Capítulo 1

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Eu tentei ser uma boa menina, juro que tentei. Fiz de tudo que estava em meu alcance. Desde me submeter as vontades dos outros sem questionar, até mudar totalmente para agradar aqueles que me rodeavam. Mas não foi o suficiente. Nunca foi o suficiente. Sempre havia algo errado, ou eu achava que havia. Minha personalidade foi corrompida, a garota doce e ingênua, meiga e de coração puro foi manipulada, traída e machucada. Tive que aprender a ser forte sozinha. Aprender a criar uma casca bem grossa e me proteger, foi a solução por um tempo, mas até esta fora quebrada, e assim eu afundei. Não sabia mais quem eu era, dentro de mim só restava ódio e dor. Aprendi a usar da violência como meio de sobreviver. Eu gostei disso. Gosto do monstro que tive que me tornar. Não sei mais o que é amar e ser amada. Aqueles que eu mais amava foram tirados de mim. Os que ficaram se tornaram meras sombras do que foram um dia.

Não existe mais resquícios da menininha de cabelos longos e loiros platinados semelhantes a neve da manhã, que corria pelos corredores se escondendo dos irmãos. Aquela que gostava de brincar com bonecas e ficar observando a mãe tocar piano horas a fio morrera naquele maldito dia.

Não tinha mais que 4 anos, mas me lembro nitidamente todos os mínimos detalhes. As armas disparando para todos os lados, o vidro estilhaçando, sangue em todas as superfícies, a neve fria em meus pés, os galhos rasgando minha pele, as lagrimas deixando meus olhos e congelando em minhas bochechas vermelhas por causa do frio e do choro.

Naquele dia fatídico, atacaram minha casa antes de o sol nascer, mataram os soldados antes de o alarme ser soado e usaram os uniformes destes para nos enganar. Papai estava viajando e voltava naquele dia. Era meu aniversário de 4 anos e eu estava radiante. Mas ficou marcado como o pior dia da minha vida.

Um grupo de terroristas invadiu nossa casa e matou a sangue frio minha mãe e meus dois irmãos, Igor, que tinha pouco mais de 5 anos e era a cópia de meu pai, o pequeno Petrov, com quase 3 anos e cabelos castanhos e olhos verdes como os meus. Eu vi tudo por um buraco na parede, primeiro mataram Igor com um tiro na cabeça, depois foi Petrov do mesmo modo, minha mãe estava em choque, mas não olhava para os assassinos, olhava através deles, para onde eu estava escondida, quando lhe deram um tiro no meio da testa eu vi quando seus olhos verdes perderam o foco e seus cabelos castanhos tocaram o chão enxarcado com o sangue dos meus irmãos.

Não fiquei para que me achassem, corri pelas passagens escondidas e fugi. Estava escuro e muito frio, corri até desmaiar de exaustão. Meus pés estavam quase congelados, e eu estava muito machucada. Vieram me achar depois de quase dois dias de buscas. Estava em uma toca de raposa, meus cabelos e minha roupa de dormir quase brancos me misturavam a neve que caia, o que tornava quase impossível me encontrar. Papai estava devastado, quando me encontrou desabou em lágrimas.

Fora um massacre o que acontecera. Fiquei abalada por meses. Acordava aos gritos a noite, não queria comer e não falava com ninguém. Eu vivia escondida pela nova casa. Meu lugar preferido era no escritório de papai, onde havia um compartimento escondido em uma estante de livros, apenas eu sabia do lugar, com isso, passava horas ouvindo meu pai trabalhar. Isso me dava uma sensação de segurança que raramente sentia.

Um dia ele falou que o massacre devia ter matado a todos nós, que ele era o alvo e a viagem de emergência havia atrapalhado os planos dos assassinos. Ele suspeitava que mamãe desconfiava de que algo iria acontecer e deixou um recado, apenas uma frase: na floresta. Era uma pista de que se algo acontecesse ela iria nos mandar para a floresta. No final apenas eu sobrevivi. Aquele dia papai disse algo que me fez acordar. Minha mamãe havia deixado uma carta no cofre para ele achar. A frase era simples e mudava tudo. Torne ela o Don. Apenas quatro palavras que mudaram minha maldita vida.

Papai disse tudo que descobriu sobre aquele dia, que havia matado todos os culpados e que mesmo depois disso a vida continuava sem sentido. Quando ele recitou todos os detalhes, apenas chamou meu nome e me pediu para sair, que eu tinha que fazer uma escolha. Estava surpresa por ele saber que eu estava escondida ali, sai e vi papai sozinho no escritório, e contava tudo para mim, para que eu soubesse de tudo que ele tinha feito para vingar nossa família.

Herdeira RussaOnde histórias criam vida. Descubra agora