A Ameaça

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Southville, Aston
      Casa de Veraneio dos Kurosawa

       Às 5 horas da matina, com uma estrangeira inquietação, Ryu fechou a porta de seu quarto sutilmente e se dirigiu até as escadas que davam para a sala de estar. Tentou fazer o máximo de silêncio possível, enquanto descia degrau por degrau, como quem estivesse prestes a assaltar uma joalheria. Chegando no baixo, tratou de ligar o interruptor, iluminando assim todo o andar de baixo. Caminhou em direção à sala de estar e parou em frente a uma cômoda, com vários porta retratos. Permaneceu ali por um bom tempo, encarando as fotos com uma expressão séria. Até perceber que estava prestes a derramar uma lágrima. Levantou a cabeça e respirou fundo.
            - Já está acordado? Espero que, no mínimo, você tenha feito um bom café para sua mãe. - disse uma senhora, terminando de descer as escadas e indo na direção de Ryu.
             - Bom dia pra você também, mamãe. - respondeu, beijando a mão da senhora. - Como passou a noite? Conseguiu dormir?
               - A tarja preta funcionou dessa vez. Nunca dormi também desde que eu fiquei viúva.
                - Mamãe, o que o médico disse sobre essas tarjas pretas da senhora, hein? Não tinham proibido na última consulta?
                - Eu lá sou mulher de obedecer ordens médicas? Ora, por favor.
                - Se a senhora está dizendo. Só quero te lembrar que você já tem 78 anos, então qualquer maluquice sua pode te custar a vida.
               - Você fala assim, mas também não é nenhum jovem de 20 anos, não é, seu safado? E outra, eu já estou velha, minha hora já está chegando e-
               - Ora, mamãe. - interrompeu Ryu - Lá vem a senhora de novo com essa história. Vamos tomar café e esquecer esse papo de morte e velhice. - concluiu, dando o braço para a mãe para irem até a cozinha.
               A senhora não disse nada.  De braços dados com o filho, foi até a cozinha e sentou-se à mesa. Ryu foi em direção aos armários e pegou um pote de café e um coador de papel.
              - Não vai usar a cafeteira? Eu a comprei para ser usada. Vamos, largue esse coador xexelento.
              - Tudo bem, dona Michiko Kurosawa, eu usarei a cafeteira.
               Largando o coador de lado, ele pegou a cafeteira de dentro do armário embaixo da pia. Encheu uma jarrinha com água e colocou dentro, junto com quatro colheres de café. Depois, fechou a tampa e ligou na tomada.
              - Que cara é essa, deu para batucar a pia agora? - perguntou Michiko, percebendo a inquietação do filho.
               - Meu cigarro acabou.
               - E o que isso tem a ver com a minha pia? Vamos, venha para mesa e pare com esse barulho.
              Ryu cessou com o batuque e foi sentar com a mãe.
             - Agora diga, o que é que está se passando nessa cabecinha de vento?
              O homem não disse nada.
              - É hoje não é? Já fazem quantos anos?
              - Onze.
              - Entendo. Era por isso que você estava encarando as fotos da cômoda, não é?
               Ryu se limitou apenas a um sim com a cabeça e voltou com o batuque, agora na mesa. Então, Michiko colocou a mão sobre a do filho, a fim de que este parasse.
             - Você precisa sair para espairecer a cabeça. Precisa ver pessoas. Pensa que eu não sei que você vive trancado dentro daquela mansão? O cabo Taneda me disse. Você não sai, não conversa, não se diverte. Já passaram onze anos, meu filho! Você precisa se libertar disso! Precisa se permitir a viver novamente. Acha que a Hana ficaria feliz com isso?
                - Você não faz ideia de como eu me sinto! - vociferou Ryu, socando a mesa. - Você perdeu o papai da maneira mais comum do mundo. Você já esperava que um algum dia ele não iria voltar para casa, porque fazia parte do que ele escolheu pra viver. Mas eu não. Não, nós não escolhemos isso. Os meus filhos não escolheram isso. Ela não escolheu isso! E você acha que é fácil? Acha que é fácil viver com esse sentimento todos os dias, pensando em tudo que você poderia ter feito? Pensando em tudo que você poderia fazer diferente?
              - Ryu, você sabe o quão difícil para mim foi perder o seu pai. Sabe quantas noites em claro eu passei, pensando que ele iria voltar pra casa. Voltar para você e pra mim. Mas, eu levantei a minha cabeça. Você precisava de mim. Você foi o motivo pelo qual eu precisei continuar a viver.
              - Então, me aponte a senhora mesmo, que motivo eu tenho para continuar vivo? Pra quem eu tenho que levantar a minha cabeça? Vamos responda!
               Michiko apenas encarou o filho, com uma expressão triste. Temia que o filho acabasse sucumbindo a toda tristeza que guardava dentro de si.
              - Mãe, eu... Desculpa... Eu me precipitei. Não é sua culpa, eu não deveria-
              - É bom desabafar as vezes, meu filho. Se eu tivesse alguém naquela época, teria feito a mesma coisa...
               Ryu encarou a mãe. Só ele sabia o quão difícil foi para Michiko depois que o pai foi morto no fronte. Como foi para criá-lo sozinha e todas as noites de insônia, que ela enfrentava até aquele momento. Ele não tinha o direito de desmerecer a dor dela. Jamais deveria ter feito aquilo.
               - Não falaremos mais sobre isso, certo? Se for animar a senhora, eu vou para o festival do centro hoje, certo? Vamos, eu e a senhora?
              - Ah não, essa velhinha aqui não está com seco pra isso hoje. Vai estar lotado, Junpei está para chegar e eu sou muito lenta, você sabe disso.
             - Ora, mamãe! Não seja assim!
             - Não, não, eu não vou. Vá você sozinho. Aonde já se viu, um homem de 43 anos precisando da mamãe para ir nos lugares? Eu criei um homem independente, não criei?
              - Criou mamãe, criou.
              - Pois então, vá sozinho. E tome cuidado, não vá com carteira e nem com celular. Você pode ser assaltado.
              - O homem independente não precisa desse tipo de aviso! - exclamou Ryu, que já estava subindo as escadas para voltar para seu quarto.
              - Ora essa, homem independente. É um molenga isso sim.
              - Eu ainda tô te ouvindo, dona Michiko!
               - Vá se trocar e saia logo dessa casa! Ora, como pode ser tão parecido com o pai? Ai meu Deus! O café! - exclamou, levantando-se da mesa para desligar a cafeteira. 
                O dia havia começado muito bem na casa dos Kurosawa.


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