A Carta

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AVISO : Imagens do Pinterest

Ei, Pedro,
É a Laura.
Honestamente não é fácil fazer isto.
E eu sei que te vou magoar ao ir embora e talvez muitas pessoas pensem que eu o fiz para chamar à atenção. Sinceramente já consigo imaginar os meus vizinhos a culpar-me por me suicidar e arrasar os meus pais. E se queres saberer não me importo. Se fosse à um ano atrás, eu provavelmente importaria me com o que eles pessam sobre mim. Mas a esta altura nada mais importa. Eu pensei muito antes de tomar esta decisão não é fácil para mim, mas eu preciso de paz, preciso de descansar. Estou cansada de lutar contra a corrente apenas para me voltar a afogar. Eu dei uma parte de mim a toda agente até que não sobrou nada a não ser um vazio, que foi aumentando com tempo.

A vida nem sempre foi fácil. Em grande parte foi cruel. Tirou me muitas coisas que nunca poderam ser devolvidas. Mas também me deu coisas muito bonitas. Como tu. Eu nunca conseguiria viver sem ti. Foste um luz e uma presença constante na minha vida. E lutas-te por mim até ao fim.

Amo-te muito, como melhor amigo, como irmão e uma das únicas certezas que sempre tive é que tu sentes o mesmo.

Não deixes de seguir a tua vida ou fiques preso no passado só porque eu me foi embora, não te culpes por aquilo que me aconteceu, não foi culpa tua. Vive aquilo que eu não vivi, faz aquilo que eu queria ter feito.
Mas eu conheço te bem demais para dizer que és casmurro e a pessoa mais teimosa e persistente que conheço. Então decidi deixar-te uma coisa.

Escrever era a minha paixão e os livros eram os meus amantes . Deixo-te então os meus bens mais preciosos, por isso vê-la se os tratas bem (brincadeira sei que estão em boas mãos).
Estão estão aqui todos os poemas, textos, ideias, notas e manuscritos que escrevi ao longo da vida (são muitos como deves calcular).

E também te deixo... eu deixo-te o meu diário.

Este é o diário que escrevi com os piores momentos da minha vida, tudo o que eu pensava e sentia, não é muita coisa são só algumas reflexões e passagens sobre os meus piores dias e sobre as coisas que me magoaram. Honestamente espero não estar a cometer um erro ao deixar te isto. Não te quero magoar mais. Mas sei que provavelmente vais querer saber verdadeiramente aquilo que me levou a acabar com a minha vida. E sei que mesmo que não te deixasse isto irias à procura de respostas em outros sítios por isso ao menos tens a minha versão da história e não a das outras pessoas. Peço te só que não te massacres com o isto.

Amo-te muito.

E como já dizia um grande pensador: "
Para as mentes bem organizadas, a morte é apenas a próxima aventura".

Com amor, Laura.

Acho que já relera aquela carta umas cem vezes desde que chegou cá a casa junto com o pacote que agora sabia que contia todos os textos escritos pela Laura e o seu diário.

Estava receoso em abri-lo, porque tinha medo do que podia encontrar, mas ela estava, como estava quase sempre, certa. Eu queria respostas. Queria saber tudo o lhe passara pela cabeça, queria saber porque não a consegui ajuda-la, queria saber quem a tinha magoado tanto, para poder ficar com raiva deles e culpa-los e certificar-me que eles se sentiam culpados pela sua morte. Mas sobretudo queria a minha melhor amigar de volta e isso eu não podia ter.

Acho que quando recebi a encomenda e vi que o nome dela no remetente, tive a estúpida esperança que tudo não passasse de uma mal-entendido, que o corpo que tiramos do rio era de outra pessoa e que a Laura estava bem, que tudo não passava apenas de um sonho e que muito provavelmente ela só tinha fugido e estava a escrever-me para me contar do sítio onde se refugiara e que estava bem. Mas eu sabia que era mentira que a minha melhor amiga estava morta, enterrada no cemitério da aldeia, não havia erro algum, afinal eu mesmo ajudei a tirar o corpo dela do rio na semana passada, tinha posto ao pé do seu caixão flores durante o funeral de ontem e tinha ajudado a carrega-lo para o seu último local de descanso.

Uma parte de mim não o queria abrir, não me apetecia ler o sofrimento dela, tudo aquilo que ela tinha passado, aquilo que ela escondia atrás da máscara que eu não consegui tirar-lhe, mas sabia que nunca descansaria se não o fizesse.

Peguei no embrulho castanho e abri-o. Logo comecei a sentir os olhos arder e as lágrimas a rolarem pela cara, quando apanhei a primeira coisa que caio do embrulho. Era uma foto nossa, devíamos ter cerca de seis anos e estávamos cobertos de chocolate, mãos, boca e nariz cobertos de chocolate. Era adorável. Lembro-me bem daquele dia, conhecia a Laura desde os cinco anos e aquela tinha sido a primeira vez que ela viera cá a casa. A minha mãe tivera a fazer um bolo e chamou-nos para lamber as taças e as colheres quando terminou. Ali estávamos nós com as mãos abertas e línguas de fora a sorrir para a câmara.

Tinha tantas saudades dela, apesar de se ter ido embora há tão pouco tempo. Tinha saudades de quando era tudo mais simples, quando eramos crianças dizíamos que íamos dominar o mundo, que nada nos separaria, nunca imaginamos que isto pudesse acontecer. A partir do quinto ano tudo se complicou, fomos atingidos com a dura realidade do mundo que nos rodeia. E infelizmente o que aconteceu com a Laura é um exemplo daquilo que acontece a muitos jovens.

Eram dez da manhã de segunda feira, esta semana não iria à escola. Tinha passado a noite passada a pensar nela, a chorar e a refletir sobre tantas coisas que fiquei com enxaquecas. Devia ter dormido menos de três horas, estava muito cansado, mas não queria ir dormir, porque cada vez que fechava os olhos o rosto dela aparecia-me à frente. Os meus pais chegaram a conclusão que era melhor ficar esta semana em casa afinal a minha relação com a Laura tinha cerca de dez anos, confiávamos muito um no outro e amávamo-nos como irmãos, mais uma coisa em que ela tinha razão, logo mesmo que eu fosse à escola não me iria concentrar em nada e provavelmente meteria me em sarilhos. Afinal perder a rapariga que era minha irmã em tudo menos em sangue era uma das coisa mais difícil que por alguma vez passara.

Despejei o resto dos cereais no lixo, não estava com fome, mas prometera a minha mãe que tentaria comer alguma coisa, lavei o prato peguei no embrulho e foi para o quarto.

Tinha o cabelo todo despenteado, parecia uma selva como a Laura costumava dizer, ainda bem que tinha muitos vídeos dela, não queria esquecer o som da sua voz.

Liguei a aparelhagem com a playlist favorita dela e comecei a tirar o conteúdo do pacote. Tirei um envelope cheio de fotografia que decidi que iria ver mais tarde. As folhas com os textos dela estavam em micas com nomes escritos com marcador preto na capa, organizados como sempre. E por fim o caderno axadrezado com de argolas que dizia na capa "O meu diário ".

Quando o abri caiu uma nota:

"Deixei tudo organizado para ti.

Beijinhos.
Ela sempre foi muito organizada, literalmente queixava-se sempre quando vinha a minha casa que o meu quarto estava sempre desarrumado, e depois começava a arrumar tudo enquanto me picava os miolos e me fazia arrumar com ela. Sorri levemente ao recordar esses momentos. Folheei o diário,tinha poucas passagens, mas cada uma era extensa provavelmente cheia de pormenores. Não vale a pena ficar aqui só a olhar para ele é melhor começar a lê-lo, não é muito o meu género de literário, prefiro BD ou livros de aventuras, então sei que me vai custar um pouco a ler, mas era da Laura então ia fazer um esforço e lê-lo. Sentei me no meu pufe laranja abri na primeira passagem e li

"25 de agosto de 2021"

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