...SONHO, PRAIA E PONTO DE ÔNIBUS....

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O dia em que eu descobri que meu irmão era forte foi quando ele quase pós fogo na nossa casa, é domingo, eu estava fazendo lição de casa e vejo que a mão dele ta sangrando muito, meu irmão amava batata frita e aparentemente ao tentar separar duas batatas fritas congeladas a faca quase atravessou a palma da mão dele, enquanto eu finjo fazer um curativo, ele lembra que deixou uma panela com óleo no fogo, corremos até a cozinha e quando abrimos a porta, eu consigo ver o fogo que sai da panela, meu primeiro pensamento é exatamente esse...

"É isso, nós vamos morrer"

Mas meu irmão com calma, segura a panela em chamas e joga farinha encima, faz uma fumaça horrivel mais o fogo some...nesse momento eu lembro quantas vezes meu irmão se mostrou completamente inalterado frente a situações de muita dor, foi ai que me ocorreu, quanto sofrimento, quanta dor ele deve ter superado pra considerar qualquer dor física insignificante? Ai meu irmão não era forte, ele só se acostumou em sentir dor.

Eu gostaria de dizer que fico acordado o tempo todo, mais é mentira, mesmo em coma, eu ainda consigo dormir.

Eu sonhei, com a minha casa, a luz entrando pela janela, o vento refrescando, a porta cheia de fechaduras e cadeados e principalmente, os recantos escuros não importa o quão iluminado estivesse...foi sempre tão assustador, e eu olhei bem ao redor, sentindo o desconforto, embora essa casa foi onde eu cresci, ali não era o meu lar....

E eu dancei, com meus pés sujos da poeira, rodopiando, colocando os pés pra cima igual uma bailarina mesmo que eu nunca tenha dançado balé, soltei minhas memórias, espiritos, frustrações, tudo numa dança tosca murmurando qualquer música que eu ms lembrasse, e eu corri, evitei as partes escuras da casa, corri pro quarto do meu irmão, não tinha recantos escuros lá, era tudo tão claro e iluminado, eu me ajoelhei ao pé da cama dele e cheirei o lençol e eu admito....eu chorei.
Chorei
Chorei
Chorei
Chorei....e dormi dentro do meu sonho.

Eu acordei, não literalmente, eu sabia que ainda estava em coma, porque senti meus ossos desfiando, o tempo passando, e eu senti um gosto amargo na boca, dedos gelados tocando os meus, meu coração acelerou, eu sei disso porque escuto a maquina, mais eu decidi relaxar denovo, fechou meus olhos e os abri denovo..em uma praia.

O mar era tão negro quanto possível que de forma agoniante, não fazia barulho, o céu nublado, a areia parecia cristalina em comparação ao mar, e eu corri, rodei, pulei, senti o vento no meu cabelo, senti a areia entre os meus dedos e uma concha na minha frente, me agachei e a coloquei no ouvido.

Não na esperança de ouvir as ondas ou o som de uma gaivota, mas na esperança de ouvir um único ruido da voz do meu irmão, um único mísero som, um timbre da sua voz, mais eu escutei a voz rouca e triste do meu sequestrador

Oi sasuke.

Eu afastei a concha tão rapido quanto séria humanamente possível....De certa forma, por mais tóxico ou irracional que tenha sido, nós apaixonamos por nossos sequestradores...eu me apaixonei, ele trouxe o meu lado mais sensível a tona, é difícil não se apaixonar por alguém que você conviveu por meses, toxico e amoroso...

Apos andar um pouco, percebi que não estava mais na praia que meu subconsciente criou, percebi quase em uma mudança sutil, as folhas de girassol enroscando nas minhas pernas, uma plantação de girassóis realmente linda, o vento fresco, o sol agradável, eu me sentia tão livre... tão bem, após uma observação atenta, tinha, de fato, uma estrada e um banco, a estrada era de terra, uma placa
pra parada de ônibus e me sentando no banquinho e olhando do outro lado tinha um menino, cabelos loiros, listrinhas nas bochechas, pele branquinha, eu sabia exatamente quem era, ele me olhava com raiva, uma raiva pura e eu senti, uma explosão de sentimentos, tudo junto, misturado, intenso.

Eu senti raiva, decepção, amor, paixão, alegria, e eu sabia exatamente que ele tambem sentia a mesma coisa, mais meu olhar suavizou, o olhar dele suavizou e vendo seus olhos, parecendo uma lagoa cristalina azul profunda em um dia de verão gostoso, e eu escutei a risada contagiante dele, era tão gostosa de escutar que foi impossível não começar a rir tambem e quando eu percebi, estavamos rindo juntos, rir junto é melhor que falar a mesma língua, nós sentindo conectados, o riso talvez seja uma língua anterior que formos perdendo a medida que o mundo deixou de ser gentil.

E eu percebo o quão ele é lindo, como se o sol tivesse deixado um pedacinhos pra ele, eu nunca vi esse brilho enquanto nós conviviamos, mais assim que o vento bagunçou meus cabelos denovo e cobriu minha visão e quando olhei novamente....O menino sumiu, mais a presença dele continuava lá.

Me sentei no banco e passo os dedos entre as minhas bochechas, eu não me sentia tão bem a tempos, fazia tempos que não sentia essa sensação de leveza, antes, eu me sentia cansado, mais ao mesmo tempo eu me sentia culpado, meu cansaço era estrutural, eu não sabia explicar pra alguém que passei quatro dias bebado, jogado nun sofá, esperando o horário que o loiro voltaria pra casa, abraçaria meu corpo cheirando a bebida, igual a quando eu era uma criança fingindo ser um adulto, acho que, no dia que deixei de ser criança foi quando descobri que os adultos tambem choravam, e me permitir ser adulto quando aceitei chorar igual a uma criança, e sentado ali naquele banco criado pelo meu sub-consciente, com pequenas lagrimas escorrendo pelo meu rosto, eu percebi, que de certa forma eu percebi que...eu vou morrer, eu não vou acordar e as maquinas não me manter vivos...as máquinas são a única coisa que eu tenho agora.

- Minhas guardiãs mecânicas -

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