Condomínio dos Crisântemos
Edogan, YūgenFaltavam dois dias para toda aquela porcaria acabar. Infelizmente, teria que vê-lo, mas encararia aquilo de uma forma ou de outra. No entanto, já não o enxergaria da mesma maneira.
No meio de uma porção de sacos de batatinha e latas de refrigerante vazias, Morgan se levantou para passar uma água em seu rosto. Seu apartamento estava claramente precisando de uma faxina, mas isso não parecia ser uma preocupação. Sua pia? Uma imundície. Não lavava a louça já fazia um bom tempo. As roupas permaneciam mal guardadas, transbordando das gavetas, que também estavam quase fora do trilho. O único cômodo mais aceitável era o banheiro. Esse sim, por mais incrível que parecesse, era o mais habitável de todos os cômodos. Era cheiroso e até mais espaçoso que o quarto de Morgan.
Talvez porque fosse mais arrumado.
Lavou seu rosto, ajeitou o cabelo e pegou algumas pastilhas na gaveta da pia. Saindo do banheiro, foi até a cozinha, pisoteando garrafas plásticas vazias e jornais velhos. Abriu a geladeira, que estava praticamente vazia e pegou uma garrafa d'água, para tomar as pastilhas. Após tomá-las, jogou a garrafinha junto à coleção de garrafas vazias, que já formavam uma colônia no chão do apartamento. Voltou para o quarto e ligou o celular.
Vinte chamadas perdidas de Simon.
- Aí, cacete. Ele vai me matar. - murmurou, clicando no contato do irmão para retornar a ligação.
O telefone chamou, chamou e chamou. Caiu na caixa postal. Morgan tentou de novo. Chamou mais e mais e nada.
- Esse capeta vai me ignorar mesmo? - murmurou novamente.
Na terceira, e última vez, o mais novo atendeu .
- Alô?
- Ah, resolveu atender, bonitão?
- Meu celular estava descarregado, desculpa.
- Eu liguei VINTE VEZES! VINTE!
- Qual parte de O CELULAR DESCARREGOU você não entendeu?!
- Pois que carregasse ele, oras! Eu aqui do outro lado, preocupado com você, querendo saber notícias e você sumindo! Isso não se faz!
- Eu sou o irmão mais velho, não tenho que ficar dando satisfações.
- Ah, é assim? Mas lembre-se que, se não fosse por mim, você ainda estaria aqui e-
- Se não fosse por VOCÊ, eu estaria curtindo o meu feriado!
Simon ficou quieto na ligação por alguns segundos.
- Sim, - continuou Morgan - é isso que você está pensando! Deu tudo errado! Ele é um idiota, um grosso, que me mandou ir embora da casa dele. E agora? Agora eu estou aqui, largado no meu apartamento imundo, esperando esse inferno de feriado acabar pra continuar trabalhando, mesmo sabendo que vou ter que encarar aquele traste. Mas, tudo isso teria sido evitado se VOCÊ não tivesse tido a brilhante ideia de me mandar de volta para ver se o que eu sentia era ou não recíproco!
- Eu não te forcei a nada!
- Mas você-
- Não venha jogar a culpa das suas desilusões pra cima de mim! Se tudo deu errado, ótimo! Pelo menos você sabe que ele não te merece. Agora, você achar que a culpa da sua decepção, da sua tristeza é toda minha? Não, isso eu não sou obrigado a ouvir. VOCÊ é o mais velho, como você mesmo disse. Você sabe o que faz e não precisa me dar satisfações. Imagino que, seguindo esse raciocínio, você também não precisa descontar tudo em mim, certo?
Morgan ficou sem argumentos.
Simon tinha razão. O que ele estava fazendo afinal? Tudo o que seu irmãozinho queria era ajudá-lo e era assim que ele retribuía? Descontando toda a raiva nele?
Não era justo. O fato de Stefan ser um troglodita não era culpa dele.
Sentiu um peso no peito, uma vontade de chorar. No entanto, se lembrou da promessa de que jamais choraria na frente de Simon, então se segurou da forma que pôde.
- Eu sinto muito. - disse, se dando conta de que já tinha quebrado a promessa. - Não foi sua culpa, foi minha. Eu não deveria ter vindo, eu deveria ter ficado aí, com você, nós dois, assistindo filmes e comendo qualquer porcaria. Eu estaria feliz e... - parou para tomar fôlego e limpar o rosto, que já estava todo inchado e encharcado de lágrimas. - Eu estaria com você e nada mais importaria.
- Ei, está chorando?
- Aí, eu não sou feito de ferro, tá? E você não é mais um garotinho que precisa de uma figura forte do seu lado, você é uma figura forte agora. Precisa consolar o seu velho irmão.
- Seu mole! - disse Simon, não conseguindo conter o riso. - Aí se eu pego esse desgraçado quatro olhos! Eu soco ele! Quem ele pensa que é pra fazer meu irmão chorar?!
- Como você é carinhoso...
- Eu sou a figura forte, não sou?
- Eu disse isso, né? Não deveria ter dado asas à cobra.
- Bocó.
- Só se for você!
Os dois ficaram em silêncio. Morgan se acalmou mais um pouco e Simon ficou caçando o que dizer para dar continuidade a conversa.
- Não gosto de brigar com você... - murmurou Simon.
- E você acha que eu gosto?
- Eu não falei que você gosta.
- Será?
- Deixa de ser ridículo!
- Isso porque não gosta de brigar comigo. - Disse Morgan, rindo do irmão mais novo.
- Mas gosto de xingar você!
- Louco.
- Insuportável!
- O que é? Já quer desligar?
- E se eu quiser, vai fazer o que?
- Desligar também?
- Eu te odeio.
- Eu te amo.
Simon desligou o telefone.
- Menino bobo...
Morgan desligou o celular e levantou-se do saco de dormir, o qual chamava de cama. Decidiu que deveria fazer o dia valer a pena. Pegou um saco no armário de limpeza e começou a recolher todo o lixo do chão. Sacos de batatinha, garrafinhas plásticas, jornais, nada foi poupado. Em menos de minutos, o apartamento já começava a apresentar um espaço que antes não se percebia. Morgan sacou o aspirador e não deixou nenhum um cantinho sequer com poeira. A louça? Massacrada pela esponja e pelo detergente. Era tanta determinação por parte do rapaz, que não tardou para que tudo estivesse limpo.
No entanto, tendo acabado aquela energia que havia tomado conta de si, ele apenas parou com a faxina. Não estava brilhando, mas já estava melhor do que antes. Era um homem solteiro, não precisava de nada totalmente em ordem.
- Para um homem, só isso está bom. - falou, pensando alto. - Não precisa ficar igual a casa daquele bocó. Ora, arrumar CDs em ordem alfabética, isso lá é coisa de homem? - resmungava - E aquelas roupas? Aquele perfume exagerado, doce, envolvente. Aqueles olhos...
Percebendo que já estava pensando demais em Stefan, Morgan se levantou e trocou de roupa, a fim de que, fazendo outra coisa, esquecesse esse resquício de sentimento que ainda tinha por Stefan. Se limitou à clássica camiseta branca, uma jeans bege e um tênis preto de marca. Colocou um colar de militar, que o avô havia lhe dado de presente antes de morrer. Passou um perfume qualquer.
Um que não lembrasse o de Stefan.
Pegou suas chaves e carteira e saiu de casa. Cumprimentou suas vizinhas, cujo os nomes, Morgan não fazia ideia de quais eram. Desceu as escadas e andou mais um pouco até a portaria, onde cumprimentou o porteiro, que acenou de volta, como fazia com todos os que entravam e saíam do condomínio.
Morgan caminhou em direção ao supermercado mais próximo.
"Mais próximo".
Teria que caminhar um bom tempo para chegar lá. Poderia ter ido de carro, mas não estava com saco para dirigir e ter que lidar com as palhaçadas de alguns motoristas do centro. Estava disposto a gastar um pouco a sola do sapato para não ter que passar mais nervoso. Sacou um fone de ouvido de um dos bolsos da calça e começou a ouvir uma música.
Um bom rock and roll sempre encurtava qualquer distância.
Dito e feito. Quando notou, já estava na porta do supermercado. Era a magia da música fazendo milagres em sua vida. Tirou os fones e, como todo bom jovem adulto com alma de adolescente, foi logo para o setor de salgadinhos e doces. Encheu o carrinho de balas azedas, salgadinhos de milho, bolinhos e chicletes. Depois, deixou que o lado adulto falasse mais alto e pegou algumas caixas de cigarro, uma garrafa de vinho e quatro latinhas de cerveja. Acabando de encher o carrinho, se lembrou de um detalhe.
Estava sem carro.
Como faria para levar aquele monte de comida e bebida andando?
Iria chegar, no mínimo, sem os dois braços.
Não queria ter que pagar uma taxa de entrega. Sem chance!
No entanto, a solução seria devolver uma boa parte das coisas para as prateleiras. E lá foi ele, com o rabo entre as pernas, devolver os doces e alguns salgadinhos.
- Você por aqui, senhor Waschl? - exclamou uma voz conhecida e amigável.
Morgan virou-se para encontrar o dono da voz. Era o senhor Hidemasa, zelador do shopping center e faxineiro do escritório.
- Senhor Hidemasa? Que bom vê-lo! Como o senhor está? Está aproveitando o resto do feriado?
- Ah sim, e como estou! Tenho passado com as minhas netinhas, minha filha e meu genro. Todos vieram de Toyama para visitar eu e minha esposa. No entanto, vão embora amanhã, então vim aqui para comprar coisas para o almoço e para o jantar de hoje.
- O senhor sozinho?
- Mas é claro que sim! Um homem que se preze deve saber fazer essas coisas. Se tem uma coisa que meu pai me ensinou foi não deixar tudo nas costas das nossas companheiras. Um homem bom é solícito, ágil e espontâneo. É um companheiro.
- O senhor teve uma ótima criação. - disse Morgan, dando um sorriso gentil para o velho Hidemasa.
- Mas e quanto você? Tem ido muitas vezes para a casa do Stefan?
Morgan sofreu um delay. Quando se deu conta da pergunta, travou totalmente. Como contaria tudo que havia acontecido? Que ele voltou de viagem só para ver o traste e levou um quase fora?
- Senhor Waschl, está tudo bem? O senhor está suando. Eu falei algo errado?
- N-Não... É que eu... Nós... Eu e o Stefan não estamos-
- Ah sim, eu sei. Perdão por insinuar isso. Vocês são colegas de trabalho, não tem nem como haver nada a mais entre vocês. Ora, ele, um importante senhor, herdeiro de uma fortuna, não deve pensar em relacionamentos. Ainda mais com um colega como você.
"Nossa, obrigado..." pensou Morgan, mostrando-se desanimado com o que tinha acabado de ouvir.
- Mas não me leve a mal. Se vocês se gostassem, formariam um bonito casal. Não pense que eu sou algum homofóbico que vive de descontar o ódio contra pessoas inocentes que apenas querem se amar.
- Fique tranquilo, isso nem passou pela minha cabeça.
- Ah, que alívio. Bom, eu vou indo. Aliás, quer uma carona pra casa? Você parecia incomodado com o fato de ter que devolver suas compras, já que veio sem seu carro e teria que levar tudo até em casa a pé.
Morgan olhou para o velho com espanto. Como ele sabia de tudo aquilo. Eles tinham acabado de se encontrar, como era possível saber o que ele havia pensado há alguns segundos?
- C-como o senhor...
- Não não, meu jovem. Sem questões. É apenas sim ou não.
- Sim?
- Ótimo! Então, trate de reabastecer este seu carrinho e me encontre no caixa 6, sim?
- T-Tudo bem. Obrigado, velho- digo, senhor Hidemasa!
Porém, o velho já não estava mais ali. Havia sumido de repente, como um fantasma.
- Que medo...
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What's new, Mr Hathaway?
FantasíaNa grande capital de Yūgen, Edogan, o agiota Mura Hathaway leva a vida que sempre quis para si. Solteiro e sem planos para casamento e filhos, ele passa a maior parte do tempo no sobrado que herdou do avô e no escritório de agiotagem, executando pes...