho no meu relógio que já tá dando o horário de buscar meu pedaço de gente na escola, me despeço da minha assistente, dando a ordem dela fechar o salão hoje e deixar as chaves com o vapor que fica de olho nos estabelecimentos a noite.

O morro progrediu bastante com a gestão do tal do russo, mas estagnou quando a medusa assumiu, sei que o chefão tem conhecimento de tudo mesmo lá dentro, mas se ele soubesse como a coisa anda parada por aqui, com certeza o rumo da conversa seria outro.

Me escoro no portão grande em frente a pequena escola aqui do morro, e observo as crianças animadas contando seus dias para seus pais, vejo meu pinguinho vindo cabisbaixa para perto de mim e já fico em alerta, já que normalmente a ayla é toda elétrica.

Ela evita me olhar nos olhos quando quer me esconder algo, e nem percebe que já conheço todas essas manias, por mínimas que sejam. Quando seus olhinhos marejados encaram os meus sinto meu peito apertar, minha formiguinha não é de chorar atoa, então o que quer que seja, foi mais sério do que eu imaginava.

Me abaixo puxando ela pra um abraço, e a mesma começa a chorar alto, soluçando enquanto seus bracinhos rodeiam meu pescoço, e ela escora o rosto no meu ombro. Engulo o nó enorme que se forma na minha garganta, juntando coragem do fundo do meu coração pra perguntar o porque de todo seu desespero.

- Vitória: o que aconteceu pretinha? Conta pra mamãe quem te fez mal - sussurro enquanto passo minha mão de leve pelas suas costas na tentativa de lhe acalmar.

Ela solta um suspiro longo de encolhendo ainda mais em meu aperto, e murmura baixinho me fazendo resmungar um "não entendi", mas eu preferia não ter entendido mesmo.

- Ayla: a prof nova me chamou de macaca mamãe, disse que eu não sou bonita igual minhas coleguinhas por causa da cor da minha pele - ela engasga no próprio choro e sinto minha visão ficar turva enquanto eu tento digerir as palavras que acabaram de sair pela sua boca.

Fecho os olhos controlando todos os meus instintos, sentindo a raiva tomar conta de cada célula do meu corpo, afinal, minha pequena é tão inocente e pura pra já ter palavras tão duras e maldosas em cima dela. Pego minha princesa no colo com um braço, e jogo sua mochilinha no meu ombro contrário. Entro na escola em seguida sem escutar ninguém ao meu redor, e vou até a sala da direção, entro de forma brusca sem querer conversa e a diretora me olha confusa.

Marginal AladoOnde histórias criam vida. Descubra agora