|| Ronam Carvalho ||
📍Rio de Janeiro, Bangú, Sábado, 10:00
Os raios de sol não são nada perto da luz que você projeta na minha alma e no meu caminho.
Respiro fundo sem acreditar que esse dia chegou e meus olhos enchem d'água no automático, em lembrar tudo que passei nesse lugar infernal.
Vamos começar pelo fato que hoje é aniversário da minha pretinha, mandei uma cesta de café da manhã super recheada pra ela, com todas as bobagens que ela ama, um buquê de rosas e um presentinho que ela tinha me pedido.
Meu advogado veio me avisar que conseguiu minha liberação pra ainda agora de manhã, e tive que descartar o celular que carregava comigo, então zero contato com todos. Meu plano tá todo montado.
Combinei com o tatu de chegar na encolha, sem nem mesmo o Augusto saber, vou direto pra minha casa tomar um banho bem tomado, deixar meu cabelo e barba na régua, e ficar na estica pra ver as três pessoas que se tornaram tanto pra mim.
Nesses meses desde que entraram na minha vida, tenho sonhado acordado com o momento que colocar meus olhos neles três pessoalmente, um nervosismo percorre todo meu corpo em imaginar que hoje essa ansiedade acaba.
Me despeço dos moleques da cela, já sentindo saudade por incrível que pareça, esses três foram essenciais pra eu não enlouquecer aqui dentro.
Ando pela última vez naqueles corredores mal iluminados, e quando chego na parte exterior, suspiro sentindo os raios de sol queimando na minha pele. Passo pelo portão principal e caio de joelhos no chão, chorando toda angústia que guardei todos esses anos preso aqui.
Coloco pra fora toda dor do abandono, toda dor que guardei por anos, pra chegar renovado, quero recomeçar minha vida pessoal, sem esse peso nas costas o tempo inteiro, quero criar uma família, quero aproveitar de verdade, sem viver no automático.
Suspiro sentindo enfim a paz da liberdade, e levanto caminhando em direção ao carro blindado que me espera na frente do presídio, e sorrio ao ver o tatu ali, moleque tem se mostrado super leal nesses meses, cuidando das minhas pretas principalmente.
Faço um toque com ele que me abraça emocionado, moleque entrou uns três anos depois que eu, querendo ou não, viu todo meu corre, até quando cai.
- Tatu: qual é chefe, maior satisfação te ver livre de novo - ele diz suspirando e dou um sorriso de canto em ver ele emocionado - patroa nem imagina - dou risada pelo apelido que ela odeia.
- Russo: já chamou o moleque pra cortar meu cabelo? - pergunto entrando no carro enquanto respiro calmamente, aceitando a informação que realmente esse dia chegou.
Ele confirma com a cabeça, subindo os vidros fumê pra me esconder dos olhos curiosos e acelera em direção ao morro. Vamos trocando uma ideia sobre tudo o que rolou na minha ausência, fiquei sabendo de fofoca que nem sequer sonhava ser verdade. Meia hora depois ele estaciona em frente ao portão dourado da minha casa, que se abre com o controle.
Ele estaciona dentro da garagem, confirmando que ninguém vai saber antes da hora que cheguei, e desço sentindo o cheiro de casa limpa. Caralho, é foda o tanto que a gente aprende a valorizar as pequenas coisas depois de ficar restrito por tanto tempo.
Entro na minha enorme casa admirando tudo ao redor, é como se eu estivesse entrando aqui pela primeira vez, tudo organizado como eu gosto, e olho pro tatu que ergue os braços se declarando culpado. Subo pro segundo andar sorrindo em ver meu quarto novamente, e me jogo na cama, deixando um gemido de satisfação ser arrancado dos meus lábios.
- Tatu: queria te fazer companhia patrão, mas tenho que ir lá, dona vitória é a própria neurose, vai me encher de perguntas - dou uma leve risada concordando por já conhecer o jeitinho dela - as quatro o moleque vem aí cortar teu cabelo, tua roupa deve chegar lá pelas seis e meia, a festa começa às sete, te mando mensagem quando já estivermos todos lá - concordo com a cabeça e ele me joga um iPhone de última geração, me fazendo quase gemer por amar a maldita Apple - número da patroa já tá salvo aí, mas deixa ela achar que tu sumiu - dou risada agradecendo e ele me faz um joinha saindo dali em seguida.
Tomo um banho bem demorado, apreciando a paz e tranquilidade que é estar em casa novamente. Tatu deixou uma marmita em cima da mesa, como a primeira comida de verdade em anos, e deito na minha cama macia pra tirar o atraso dos sonos mal dormidos.
Eu tô tão ansioso pra ver eles que meu estômago parece estar embrulhado, ao mesmo tempo estou tão grato por ter finalmente conseguido minha liberdade, só agradecer a Deus, por mais que tenha passado por tanto perrengue.
Ligo a televisão, clicando na Netflix pra ver as novidades, clico na série que a vitória não parava mais de falar enquanto conversamos esses dias, o nome é algo parecido com "Brooklyn nine-nine".
Abro minhas redes sociais e fico rolando o feed, me atualizando da vida de todos. O sorriso que rasga meu rosto quando vejo uma foto da ayla com o café da manhã, toda sorridente me faz estremecer, coisa mais linda da minha vida. Essa menina me tem nas mãos completamente, se ela me mandar latir, eu abano até meu rabo imaginário, sem condições pro quanto meu coração é entregue a ela.
Hoje ela faz cinco anos, e eu conheço a menos de quatro meses, e parece que vi essa garota crescer, o jeito encantador e eufórico dela me traz uma sensação de lar. O jeito animado que ela fala meu vulgo, o brilho em seus olhinhos sempre que ela me conta sobre o seu dia, e o tanto que meu coração se derrete quando ela fala que me ama, eu amo essa garota como se ela fosse minha por completo.
Desligo tudo por ali, ligando o ar condicionado e aproveitando esse momento, a gente só aprende a valorizar depois que perde né?!
Antes de eu cair em cana, achava tudo isso tão normal, minha vida era a mesma rotina sempre, querendo ou não, ser chefe de uma gestão inteira não te manda pra frente de conflito tanto quanto esperava, a parte burocrática é maior que tudo.
Mas hoje, depois de todos esses anos longe do meu morro, da minha casa, é tão bom estar deitado em uma cama de verdade, tendo o luxo de um ar condicionado me deixando refrescado.
Até comer uma marmita faz toda diferença depois de ficar privado por tanto tempo, se tem algo que eu aprendi nesse tempo, foi a dar valor as pequenas coisas, o dinheiro compra tudo, só não compra mesmo é tua liberdade.
Aprendi a amar o ar puro, o sol entrando pelas frestas da janela, enquanto o edredom macio e fofinho me cobre. As roupas cheirosas recém lavadas, como imagino que tenham sido, me traz uma sensação de conforto.
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Marginal Alado
Romance📍Rio de Janeiro, Rocinha. Com apenas vinte e dois anos, Vitória julga já ter passado por todos os desafios que a vida lhe impôs. Teve que reconstruir sua vida em um lugar completamente desconhecido e sozinha, sendo mãe solteira e não sabendo confia...