mental

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      O oxigênio fazia um barulho agonizante, sentir aquilo enfiado no meu nariz dificultava tudo, a dor nos órgãos e no corpo só me lembravam o quão humano eu era.
    Minha visão doia mais do que eu sequer poderia imaginar, faz cerca de 2 semanas desde o incêndio, sinceramente as poucas recordações que tenho são do fogo invadindo meus pulmões, os braços meio morenos me arrastando pra fora de la, conseguia sentir minhas roupas grudando na minha pele e conforme ele tentava tirar minha blusa, minha pele iria junto.

   saio do transe com mais uma das enfermeiras que entraram nesse quarto com uma bandeja com algo que parece água marrom e um potinho de gelatina, me sento tremendo, o corpo inteiramente enfaixado, ainda sem coragem de ver minha nova realidade, minha pele permanece quente como se eu ainda estivesse queimando.

   Os médicos atualizaram recentemente suas fichas e preciso de ajuda psiquiatrica e psicológica, não sei como lidar com tal situação, visitei o inferno e não quero falar sobre isso, tem pessoas como eu nesse lugar, sobreviventes, pessoas escaparam do inferno e não falam sobre, em compensação, nada mais os incomoda.

    Cass era minha colega de quarto, encontrada dentro do banheiro, 78 porcento do pulmão prejudicado, totalmente desfigurada, nunca vi seu rosto, mais seus cabelos ruivos separados em tufos por conta das ataduras e do coro cabeludo queimado só a deixaram muito assustadora, por mais que fosse extremamente doce, sempre sentindo demais, sempre muito mais intenso, sempre mais animada ou mais deprimida, com cass não a meio termo, segundo varias pessoas, cass poderia ser facilmente identificada como louca, opiniões de idiotas apáticos que não conseguem compreender sua mente infantil, considerada "madura demais pra sua idade" que agora cresceu e com 19 anos está aprisionada no corpo de uma mulher que as vezes age como criança, simples atitudes guiadas pela criança que ela não teve oportunidade de ser.

’— oque ta pensando?— cass falou rouca, quase sem forças pra sequer respirar entre a frase.

'—sinto que estamos num filme de terror, pessimo e improvisado, torcendo pra termos um final decente ou feliz— minha voz saiu tão pior quanto a dela, a melancólia nunca saia do quarto, ou do hospital, o clima da morte é mais forte aqui.

—as vezes, a gente acha que atingiu o fundo do terror, desiste, e mesmo assim não morre, não vamos ter um final feliz sasu, vamos morrer assim que desligarem as máquinas— a certezas da morte é horrível, mais é uma certeza inevitável, tenho noção disso? Ou estou apenas me enganado?

—entao é isso? Não tem mais nada? Sobrevivemos a um incêndio, estamos internados e vamos morrer como idiotas?— acho que a revolta em minha voz é bem aparente, mais do que deveria

—sasuke, eu resisti a meus pais, resisti à escola e depois resisti a tornar-me uma cidadã decente. O que quer que eu fosse, fui desde o começo. Não queria que ninguém mexesse com isso. E ainda não quero, se eu morrer, sei que morrerei sabendo que nunca deixei de ser eu mesma, melhor morrer de forma Autêntica, não acha?— então o Silêncio engoliu nossas palavras revoltadas e orgulhosas demais, até o Silêncio tinha certeza que em breve, nunca mais iríamos nos revoltar.

   Sempre fui medroso, até hoje sou, não tenho noção do que sou e sou o típico adolescente que fica até as 3 da manhã pensando qual é minha cor favorita porquê tenho medo de não ter uma personalidade autêntica, isso inclui, o medo da morte, quando mais novo, encontrei uma lata vermelha e verde, chamava atenção, era linda, "perigo" dizia a lata "fatal ou prejudicial a ser ingerida" mais novamente, eu era um covarde: e pós a lata denovo na estante.

      Não há nada a lamentar sobre a morte, assim como não há nada a lamentar sobre o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte, será que eu oque eu pude viver nesses 20 anos serão o suficiente pra não me arrepender, ou ao contrário?
   
     Acordei com o som do aparelho cardiaco, fino, sem as pausas, um coração pleno e parado, chegado ao fim da sua função, virei o rosto rapidamente ao ver o corpo falecido de cass, frio, pálido e triste, acredito que ela saberia que iria morrer, e morreu autêntica, morreu quando em sua mão, conseguia ver o acesso respiratório, cass era tão covarde quanto eu, eramos covardes porque queríamos viver, pensávamos em alcançar o inalcançável, estranhamente, isso só me dá mais esperança.

Isso Não É Um Final Feliz Onde histórias criam vida. Descubra agora